A continuidade do fluxo na circulação do capital é muito importante. O processo não pode ser interrompido sem incorrer em perdas. Há também fortes incentivos para acelerar a velocidade da circulação. (...) A aceleração quase sempre leva a maiores lucros. (...) Qualquer interrupção no processo ameaça levar à perda ou desvalorização do capital investido. Os ataques do 11 de Setembro de 2001 nos Estados Unidos, por exemplo, interromperam o fluxo de bens, serviços e pessoas dentro e fora da cidade de Nova York (e outras) e fecharam mercados financeiros por um tempo. Dentro de três dias, porém, tornou-se claro que os fluxos tinham de ser ressuscitados ou a economia estaria em apuros. Apelos públicos vigorosos foram feitos para todos saírem e fazerem compras, viajarem, consumirem e voltarem aos negócios (especialmente no setor financeiro). Era patriótico ajudar a economia a retomar seu rumo indo às compras! O presidente George W. Bush até mesmo tomou a atitude extraordinária de aparecer em um comercial coletivo das companhias aéreas exortando a todos a esquecer seus medos e continuar a viajar de avião. Embora as interrupções temporárias do tipo da do 11 de Setembro possam ser revertidas, a falta de movimento a longo prazo prenuncia uma crise do capitalismo. (...). Se o crescimento não recomeça, então o capital superacumulado se desvaloriza ou é destruído. A geografia histórica do capitalismo está repleta de exemplos de crises de superacumulação, algumas locais e de curta duração (como a queda dos bancos suecos em 1992), outras em uma escala um pouco maior (a recessão de longa data que aflige a economia japonesa desde 1990 aproximadamente) e outras vezes tomando todo o sistema e, mais tarde, o globo (como em 1848, 1929, 1973 e 2008). (...).
Ao longo da história do capitalismo muito esforço tem sido posto, portanto, na redução do atrito de distância e dos obstáculos à circulação. Inovações nos transportes e comunicação têm sido cruciais. Aumentar a abertura das fronteiras do Estado ao comércio e finanças, assinar acordos de livre-comércio e garantir um bom enquadramento jurídico para o comércio internacional também são vistos como essenciais a longo prazo. Imagine se as barreiras alfandegárias na Europa nunca tivessem sido abolidas. Para citar outro exemplo contemporâneo, a securitização das hipotecas locais e sua venda a investidores em todo o mundo eram vistos como uma maneira de conectar áreas de escassez de capital àquelas com excedentes, supostamente minimizando os riscos. Ao longo da história do capitalismo tem havido uma tendência para a redução geral das barreiras espaciais e a aceleração. As configurações do espaço e do tempo da vida social são periodicamente revolucionadas (lembre-se do que aconteceu com a chegada das ferrovias no século XIX e do impacto atual da web). O movimento torna-se ainda mais rápido e as relações no espaço cada vez mais estreitas. Mas essa tendência não é nem suave nem irreversível. O protecionismo pode voltar, as barreiras podem ser reforçadas, guerras civis podem interromper os fluxos. Além disso, as revoluções nas relações espaciais e temporais produzem tensões e crises (tenha em mente os difíceis ajustes forçados em muitas cidades, com a desindustrialização generalizada nas capitais da produção capitalista na década de 1980 quando a produção mudou-se para o Leste da Ásia). (...).
Por que os capitalistas reinvestem na expansão, em vez de consumir seus lucros em prazeres? Esse é o lugar em que "as leis coercitivas da concorrência" desempenham um papel decisivo. Se eu, como capitalista, não reinvestir em expansão e um rival o fizer, então depois de um tempo eu provavelmente estarei fechando as portas. Preciso proteger e expandir minha participação no mercado. Tenho de reinvestir para permanecer um capitalista. Isso pressupõe, no entanto, a existência de um ambiente competitivo, que exige que também expliquemos como a concorrência é perpetuada em face das tendências para a monopolização ou outras barreiras sociais ou tradicionais ao comportamento competitivo. (...) Na ausência de quaisquer limites ou barreiras, a necessidade de reinvestir a fim de continuar a ser um capitalista impulsiona o capitalismo a se expandir a uma taxa composta. (...) Há, contudo, outra motivação para reinvestir. O dinheiro é uma forma de poder social que pode ser apropriado por particulares. Além disso, é uma forma de poder social que não tem limites inerentes. Há um limite para a quantidade de terra que posso ter, de ativos físicos que posso comandar. Imelda Marcos tinha 6 mil pares de sapatos, descobriu-se após a derrubada da ditadura de seu marido nas Filipinas, mas isso ainda constituía um limite da mesma forma que as pessoas muito ricas não podem possuir bilhões de iates ou condomínios fechados. Mas não existe limite inerente aos bilhões de dólares que um indivíduo pode comandar. A ilimitação do dinheiro e o desejo inevitável de comandar o poder social que ele confere oferecem uma gama abundante de incentivos sociais e políticos para querer ainda mais dinheiro. E uma das principais maneiras de ter mais é reinvestir uma parte dos fundos excedentes conquistados ontem para amanhã gerar mais excedentes. Existem, é triste dizer, muitas outras formas de acumular o poder social que o dinheiro possibilita: fraude, corrupção, banditismo, roubo e tráfico ilegal. Mas vou considerar aqui em especial as formas legalmente sancionadas, embora possa haver um argumento sério de que as formas extralegais são fundamentais, não apenas periféricas, ao capitalismo (os três maiores setores de comércio externo global são as drogas, as armas ilegais e o tráfego de seres humanos).
David Harvey (O Enigma do Capital; págs: 42, 43, 44 e 45)
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