24 de fevereiro de 2015

PRIVATIZAR OS LUCROS E SOCIALIZAR OS RISCOS

A palavra neoliberalismo. Minha opinião é que se refere a um projeto de classe que surgiu na crise dos anos 1970. Mascarado por muita retórica sobre liberdade individual, autonomia, responsabilidade pessoal e as virtudes da privatização, livre-mercado e livre-comércio, legitimou políticas draconianas destinadas a restaurar e consolidar o poder da classe capitalista. Esse projeto tem sido bem-sucedido, a julgar pela incrível centralização da riqueza e do poder observável em todos os países que tomaram o caminho neoliberal. E não há nenhuma evidência de que ele está morto. Um dos princípios básicos pragmáticos que surgiram na década de 1980, por exemplo, foi o de que o poder do Estado deve proteger as instituições financeiras a todo custo. Esse princípio, que bateu de frente com o não intervencionismo que a teoria neoliberal prescreveu, surgiu a partir da crise fiscal da cidade de Nova York de meados da década de 1970. Foi então estendido internacionalmente para o México durante a crise da dívida que abalou os fundamentos do país em 1982. De modo nu e cru, a política era: privatizar os lucros e socializar os riscos; salvar os bancos e colocar os sacrifícios nas pessoas (no México, por exemplo, o padrão de vida da população diminuiu cerca de um quarto em quatro anos após o socorro econômico de 1982). O resultado foi o conhecido "risco moral" sistêmico. Os bancos se comportam mal porque não são responsáveis pelas consequências negativas dos comportamentos de alto risco. (...) Nos Estados Unidos, por exemplo, a renda familiar desde a década de 1970 tem em geral estagnado em meio a uma imensa acumulação de riqueza por interesses da classe capitalista. Pela primeira vez na história dos EUA, os trabalhadores não têm participação em qualquer dos ganhos de produtividade crescentes. Temos vivenciado trinta anos de repressão salarial. (...).

Da mesma forma que o neoliberalismo surgiu como uma resposta à crise dos anos 1970, o caminho a ser escolhido hoje definirá o caráter da próxima evolução do capitalismo. As políticas atuais propõem sair da crise com uma maior consolidação e centralização do poder da classe capitalista. Restaram apenas quatro ou cinco grandes instituições bancárias nos Estados Unidos, embora muitos em Wall Street estejam prosperando. (...) Alguns ricos vão perder, com certeza, mas segundo a famosa observação de Andrew Mellon (banqueiro dos EUA, secretário do Tesouro de 1921 a 1932): "Em uma crise, os ativos retornam aos seus legítimos proprietários" (ou seja, ele). E assim vai ser desta vez também, a menos que um movimento político alternativo surja para detê-lo.

David Harvey (O Enigma do Capital; págs: 16 e 18)

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