31 de dezembro de 2020

MINHAS SENSAÇÕES

A única realidade para mim são as minhas sensações. Eu sou uma sensação minha. Portanto nem da minha própria existência estou certo. Posso está-lo apenas daquelas sensações a que eu chamo minhas. A verdade? É uma coisa exterior? Não posso ter a certeza dela, porque não é uma sensação minha, e eu só destas tenho a certeza. Uma sensação minha? De quê? Procurar o sonho é pois procurar a verdade, visto que a única verdade para mim sou eu próprio. Isolar-me tanto quanto possível dos outros é respeitar a verdade. Toda a metafísica é a procura da verdade, entendendo por Verdade a verdade absoluta. Ora a Verdade, seja ela o que for, e admitindo que seja qualquer coisa, se existe, existe ou dentro das minhas sensações, ou fora delas ou tanto dentro como fora delas. Se existe fora das minhas sensações, é uma coisa de que eu nunca posso estar certo, não existe para mim portanto, é, para mim, não só o contrário da Certeza, porque só das minhas sensações estou certo, mas o contrário de ser, porque a única coisa que existe pra mim são as minhas sensações. De modo que, a existir fora das minhas sensações, a Verdade é para mim igual à Incerteza e não-ser – não existe e não é a verdade, portanto. Mas concedamos o absurdo de que as minhas sensações possam ser o erro, e o não-ser (o que é absurdo, visto que elas, com certeza, existem) – nesse caso a verdade é o ser e existe fora das minhas sensações totalmente.

Mas a ideia Verdade é uma ideia minha; existe, por isso, dentro das minhas sensações: portanto, no que Verdade abstrata e fora de mim, a verdade existe dentro de mim – contradição, portanto; e erro, consequentemente. A outra hipótese é que a verdade existe dentro das minhas sensações. Nesse caso ou é a soma delas todas, ou é uma delas, ou parte delas. Se é uma delas, em que se distingue das outras? Se é uma sensação, não se distingue essencialmente das outras, e, para que se distinguisse, era preciso que se distinguisse essencialmente. E se não é uma sensação, não é uma sensação. – Se é parte das minhas sensações, que parte? As sensações têm duas faces – a de serem sentidas e a de serem dadas como coisas sentidas, a parte pela qual são minhas e a parte pela qual são de “coisas”. É uma destas partes, que a Verdade, a ser parte das minhas sensações, tem de ser. (Se é de qualquer modo um grupo de sensações unificando-se ao constituir uma só sensação, cai sob a garra do raciocínio que conduz à hipótese anterior.) Se é uma das duas faces – qual? A face “subjetiva”? Ora essa face subjetiva aparece-me sob uma de duas formas – ou a da minha “individualidade” una ou a de uma múltipla individualidade “minha”. No primeiro caso é uma sensação minha como qualquer outra e já fica refutada no argumento anterior. No segundo caso, essa verdade é múltipla e diversa, é verdades - o que é contraditório com a ideia de Verdade, valha ela o que valer. Será então a face objetiva? O mesmo argumento se aplica, porque ou é uma unificação dessas sensações numa ideia de um mundo exterior – e essa ideia ou não é nada ou é uma sensação minha, e se é uma sensação, já fica refutada essa hipótese; ou é de um múltiplo mundo exterior, e isso reduz-se às minhas sensações, então pluralidade de modos é a essência da ideia de Verdade.

Resta analisar se a Verdade é o conjunto das minhas sensações. Essas sensações ou são tomadas como uma ou como muitas. No primeiro caso voltamos à já rejeitada hipótese. No segundo caso a Verdade como ideia desaparece, porque se consubstancia com a totalidade das minhas sensações. Mas para ser a totalidade das minhas sensações, mesmo concebidas como minhas sensações, nuamente, a verdade fica dispersa – desaparece. Porque, ou se baseia na ideia de totalidade, que é uma ideia (ou sensação) nossa, ou não se apoia em parte nenhuma. Mas nada prova, mesmo, a identidade de verdade e totalidade. Portanto, a verdade não existe. Mas nós temos a ideia... Temos, mas vemos que não corresponde a “Realidade” nenhuma, suposto que realidade significa qualquer coisa. A Verdade é, portanto, uma ideia ou sensação nossa, não sabemos de que, sem significado, portanto sem valor, como qualquer outra sensação nossa. Ficamos, portanto, com as nossas sensações por única “realidade”, realidade que “realmente” até tem aqui certo valor, mas é uma conveniência para frasear. De “real” temos apenas as nossas sensações, mas “real” (que é uma sensação nossa) não significa nada, nem mesmo “significa” significa qualquer coisa, nem “sensação” tem um sentido, nem “tem um sentido” é coisa que tenha sentido algum. Tudo é o mesmo mistério. Reparo, porém, em que nem tudo pode significar coisa alguma, ou “mistério” é palavra que tenha significação.

Fernando Pessoa (O Livro do Desassossego; págs: 458, 459 e 460)

BUGS

Os bugs eram a coisa mais irritante na programação de computadores. Como os computadores seguem ordens minuciosas de operação, qualquer erro mínimo geralmente traz enormes consequências. Pequenos erros – como,  por exemplo, quando um programador digita uma vírgula em vez de um ponto - podem fazer sistemas inteiros parar. Susan sempre achou engraçado a origem da palavra bug, que significa, literalmente, inseto. O termo originou-se do primeiro computador do mundo, o Mark I, construído em 1944 em um laboratório da Universidade de Harvard. Ocupava uma sala inteira e era um labirinto de cabos conectando válvulas e circuitos eletromecânicos. Quando estava em operação, surgiu um erro persistente, e ninguém conseguia descobrir a causa. Após horas de pesquisas, um assistente de laboratório finalmente solucionou o problema. Aparentemente uma mariposa havia pousado em uma das placas do computador e, tendo morrido pelo choque elétrico, criou um curto-circuito. A partir de então, os erros de computador passaram a ser frequentemente chamados de bugs.

Dan Brown (Fortaleza Digital; pág: 113)

23 de dezembro de 2020

PERVERSÕES DA CIVILIZAÇÃO

A qualidade da civilização depende de um balanço de corpo, mente e espírito de seu povo, medido por uma escala menos humana que divina”. Ele advertia que a ciência havia se tornado tanto uma vítima de seus técnicos quanto a religião de seus fanáticos, que, assim como “as verdades espirituais de Cristo e Lao-tsé foram pervertidas exploração temporal de crentes cristãos e taoístas, as verdades intelectuais de grandes cientistas estavam sendo pervertidas pela exploração material da indústria e da guerra. Hiroshima esteve tão distante da intenção do cientista puro quanto a Inquisição, do Sermão da Montanha.”

A. Scott Berg (Lindbergh: uma biografia; págs: 597 e 598)

20 de dezembro de 2020

DE PAI PARA FILHO

Queen (Father To Son)

TRILHA INVESTIGATIVA

 

Desde a primavera de 1932, o técnico em madeira Arthur Koehler vinha analisando a escada do seqüestro. Ele começou por desmontá-la completamente, numerando cada degrau e os corrimões. Diversos tipos de madeira – pinho, bétula, abeto – foram usados na construção da escada, cada um deles com suas marcas internas de anéis e nós e com suas próprias marcas externas da máquina que serrou a matéria-prima e das ferramentas usadas para construir a escada. Uma peça de madeira – identificada como “corrimão número 16” – era especialmente interessante porque tinha quatro buracos de pregos sem nenhuma conexão com a construção da escada e que, por isso, sugeriam utilização anterior. De um alburno inferior, sem nenhum sinal de envelhecimento causado por fenômenos climáticos, o corrimão dava a impressão de ter sido talhado em ambiente interno e usado para construção pesada, talvez numa garagem ou num sótão.

Havia dezenas de outras pistas que mantiveram Koehler na trilha investigativa. Os degraus dessa escada caseira, por exemplo, eram do suave pinho Ponderosa e não mostravam nenhum tipo de uso anterior, o que indicava que a escada havia sido construída para um emprego específico. As marcas deixadas nesses degraus pela plaina com que a madeira foi desbastada revelavam uma combinação incomum de tipos de corte. Koehler enviou cartas a 1600 marcenarias na Costa Leste perguntando se suas plainas tinham aquelas características. Respostas positivas vieram de 25 marcenarias, às quais se pediu que enviassem amostras de tábuas. Dentre elas, Koehler foi capaz de identificar a carpintaria Dorn Lumber, em McCormick, Carolina do Sul, como a fonte das tábuas que serviram para fazer os degraus da escada. Vinte e cinco carpintarias haviam comprado tábuas de Dorn Lumber desde o outono de 1929. Por meio de dedução científica, Koehler reduziu a lista até chegar à National Lumber and Millwork Company, do Bronx, que fizera uma encomenda em dezembro de 1931, três meses antes do seqüestro. Em novembro de 1933, após dezoito meses de investigação, Koehler precisava apenas dos comprovantes de venda da carpintaria do Bronx para chegar ao possível construtor da escada. Infelizmente, a National Lumber operava basicamente com papel-moeda e não mantinha esse tipo de contabilidade.

A. Scott Berg (Lindbergh: uma biografia; pág: 369)

17 de dezembro de 2020

OFFSHORES

 

Offshore, um termo que presta reverência aos velhos tempos dos corsários que saqueavam os mares e depositavam a pilhagem off-shore ou fora da costa. (...) Dificilmente uma offshore company movimenta milhões no mesmo paraíso em que está situada. Um exemplo: as contas dos doleiros do Banestado e de outros escritórios de lavagem de Nova York eram abertas sempre em nome de offshores nas ilhas Virgens Britânicas e em outros paraísos fiscais. Ou seja, embora situadas no Caribe, essas empresas centralizam suas operações em bancos dos Estados Unidos. (...) Mas por que o dinheiro devia fazer uma escala nos Estados Unidos antes de seguir caminho para os paraísos fiscais? Simplesmente porque, segundo a legislação internacional que rege as casas de custódias, toda operação financeira em dólar entre dois países distintos deve transitar pelos EUA (país da moeda-padrão) antes de seguir viagem. Isso explica porque mesmo as offshores abertas no Uruguai ou no Caribe centralizam suas operações financeiras em bancos norte-americanos. (...).

Qual o motivo que leva uma pessoa a abrir uma conta em um desses lugares? A isenção de impostos é algo tentador, mas os donos de offshores usam os paraísos fiscais principalmente como um biombo para proteger, manter suas identidades e ocultar dinheiro sem procedência. Como lembra o delegado federal Rodrigo Carneiro Gomes, a principal característica de uma offshore é a portabilidade de títulos de propriedade (o cotista aparece apenas como portador das cautelas da empresa), o que mantém os verdadeiros donos em uma zona de sombra. (...) Quando querem operar clandestinamente, principalmente em operações de repatriamento de dinheiro, os reais sócios das offshores aparecem apenas como procuradores de suas próprias firmas. No submundo da lavagem de dinheiro, as offshores funcionam como empresas-ônibus. São chamadas assim porque, grosso modo, só exercem a função de enviar e trazer dinheiro do exterior. Geralmente as procurações, em que os donos simulam serem somente representantes de suas próprias offshores, são assinadas pelos diretores dos escritórios especializados em abrir e operar esses empreendimentos. As escrituras são lavradas quase sempre em consulados brasileiros nos Estados Unidos ou no Panamá. Lá, o documento recebe o selo dos paraísos fiscais, que mantêm em segredo a identidade de quem está verdadeiramente por trás do negócio. As empresas são identificadas apenas pelo número de uma P.O. box, simplesmente uma caixa postal.

Com frequência, tais procurações são empregadas em operações nas quais os lavadores internam dinheiro de suas offshores em suas próprias empresas instaladas no Brasil. Disfarçadas como investidores estrangeiros, as offshores passam a adquirir cotas de firmas de seus próprios donos no Brasil. Como tudo não passa de um jogo de cena, a compra e venda pode ser marcada por aberrações e esquisitices. Não são raros os casos em que uma mesma pessoa assina, ao mesmo tempo, nas duas pontas dessas transações: como procuradora da fora da costa e na condição de dona da empresa situada no Brasil, que passa a receber recursos de sua sócia no paraíso fiscal.

Amaury Ribeiro Jr. (A Privataria Tucana; págs: 46, 47, 129 e 130)

ILLUMINATI

 

Por volta de 1500, um grupo de homens em Roma revidou e lutou contra a Igreja. Alguns dos homens mais esclarecidos da Itália – físicos, matemáticos, astrônomos – começaram a promover encontros secretos para discutir suas preocupações sobre os ensinamentos errados difundidos pela Igreja. Temiam que o monopólio da “verdade” pela Igreja ameaçasse a difusão dos conhecimentos acadêmicos pelo mundo afora. Fundaram o primeiro think tank científico do mundo, chamando a si mesmos de “os esclarecidos”. (...) Os Illuminati. (...) As mentes mais cultas da Europa... dedicadas à busca da verdade científica. (...) Os Illuminati eram caçados impiedosamente pela Igreja Católica. Somente através de ritos extremamente sigilosos é que os cientistas se mantinham seguros. Os rumores se espalharam pelo submundo acadêmico e a fraternidade dos Illuminati cresceu, incluindo cientistas de toda a Europa. Eles encontravam-se regularmente em Roma em um refúgio ultra-secreto a que chamavam de “Igreja da Iluminação”. (...) Até os que não pertenciam ao mundo científico conheciam o malfadado astrônomo que fora preso e quase executado pela Igreja por ter declarado que o Sol, e não a Terra, era o centro do sistema solar. Embora seus dados fossem irrefutáveis, o astrônomo fora severamente punido por insinuar que Deus não instalara a humanidade no centro de seu universo. Seu nome era Galileu Galilei. (...).

Galilei era um Illuminatus. E também um católico fervoroso. Tentou abrandar a posição da Igreja com relação à ciência proclamando que a ciência não prejudicava a noção da existência de Deus, mas, pelo contrário, reforçava-a. (...) sustentava que a ciência e a religião não eram inimigas e sim aliadas, duas linguagens diferentes que contavam a mesma história. (...) Infelizmente, (...) a unificação da ciência e da religião não era o que a Igreja queria. (...) A união teria invalidado a pretensão da Igreja de ser o único veículo através do qual o homem poderia compreender Deus. Assim, a Igreja acusou Galileu de heresia, condenou-o e colocou-o em prisão domiciliar permanente. (...) A prisão de Galileu causou uma convulsão entre os Illuminati. Cometeram alguns erros e a Igreja descobriu as identidades de quatro membros, que foram capturados e interrogados. Mas os quatro cientistas nada revelaram, nem sob tortura. (...) Em seguida, os cientistas foram brutalmente assassinados e seus corpos lançados às ruas de Roma como advertência para os que ainda cogitassem se unir aos Illuminati. (...).

Os Illuminati mergulharam fundo na clandestinidade, onde começaram a se misturar a outros grupos que haviam fugido dos expurgos da Igreja Católica: místicos, alquimistas, ocultistas, muçulmanos, judeus. Ao longo dos anos, os Illuminati absorveram novos membros. Surgiu um outro tipo de Illuminati, mais soturno, profundamente anticristão. Tornaram-se muito poderosos, praticando ritos misteriosos, sigilo mortal e jurando um dia se erguerem outra vez e se vingarem da Igreja Católica. Seu poder cresceu a ponto de serem considerados a mais perigosa força anticristã do mundo. (...) Eliminar o catolicismo era o compromisso principal dos Illuminati. A fraternidade sustentava que os dogmas supersticiosos impostos pela Igreja eram os maiores inimigos da humanidade. Temia que o progresso científico cessasse de vez caso a Igreja continuasse a promover mitos piedosos como se fossem fatos absolutos, e que dessa forma a humanidade fosse condenada a um futuro sem perspectivas, com guerras santas sem o menor sentido. (...).

Os Illuminati ficaram mais poderosos na Europa e voltaram a atenção para a América, cujo governo ainda novato tinha maçons como líderes – George Washington, Benjamin Franklin -, homens honestos, tementes a Deus, que ignoravam que a sociedade maçônica era o reduto dos Illuminati. Estes aproveitaram a possibilidade de infiltração a ajudaram a fundar bancos, universidades e indústrias para financiar a realização de seu objetivo máximo. (...) A criação de um único estado mundial unificado, uma espécie de Nova Ordem Mundial secular. (...) Baseada em conhecimentos científicos, em um novo Iluminismo. Chamavam-na de Doutrina Luciferiana. A Igreja alega que Lúcifer era uma referência ao demônio, mas a fraternidade insistia que sua intenção era o significado literal da palavra, em latim, aquele que traz a luz. Ou Iluminador.

Dan Brown (Anjos e Demônios; págs: 37, 38 e 42)

16 de dezembro de 2020

"DO PÓ VIESTES, AO PÓ VOLTARÁS"

Decidira havia tempos que a morte era um simples fim, o término de qualquer tipo de consciência, o pó voltando implacavelmente ao pó. Essa filosofia alimentara seu egocentrismo. Ele se sentia justificado por cuidar da própria pele, controlando não só sua vida, mas também a dos outros em benefício próprio. Não havia certo e errado, assim como nenhuma verdade absoluta, apenas normas sociais regidas por leis e comportamentos gerados por algum sentimento de culpa. A morte, tal como ele a concebia, significava que nada realmente importava. A vida era um suspiro evolucionário sem sentido, a sobrevivência temporária do mais inteligente ou engenhoso. Dali a mil anos, se a raça humana sobrevivesse, ninguém saberia que ele havia existido nem se importaria com a maneira como levara a vida.

William P. Young (A Travessia; pág: 28)

CIÚME

Com o tempo aprendi que o ciúme é um sentimento para proclamar de peito aberto, no instante mesmo de sua origem. Porque ao nascer, ele é realmente um sentimento cortês, deve ser logo oferecido à mulher como uma rosa. Senão, no instante seguinte ele se fecha em repolho, e dentro dele todo o mal fermenta. O ciúme é então a espécie mais introvertida das invejas, e mordendo-se todo, põe nos outros a culpa da sua feiura.

Chico Buarque (Leite Derramado; págs: 61 e 62)

8 de dezembro de 2020

ADAPTAÇÃO

As instituições da ordem dialogam com (...) mecanismos do ego que, diante do real como impossibilidade, empurram o indivíduo para a adaptação. O preço da passagem subiu, a inflação corrói meu salário, mas o que podemos fazer? Racionalizo por meio de uma série de meios, buscando nos jornais e na televisão uma explicação: desloco minha raiva e, não podendo brigar com o “sistema”, sem rosto visível, brigo com o primeiro que me provoca, ironizo com piadas, fujo da realidade pelas portas de escape disponíveis na TV a cabo, no primeiro templo que me chama à salvação, no videogame, nas substâncias lícitas ou não que me transportem para fora da realidade. Nessas mediações, portanto, os indivíduos vivem a revolta ou buscam a adaptação no interior da serialidade.

Mauro Luis Iasi (Cidades Rebeldes; pág: 43)


Nando Reis e Arnaldo Antunes (Não Vou Me Adaptar - Ao Vivo em São Paulo)

6 de dezembro de 2020

PUBLICITÁRIOS E JORNALISTAS VÃO PARA O INFERNO?

 The Architect (Matrix)

Há uma piada entre a turma da comunicação que faz insinuações em relação a publicitários e jornalistas. A piada - se é que poderíamos assim chamar - conta que publicitários, diante do único mal irremediável, sabem que vão para o inferno [lembra-te do teu "deus"] e que jornalistas não sabem, que também vão.. [não esqueça-te do teu "deus"] O que acho interessante nessa insinuação é que há, por trás, uma verdade que mostra um pouco da postura desses profissionais diante da realidade, ou com o que consideram fatos. Vale ressaltar se tratar aqui de uma visão caricata das profissões. Tá? Envolve estigmas ou estereótipos, talvez pejorativos, que o próprio desempenhar da função parece expressar subjetivamente. Isso, em alguns casos, claro. Não deixemos de honrar as digníssimas exceções que certamente irão para o céu, sem perder tempo no purgatório. Quem atua na área há de reconhecer alguns dos traços comentados logo abaixo. Amém.. Mas vamos ao que interessa, ao qual nada tem a ver com religião, mas com cosmovisão.

Publicitários, pela própria natureza do ofício, conservam um certo caráter sofista e com isso uma potencial relativização dos fatos. Não lidamos, somente, com a verdade concreta, mas, antes de mais nada, jogamos e interagimos com a realidade percebida, afinal, a verdade - para todos os efeitos - é tudo aquilo que acreditamos ser verdade. Assim, entramos na onda e nos relacionamos criativamente com os fatos, desejos e aspirações por trás do que se entende sobre a realidade. A grosso modo, como os sofistas, para os publicitários, a realidade, até certo ponto, é relativa. Ou seja, um prato cheio para se construir mundos através das tais narrativas se valendo de toda cor, tom, formas, sons, representações, simbologias, etc. As aulas de semiótica, psicologia do consumidor e, sobretudo, neuromarketing já dão conta de ensinar, aos aspirantes ao fantástico mundo da publicidade, que a forma que o indivíduo percebe e se relaciona com a realidade tem mais a ver com toda sorte de viés de confirmação ou distorção cognitiva, do que de fatos. Nesse terreno nos valemos de todo aparato que possa ter uso para fins de comunicação, no intuito de atrair, persuadir, convencer, influenciar, etc. Não é raro criar-se um certo cinismo ou ceticismo quando a discussão é sobre a realidade, porque isso, a princípio, vai variar de acordo com o target. Ok?

Já os jornalistas têm, devido a própria natureza do ofício, pretensões de encontrar verdades absolutas. (o que me faz crer que quem criou a piada deve ter sido algum publicitário..). Busca-se as melhores fontes de informações; investiga-se, muitas das vezes, com a melhor das intenções; busca-se anunciar ao mundo sobre uma verdade que é verdadeira mesmo. Bom.. O resultado é que devido a uma certa falta de ceticismo diante dos inputs que nos permitem ir montando o quadro da realidade, jornalistas baixam a guarda para os potenciais vieses que todos nós carregamentos em si, em um grau ou outro, ao qual se impõem no julgamento na ausência de um policiamento frio da racionalidade. Por isso, cria-se, uma certa ilusão de se estar mais perto dos fatos, ou da realidade, que os demais mortais. É precisamente tal ilusão que os fazem crer que "não irão para o inferno", sobretudo, tão certos de serem bem intencionados em sua nobre missão de fazer com que todos saibam a verdade verdadeira. Não é raro uma certa arrogância, quanto ao entendimento dos fatos, quando você se julga em posse das melhores informações. Certo?

Por fim, não há como negar que boa parte do que vemos na mídia - um mundo arquitetado por comunicólogos - carregam doses de cinismo e arrogância por trás de suas articulações, e quanto à isso, gregos e troianos - em nome da tragédia - concordam. Seja lá no que seja, haverá sempre os melhores profissionais tanto no lado A, quanto no B, e, claro, julgando-se - cada um - sempre estarem no lado certo da história, no entanto, uns mais convictos do que outros, seja por cinismo ou por arrogância. Mas "brincadeiras" à parte.. Permitam-me, como publicitário, anunciar que, segundo a lenda, não existe inferno, ou céu. E nem Papai Noel...

Diego Cosmo

3 de dezembro de 2020

DENTRO DE VOCÊ

Descobri que somos nós que, com nossas atitudes, atraímos todos os acontecimentos e situações que vivenciamos. Que, enquanto continuamos agarrados a elas, os fatos irão se repetindo. Descobrindo qual a atitude que está causando uma situação que não nos agrada, poderemos substituí-la por outra melhor e obter outros resultados. (...) Se quer melhorar sua vida, precisa assumir sua força, acreditar em sua capacidade, colocar sua dignidade acima do que os outros possam pensar. (...) Esqueça o que passou. Volte a ser o mesmo homem que era antes e logo verá que obterá de novo tudo quanto perdeu e até mais. (...) Não se culpe, para não piorar as coisas. Você precisa colocar sua força em coisas boas, que melhorem sua vida. A culpa, além de dispersar suas energias, ainda o empurra para o pessimismo. A condenação não ajuda em nada, só atrapalha. (...) A depressão, a queixa, a falta de confiança na vida, isso afasta todas as oportunidades boas. (...) A vida não castiga. Apenas ensina. De acordo com suas atitudes, ela responde com desafios que abrem a consciência e fazem amadurecer. (...) Se prestar atenção, perceberá que há coisas que abrem seu coração e o deixam de bem com a vida e há outras que provocam aperto dentro do peito e incomodam. (...) É assim que sua alma fala com você. Se deseja sentir-se bem, é só seguir esses sinais, valorizando e conservando tudo que o faz sentir-se melhor e não dando importância ao que o deprime. (...) Aliás, a felicidade é nosso maior objetivo. Como acha que alcançaremos tudo isso sem conquistar a sabedoria? E, para conquistar a sabedoria, precisamos desenvolver nossa força interior, aprender a lidar com as leis da vida, nos harmonizarmos com elas. (...) Tudo é resultado das nossas atitudes. Mas, quando descobrimos quais as atitudes que não são boas e nos esforçamos para mudá-las, evitamos que o erro se repita. Aprendemos a lição e pronto. Tudo volta ao normal de forma melhor. (...) Olhe para trás não para julgar os outros mas para notar como você atraiu o sofrimento que a atormenta. A causa da sua dor está dentro de você, não fora.

Zibia Gasparetto (Ninguém é de Ninguém; págs: 41, 46, 55, 57, 78, 80, 116, 117, 218, 219 e 225)

2 de dezembro de 2020

CAPRICHO

Primeira edição (1952)

Capricho” foi a primeira revista brasileira a atingir, ultrapassar e a sustentar tiragens acima de meio milhão de exemplares mensais. (...) Quando levou “Capricho” àquelas alturas, Civita pensou que tinha nas mãos, finalmente, um veículo publicitário de grande aceitação. Ledo engano. (...) Como ainda não existia o IVC – Instituto Verificador de Circulação -, as agências levavam em conta as informações dos próprios editores. Havia entre eles o que se pode chamar de pacto de confiança. (...) O editor decidiu, então, montar uma estratégia para convencer as agências quanto à tiragem da revista. Idealizou uma operação de promoção publicitária razoavelmente barata, mas ousada e eficiente. Como “Capricho” era impressa à noite, ele e Rossi reuniram, numa badalada boate paulistana, os diretores de mídia das principais agências de publicidade de São Paulo e do Rio, com o pretexto de homenageá-los. No início da madrugada, os convidados foram convencidos a dar uma “passada” pela gráfica da Abril para uma rapidíssima visita. O momento escolhido por Civita era exatamente aquele em que a impressão atingia o ponto culminante. Ao verem as pilhas de revistas impressas e o marcador da rotativa ultrapassar a marca dos 600 mil exemplares impressos, os publicitários ficaram impressionados. E Civita aproveitou para perguntá-los se algum dia haviam sido convidados para assistir à impressão de “O Cruzeiro” ou de “Seleções” e verificar “in loco” se os números eram verdadeiros. A resposta foi negativa. O plano revelou-se eficiente. Logo, começou a fluir para a editora um volume maior de anúncios diversos, não apenas femininos, que iriam, em poucos meses, transformar “Capricho” em importante veículo publicitário.

Gonçalo Junior (O Homem Abril; págs: 98, 99 e 100)

1 de dezembro de 2020

LEI DE MOORE

 

Em 1965, os circuitos integrados abrigavam apenas algumas dezenas de transistores. Naquele ano, Gordon Moore, um dos fundadores da Intel, previu, por simples observação da evolução dos componentes, que os circuitos integrados dobrariam o número de transistores a cada ano. Depois, em 1971, retificou sua previsão para 18 ou 24 meses. Entre 1965 e 1975, a densidade dos circuitos integrados saltou de sessenta para 60 mil componentes. No período 1971-2001, a previsão de Gordon Moore se mostrou ainda mais precisa: os circuitos integrados haviam dobrado seu número de componentes a cada 1,94 ano. Ou seja: praticamente a cada dois anos. A previsão de Moore, totalmente intuitiva, revelou-se extremamente precisa. Em linguagem popular, ele acertou na mosca. Daí porque sua previsão ganhou o nome de Lei de Moore.

Ethevaldo Siqueira (Para Compreender o Mundo Digital; pág: 102)

TELEMARKETING

 

Na pesquisa de campo, observamos o manejo degradante dessa força de trabalho: porque a indústria de call center não necessita de trabalhadores qualificados, as empresas beneficiam-se de um regime fabril apoiado em elevadas taxas de rotatividade e no aprofundamento do sofrimento psíquico. As empresas exploram o ciclo do consumo da força de trabalho. Em geral, o teleoperador necessita de dois a três meses de experiência para se tornar proficiente no produto. Após esse tempo, o trabalhador encontra-se apto a alcançar as metas. Advém um período de aproximadamente um ano, em que ele obtém certa satisfação residual em razão de dominar o produto. No entanto, o endurecimento das metas, a rotinização, o despotismo dos coordenadores de operação, os baixos salários e a negligência por parte das empresas em relação à ergonomia e à temperatura do ambiente promovem o adoecimento e alimentam o desinteresse pela atividade. Nessa fase, o teleoperador deixa de “dar resultados”, sendo então demitido e substituído por outro, que recomeçara o mesmo ciclo.

Ruy Braga (Cidades Rebeldes; págs: 80 e 81)

30 de novembro de 2020

O NEGÓCIO É O SEGUINTE

 
A execução tinha de ser "pública". Isto é, o corpo deveria ser encontrado. (...) Tinha de ser público para que os traidores em potencial ficassem apavorados e o inimigo avisado de que a Família Corleone não tinha absolutamente se tornado idiota ou fraca.

Mario Puzo (O Poderoso Chefão; pág: 105)
 
 
O negócio é o seguinte. Nós acabamos com você, que deve uma ninharia. A notícia corre a cidade. E realmente mete medo nos caras que nos devem grandes empréstimos. Porque eles imaginam que, se fazemos isso a você por quase nada, então vão saber o inferno que vai acontecer com eles. Sacou?

Charles Bukowski (Pulp; págs: 171 e 172)

A BÍBLIA NÃO CHEGOU POR FAX DO CÉU

A bíblia não chegou por fax do céu. (...) A Bíblia é um produto do homem. (...) Não de Deus. A Bíblia não caiu magicamente das nuvens. O homem a criou como relato histórico de uma época conturbada, e ela se desenvolveu através de incontáveis traduções, acréscimos e revisões. A história jamais teve uma versão definitiva do livro. (...) Jesus Cristo foi uma figura histórica de uma influência incrível, talvez o mais enigmático e inspirador líder que o mundo jamais teve. Como o Messias profetizado, Jesus derrubou reis, inspirou multidões e fundou novas filosofias. (...) Mais de 80 evangelhos foram estudados para compor o Novo Testamento, e no entanto apenas alguns foram escolhidos – Mateus, Marcos, Lucas e João. (...) Foi uma colagem composta pelo imperador romano Constantino, o Grande. (...) Na época de Constantino, a religião oficial de Roma era o culto de adoração ao Sol – o culto do Sol Invictus, ou do Sol Invencível -, e Constantino era o sumo sacerdote! Infelizmente para ele, Roma estava passando por uma revolução religiosa cada vez mais intensa. Três séculos depois da crucificação de Jesus, seus seguidores haviam se multiplicado exponencialmente. Os cristãos e pagãos começaram a lutar entre si, e o conflito chegou a proporções tais que ameaçou dividir Roma ao meio. Constantino viu que precisava tomar uma atitude. Em 325 d.C., ele resolveu unificar Roma sob uma única religião: o cristianismo. (...).

Constantino era um bom negociador. Enxergou a ascensão do cristianismo e simplesmente apostou no cavalo que estava vencendo. Os historiadores ainda se maravilham ante a eficiência demonstrada por Constantino ao converter os pagãos adoradores do Sol em cristãos. Fundindo símbolos, datas, rituais pagãos com a tradição cristã em ascensão, ele gerou uma espécie de religião híbrida aceitável para ambas as partes. (...) Os vestígios da religião pagã na simbologia são inegáveis. Os discos solares egípcios tornaram-se as auréolas dos santos católicos. Os pictogramas de Ísis dando o seio a seu filho Hórus milagrosamente concebido tornaram-se a base para nossas modernas imagens da Virgem Maria com o Menino Jesus no colo. E praticamente todos os elementos do ritual católico – a mitra, o altar, a doxologia e a comunhão, o ato de “comer Deus”, por assim dizer – foram diretamente copiados de religiões pagãs místicas mais antigas. (...) Nada é original no cristianismo. (...) O deus pré-cristão Mitra – chamado o filho de Deus e a Luz do Mundo – nasceu no dia 25 de dezembro, morreu, foi enterrado em um sepulcro de pedra e depois ressuscitou em três dias. Aliás, o dia 25 de dezembro é também o dia de celebrar o nascimento de Osíris, Adônis e Dioniso. O recém-nascido Krishna recebeu ouro, incenso e mirra. Até mesmo o dia santo semanal dos cristãos foi roubado dos pagãos. (...) Originalmente (...) a cristandade celebrava o sabá judeu no sábado, mas Constantino mudou isso de modo que a celebração coincidisse com o dia em que os pagãos veneram o Sol. (...) Até hoje, a maioria dos fiéis vai à Igreja na manhã de domingo, sem fazer a menor ideia de que estão ali para pagar tributo semanal ao deus-sol, e por isso em inglês o domingo é chamado de sun-day, ou “dia do Sol”. (...).

Durante essa fusão de religiões, Constantino precisou reforçar a nova tradição cristã, e para isso promoveu uma famosa reunião ecumênica conhecida como Concílio de Nicéia. (...) Nesse concílio (...) muitos aspectos do cristianismo foram debatidos e receberam votação – a data da Páscoa, o papel dos bispos e a administração dos sacramentos, além, naturalmente, da divindade de Jesus. (...) Até aquele momento da história, Jesus era visto pelos seus discípulos como um mero profeta mortal... um grande e poderoso homem, mas que não passava de um homem. Um mortal. (...) Jesus só passou a ser visto como “Filho de Deus” no Concílio de Nicéia, depois que esse título foi proposto e aprovado por votação. (...) Declarar que Jesus tinha origem divina era fundamental para a posterior unificação do Império Romano e para lançar as bases do novo poderio do Vaticano. Confirmando oficialmente Jesus como o Filho de Deus, Constantino transformou Jesus em uma divindade que existia além do alcance do mundo humano, uma entidade cujo poder era incontestável. Isso não só evitava mais contestações pagãs à cristandade, como os seguidores de Cristo só poderiam se redimir através do canal sagrado estabelecido – a Igreja Católica Romana. (...) Tudo não passou de uma disputa de poder (...) Cristo, como o Messias, era fundamental para o funcionamento da Igreja e do Estado. Muitos estudiosos alegam que a Igreja Católica Romana literalmente roubou Jesus de seus seguidores originais, sufocando sua mensagem humana ao envolvê-la em um manto impenetrável de divindade e usando-a para expandir seu próprio poder. (...) Como Constantino promoveu Jesus a divindade quase quatro séculos depois da sua morte, existem milhares de documentos contendo crônicas da vida Dele como homem mortal. Para reescrever os livros de história, Constantino sabia que ia precisar tomar uma iniciativa ousada. Surgia naquele momento o fato crucial para a história cristã. (...) Constantino mandou fazer uma Bíblia novinha em folha, que omitia os evangelhos que falavam do aspecto humano de Cristo e enfatizada aqueles que o tratavam como divino. Os evangelhos anteriores foram considerados heréticos, reunidos e queimados. (...) Qualquer pessoa que escolhesse os evangelhos proibidos em vez da versão de Constantino era considerado herege. A palavra herege vem desse momento histórico. A palavra latina hereticus significa “escolha”. Aqueles que “escolheram” a história original de Cristo foram os primeiros hereges do mundo.

Dan Brown (O Código Da Vinci; págs: 189, 190, 191 e 192)

26 de novembro de 2020

MONA LISA

 

O status da Mona Lisa como a mais famosa obra de arte do mundo (...) nada tinha a ver com seu sorriso enigmático. (...) Simplesmente, a Mona Lisa era famosa porque Leonardo da Vinci considerava-a sua mais perfeita obra. Levava consigo a pintura sempre que viajasse, e, se alguém lhe perguntasse o motivo, respondia que achava difícil separar-se de sua mais sublime expressão da beleza feminina. (...) A veneração de Da Vinci por essa obra, segundo muitos afirmavam, devia-se a algo bem mais profundo: uma mensagem oculta nas camadas de pintura. A Mona Lisa era, de fato, uma das mais bem estudadas piadas secretas do mundo. A colagem bastante divulgada de trocadilhos e alusões brincalhonas existentes no quadro havia sido revelada na maioria dos livros de história da arte, e mesmo assim, incrivelmente, o público em geral ainda considerava seu sorriso um grande mistério. (...) Vocês podem notar (...) que o fundo atrás do rosto dela é desigual. (...) A linha do horizonte que Da Vinci pintou à esquerda se encontra num nível visivelmente mais baixo que a da direita. (...) Pintando o fundo mais baixo à esquerda, Da Vinci fez Mona Lisa parecer muito maior vista da esquerda que da direita. Uma piadinha secreta de Da Vinci. Historicamente, os conceitos de masculino e feminino estão ligados aos lados – o esquerdo é feminino, o direito é masculino. Como Da Vinci era um grande fã dos princípios femininos, fez a Mona Lisa parecer maior quando vista da esquerda que da direita. (...) Da Vinci buscava muito o equilíbrio entre o masculino e o feminino. Achava que a alma humana não podia ser iluminada a menos que os elementos masculinos e femininos estivessem presentes nela. (...) Da Vinci era brincalhão, e a análise da Mona Lisa e dos seus auto-retratos por computador confirmou alguns pontos de congruência surpreendentes entre os rostos dele e dela. Seja lá qual fosse a intenção de Da Vinci (...) sua Mona Lisa não é homem, nem mulher. Traz uma mensagem sutil de androginia. É uma fusão de ambos. (...) Da Vinci deixou uma tremenda pista de que a pintura devia ser interpretada como andrógina. Será que alguém já ouviu falar de um deus chamado Amon? (...) Amon é (...) representado como um homem com cabeça de carneiro, e sua promiscuidade e chifres curvos (horns) estão ligados à gíria americana “horny”, que significa excitado. (...) E sabe qual era a companheira de Amon? (...) Era Ísis (...) Então temos o deus Amon (...) e a deusa Ísis, cujo pictograma antigo era L’ISA.

AMON L’ISA

Sacaram? (...) Não só o rosto da Mona Lisa parece andrógino como o nome dela é um anagrama da união divina do masculino com o feminino. E esse, meus amigos, é o segredinho de Da Vinci, o motivo do sorriso zombeteiro da Mona Lisa. 

Dan Brown (O Código da Vinci; págs: 98, 99 e 100)

23 de novembro de 2020

DUAS FRENTES

 

Política, afinal, não se limitava a ganhar uma eleição. Era preciso vencer de forma esmagadora a fim de ter poder suficiente para levar adiante a sua visão. Historicamente, qualquer presidente que chegava ao cargo com uma margem apertada de votos não conseguia realizar grandes projetos, pois já começava o mandato enfraquecido, e isso era algo que o Congresso parecia não perdoar. Idealmente, a destruição da campanha do senador Sexton deveria ser abrangente: um ataque por duas vertentes que o destruísse política e eticamente ao mesmo tempo. Uma estratégia clássica da arte da guerra. Force o inimigo a lutar em duas frentes simultâneas. Quando um candidato conhecia algum detalhe negativo a respeito do seu oponente, muitas vezes esperava até que tivesse um segundo fato para ir a público apresentar os dois. Investir em duas frentes era sempre mais eficaz do que mirar em um único ponto, particularmente se o ataque duplo incorporasse aspectos diversos da campanha: um primeiro contra a atuação política, um segundo contra o caráter do candidato. Negar um ataque político requer lógica, ao passo que negar um ataque ao caráter requer uma reação emocional. Contrapor-se simultaneamente aos dois era um ato de equilíbrio quase impossível. (...) Presidentes não ganham nada em popularidade se interromperem a programação normal para reclamar e resmungar a respeito de sexo ou de supostas infrações das obscuras regras de financiamento de campanha. (...) É impossível que Zach Herney tenha convocado a imprensa do mundo inteiro para dizer que ele suspeita que o senador Sexton esteja aceitando financiamentos questionáveis para sua campanha ou transando com você. Isso é o tipo de informação que se deixa vazar.

Dan Brown (Ponto de Impacto; págs: 185 e 219)

22 de novembro de 2020

COLISEU

 

Ele sempre considerara o Coliseu uma das maiores ironias da História. Hoje um símbolo consagrado do desenvolvimento da cultura e da civilização humana, o estádio fora construído para exibir séculos de eventos bárbaros – leões famintos despedaçando prisioneiros, exércitos de escravos combatendo-se até a morte, estupros coletivos de mulheres exóticas capturas em terras remotas, assim como decapitações e castrações públicas. Era também irônico, na opinião dele, ou talvez apropriado, que a estrutura arquitetônica do Coliseu tivesse servido de modelo para o Soldier Field de Harvard, o estádio de futebol onde as antigas tradições de selvageria eram reencenadas todos os outonos, com fãs enlouquecidos clamando por sangue quando Harvard enfrentava Yale.

Dan Brown (Anjos e Demônios; págs: 106 e 107)

20 de novembro de 2020

Ter fé requer entrega, aceitação cerebral de milagres, como a imaculada conceição e a intervenção divina. E existem ainda os códigos de conduta. A Bíblia, o Corão, as escrituras budistas, em todos há exigências semelhantes e penalidades semelhantes. Determinam que se eu não viver de acordo com certo código, irei para o inferno. Não consigo imaginar um Deus que governe desta maneira. (...) A fé é universal. Nossos métodos específicos para compreendê-la são arbitrários. Algumas pessoas rezam para Jesus, outras vão a Meca, outras estudam partículas subatômicas. No final, estamos todos apenas buscando a verdade, aquela que é maior do que nós mesmos.

Dan Brown (Anjos e Demônios; págs: 98, 99 e 100)


Toda fé do mundo se baseia em invencionices. É essa a definição de fé - aceitação daquilo que imaginamos ser verdade, que não podemos provar. Todas as religiões descrevem Deus através de metáforas, alegorias e hipérboles, desde os primeiros egípcios até o catecismo moderno. As metáforas são uma forma de ajudar nossa mente a processar o improcessável. Os problemas surgem quando começamos a levar nossas metáforas ao pé da letra.

Dan Brown (O Código Da Vinci; pág: 278)

18 de novembro de 2020

O INVESTIGADOR CRIMINAL

O ofício de investigador criminal talvez seja o mais solitário do mundo. Os amigos da vítima ficam revoltados e desesperados, mas cedo ou tarde, ao cabo de algumas semanas ou meses, a vida volta ao normal. Para os familiares próximos, leva mais tempo, porém eles também acabam superando o desgosto e o desespero. A vida continua. Mas os crimes não resolvidos permanecem nos corroendo por dentro. No final das contas, uma única pessoa permanece pensando na vítima e tentando lhe fazer justiça: o tira encarregado do inquérito.

Stieg Larsson (Os Homens Que Não Amavam as Mulheres [Vol. 01]; pág: 183)

16 de novembro de 2020

A NARRATIVA LIBERAL

A narrativa liberal preza a liberdade humana como seu valor número um. Alega que toda autoridade, em última análise, tem origem no livre-arbítrio de indivíduos humanos, conforme expresso em seus sentimentos, desejos e escolhas. Na política, o liberalismo acredita que o eleitor sabe o que é melhor. Por isso apoia eleições democráticas. Na economia, o liberalismo afirma que o cliente sempre tem razão. Por isso aclama os princípios do livre mercado. No aspecto pessoal, o liberalismo incentiva as pessoas a ouvirem a si mesmas, serem verdadeiras consigo mesmas e seguirem o coração - desde que não infrinjam as liberdades dos outros. Essa liberdade pessoal está consagrada nos direitos humanos. (...) No discurso político ocidental hoje, o termo “liberal” é às vezes empregado num sentido muito mais estreito e partidário para denotar aqueles que apoiam causas específicas, como o casamento gay, o controle de armas e o aborto. Porém a maioria dos assim chamados conservadores também abraçam a ampla visão do mundo liberal.

Yuval Noah Harari (21 Lições Para o Século 21; pág: 69)

12 de novembro de 2020

MOMENTO "AHA"

 

O Twitter, por exemplo, penou para manter o crescimento no início. Isso até descobrir (depois de uma extensa análise dos dados de usuários) que as pessoas que logo de cara começavam a seguir pelo menos outros 30 usuários eram muito mais engajados e inclinadas a continuar usando o serviço. Ao procurar saber por que seguir 30 pessoas parecia ser o ponto de virada, o time de crescimento constatou que receber um fluxo contínuo de notícias e posts de pessoas nas quais o usuário tinha interesse (...) como celebridades e políticos (...) era o momento aha. Seguir 30 pessoas criava um fluxo de updates que tornava o serviço must-have. (...) Josh Elman e sua equipe reformularam a experiência do usuário para que as pessoas seguisse outras 30 o mais depressa possível. No processo de sign-up, um recurso que sugeria pessoas a seguir com base nos interesses declarados pelo usuário virou uma parte crucial do processo. (...) Na Qualaroo, empresa de pesquisas para sites na qual nós, os autores, trabalhamos juntos, descobrimos que, se durante um teste um cliente recebesse 50 ou mais respostas em uma única pesquisa, a probabilidade de que pagasse para assinar o serviço ao final era três vezes maior que a de clientes que não recebiam 50 respostas no mesmo período, ou seja, 50 respostas era o que produzia o momento aha de ver como o produto trazia informações novas e valiosas. (...) Começamos a sugerir pesquisas e placements com maior probabilidade de atingir esse patamar de 50 respostas. (...).

No Slack, serviço de chat e mensagem para equipes que se propõem a dar fim às longas trocas de e-mail, (...) os dados mostraram que, uma vez que os integrantes de uma equipe tivessem enviado e recebido 2 mil mensagens entre si, crescia muito a probabilidade de que a equipe integrasse o Slack ao fluxo de comunicação e migrasse para um plano pago, com mais recursos. Esse número de mensagens parecia ser o ponto no qual as vantagens do Slack para a comunicação da equipe (na comparação com o e-mail) ficavam evidentes para todos. (...) O objetivo de toda essa experimentação e análise é descobrir o momento aha que o cliente tem, ou pode ter, com seu produto ou serviço. Uma vez identificados as condições que criam essa experiência mágica, a equipe deve se concentrar em garantir que mais gente viva esse momento o mais rápido possível. Quando o time de crescimento do Facebook percebeu que o momento aha dos usuários era o prazer de adicionar mais e mais amigos a sua rede, com base na descoberta de que a probabilidade de que o usuário continuasse ativo era maior se ele adicionasse ao menos sete amigos nos dez primeiros dias, todo o seu esforço foi concentrado em ajustar o site para levar as pessoas a adicionar mais amigos. Uma das mudanças mais importantes foi (...) ajudar o usuário a encontrar amigos. (...) Focando sua atenção em recursos para ajudá-lo a ampliar rapidamente sua rede.

Sean Ellis & Morgan Brown (Hacking Growth; págs: 68, 69 e 90)

INTERNET DAS COISAS (INTERNET OF THINGS - IOT)

 

Com a rápida fusão desses dois mundos - o de bens físicos e o do software -, em breve não só será possível monitorar e atualizar continuamente um produto em tempo real, como será vital fazê-lo para permanecer competitivo. (...) A capacidade de uma empresa de permanecer conectada a seu produto após a venda “transfere o foco do relacionamento com o cliente (...) da venda - muitas vezes uma transição única - para a maximização do valor do produto ao longo do tempo”.

Sean Ellis & Morgan Brown (Hacking Growth; págs: 19 e 20)

7 de novembro de 2020

A EXPERIÊNCIA E A RELAÇÃO DE CAUSA E EFEITO

Quando se pergunta: qual é a natureza de todos os nossos raciocínios sobre os fatos? A resposta conveniente parece ser que eles se fundam na relação de causa e efeito. Quando se pergunta: qual é o fundamento de todos os nossos raciocínios e conclusões sobre essa relação? Pode-se replicar numa palavra: a experiência. (...) A espécie mais habitual de relação entre os diferentes eventos que fazem parte de uma composição narrativa é a de causa e efeito. O conhecimento de causas não é apenas o mais satisfatório, já que esta relação ou conexão é mais forte do que todas as outras, mas também mais instrutivo, pois é unicamente por este conhecimento que somos capazes de controlar eventos e governar o futuro. (...) Não é apenas numa determinada parcela da vida que as ações de um homem dependem uma das outras, mas durante toda a sua existência, ou seja, do berço ao túmulo; é impossível quebrar um único elo, embora diminuto, desta cadeia regular sem afetar toda a série de eventos.

Um homem, ao encontrar um relógio ou qualquer outra máquina numa ilha deserta, concluiria que outrora havia homens na ilha. Todos os nossos raciocínios sobre os fatos são da mesma natureza. E constantemente supõe-se que há uma conexão entre o fato presente e aquele que é inferido dele. (...) Nenhum objeto jamais revela, pelas qualidades que aparecem aos sentidos, tanto as causas que o produziram como os efeitos que surgirão dele; nem pode nossa razão, sem o auxílio da experiência, jamais tirar uma inferência acerca da existência real e de um fato. (...) É preciso que um homem seja muito sagaz para poder descobrir através do raciocínio que o cristal é o efeito do calor e o gelo o efeito do frio, sem estar previamente familiarizado com o funcionamento destes estados dos corpos. (...) A proposição que estabelece que as causas e os efeitos não são descobertos pela razão, mas pela experiência, será prontamente admitida em relação àqueles objetos de que nos recordamos e que certa vez nos foram completamente desconhecidos, porquanto devemos ter consciência de nossa absoluta incapacidade de predizer o que surgiria deles. (...) Se qualquer objeto nos fosse mostrado, e se fôssemos solicitados a pronunciar-nos sobre o efeito que resultará dele, sem consultar observações anteriores; de que maneira, eu vos indago, deve o espírito proceder nesta operação? Terá de inventar ou imaginar algum evento que considera como efeito do objeto; e é claro que esta invenção deve ser inteiramente arbitrária. O espírito nunca pode encontrar pela investigação e pelo mais minucioso exame o efeito na suposta causa. Porque o efeito é totalmente diferente da causa e, por conseguinte, jamais pode ser descoberto nela. (...) Em vão, portanto, pretenderíamos determinar qualquer evento particular ou inferir alguma causa ou efeito sem a ajuda da observação e da experiência. (...) O esforço máximo da razão humana consiste em reduzir à sua maior simplicidade os princípios que produzem os fenômenos naturais; e restringir os múltiplos efeitos particulares a um pequeno número de causas gerais, mediante raciocínios baseados na analogia, na experiência e na observação

Os argumentos referentes à existência se fundam na relação de causa e efeito; que nosso conhecimento daquela relação provém inteiramente da experiência; e que todas as nossas conclusões experimentais decorrem da suposição que o futuro estará em conformidade com o passado. (...) E é somente depois de uma longa série de experimentos uniformes, sobre qualquer gênero dado, que nos tornamos confiantes e seguros em relação a um evento particular. (...) Quando aparece um novo objeto dotado de qualidades sensíveis semelhantes, esperamos poderes e forças semelhantes e esperamos também um efeito análogo. De um corpo igual ao pão em cor e consistência, esperamos alimentação e subsistência análogas. (...) Todas as inferências provenientes da experiência supõem, como seu fundamento, que o futuro se assemelhará ao passado, que poderes semelhantes estarão conjugados com qualidades sensíveis semelhantes. (...) Certamente, (...) até os bebês e as bestas irracionais  - se aperfeiçoam pela experiência e adquirem conhecimento das qualidades dos objetos naturais, observando os efeitos que resultam deles. Quando uma criança sentiu a sensação da dor ao tocar a chama de uma vela, terá cuidado de não pôr mais sua mão perto de outra vela, pois ela esperará um efeito semelhante de uma causa que é semelhante em suas qualidades e aparências sensíveis.

David Hume (Investigação Acerca do Entendimento Humano; págs: 42, 43, 49, 50, 51, 52, 53, 56, 57 e 58)

6 de novembro de 2020

O ESPÍRITO DA FILOSOFIA

Embora um filósofo possa viver longe dos negócios, o espírito da filosofia, se cuidadosamente cultivado por alguns, difunde-se gradualmente através de toda a sociedade e confere a todas as artes e profissões semelhante correção. O político adquirará maior previsão e sutileza na divisão e no equilíbrio do poder, o advogado, mais método e princípios mais sutis em seus raciocínios, o general, mais regularidade em sua disciplina, mais cautela em seus planos e em suas manobras.

David Hume (Investigação Acerca do Entendimento Humano; pág: 29)

29 de outubro de 2020

OPORTUNIDADES NO CORE BUSINESS

Um artigo da Harvard Business Review revelou que 87% das organizações incluídas em um estudo tinham passado por um ou mais períodos nos quais o crescimento caíra drasticamente e que, “em média, uma empresa perde 74% do valor de mercado (...) na década que compreende essa desaceleração do crescimento”. (...) As causas desse infortúnio incluem problemas “na gestão de processos internos de atualização de produtos e serviços e de desenvolvimento de novos” e o “abandono prematuro da principal atividade da empresa - ou seja, deixar de explorar plenamente as oportunidades de crescimento no atual core business”.

Sean Ellis & Morgan Brown (Hacking Growth; pág: 17)

27 de outubro de 2020

A CULTURA DO CONSUMIDOR

Perelman e Tyteca, em seu Tratado da argumentação: a nova retórica, nos lembram que é preciso, antes de mais nada, conhecer o auditório a que uma mensagem se destina, definindo-o como “o conjunto daqueles que o orador quer influenciar”. Podemos, no caso do discurso publicitário, nomear de auditório o público-alvo e de orador os criativos que o elaboram e o embalam em palavras e imagens, quando veiculado em mídia impressa. Os dois teóricos afirmam que cabe ao auditório (...) o papel principal para determinar a qualidade da argumentação e o comportamento dos oradores. (...) Estes últimos vão escolher os elementos suasórios para a construção das peças publicitárias de acordo com o briefing ou a estratégia criativa - ou seja, conforme as informações que devem nortear a sua plataforma comunicacional, como as características do produto ou serviço anunciado, o histórico da marca, a publicidade de seus concorrentes, o contexto socioeconômico, as peculiaridades de seu target, entre outras. Em suma, a cultura do consumidor deve ser contemplada, transposta para o discurso publicitário que lhe é direcionado, visando, assim, gerar identificação.

João Anzanello Carrascoza (Estratégias Criativas da Publicidade; pág: 24)

CRESCIMENTO E MERCADO

Se o mercado onde seu negócio está inserido está crescendo [em média, digamos] x% por ano e seu negócio também está crescendo perto de x% por ano, é o mercado que está arrastando seu negócio, e não você que o está empreendendo de forma diferenciada, de forma verdadeiramente empreendedora. (...) Crescimento está relacionado ao mercado em que você atua: se for em software, por exemplo, saiba que o mercado brasileiro cresceu mais de 10% em 2012. Seu novo negócio, que cresceu 5% no ano, está indo na metade da velocidade do mercado, e está perdendo mercado, na prática. (...) Crescimento empreendedor, em um mercado que cresce x% ao ano, é crescer 5x%, 10x% ao ano ou mais. 

Silvio Meira (Novos Negócios Inovadores de Crescimento Empreendedor no Brasil; pág: 67)

23 de outubro de 2020

SISTEMA MIDIÁTICO

Ao sistema midiático cuja centralidade é indiscutível na sociedade contemporânea, graças à tecnologias (novas e tradicionais). Ubíquo e onipresente é este sistema, capaz de impor um “presente contínuo”, graças ao advento dos meios digitais que tornaram o “aqui e agora” instâncias essenciais à constituição dos sentidos sociais. O sistema midiático, considerado como o universo que incorpora o território material e simbólico de todos os meios de comunicação de massa e suas ramificações hibridizantes, está, a toda hora, e em todo lugar, na vida do indivíduo. (...) A chuva de ouro que fecunda a sociedade de consumo é formada pelos fluxos comunicacionais que carregam grandes, pequenos e microdiscursos, de ontem e de hoje, que se misturam, se fundem, se aglutinam ou se repelem. no âmbito desse universo discursivo, que se faz e se refaz a cada instante, embaralhando signos e mudando seus sentidos conforme o domínio e o contexto em que transitam, a publicidade se destaca, não apenas por “patrocinar” os mass media, mas por ter se transformado na metamercadoria - a mercadoria que divulga as demais mercadorias. (...) Essa mistura de discursos é permeada pelo apagamento de fronteiras entre ficção e realidade.

João Anzanello Carrascoza (Estratégias Criativas da Publicidade; págs: 7 e 8)

21 de outubro de 2020

VARIAÇÃO LINGUÍSTICA

A variação linguística tem que ser objeto e objetivo do ensino de língua: uma educação linguística voltada para a construção da cidadania numa sociedade verdadeiramente democrática não pode desconsiderar que os modos de falar dos diferentes grupos sociais constituem elementos fundamentais da identidade cultural da comunidade e dos indivíduos particulares, e que denegrir ou condenar uma variedade linguística equivale a denegrir e condenar os seres humanos que a falam, como se fossem incapazes, deficientes ou menos inteligentes - é preciso mostrar, em sala de aula e fora dela, que a língua varia tanto quanto a sociedade varia, que existem muitas maneiras de dizer a mesma coisa e que todas correspondem a usos diferenciados e eficazes dos recursos que o idioma oferece a seus falantes.

 Marcos Bagno (Preconceito Linguístico; pág: 16)

20 de outubro de 2020

PREFIRO SER RICO

Ouçam-me, todos. Não há nobreza alguma em ser pobre. Já fui rico e já fui pobre, e prefiro ser rico. Pelo menos, sendo rico, quando tenho de enfrentar meus problemas, posso aparecer no banco traseiro de uma limusine, vestindo um terno de 2 mil dólares e um relógio de ouro de 20 mil dólares! E, acreditem em mim, chegar com estilo torna seus problemas muito mais fáceis de lidar.” (...) Veja, se quiser envelhecer com dignidade… se quiser envelhecer e manter seu autorrespeito… então é melhor ficar rico agora. A época em que se trabalhava para uma grande empresa entre as 500 Maiores da Fortune com aposentadoria integral é coisa da porra do passado! E, se você acha que a Previdência Social será sua segurança, é melhor repensar. Com as taxas atuais de inflação, dará apenas para pagar suas fraldas depois que o enfiarem em algum asilo mofado, onde uma jamaicana de 160 quilos com barba e bigode irá dar-lhe sopa através de um canudinho e então o esbofeteará quando estiver de mau humor.

Jordan Belfort (O Lobo de Wall Street; pág: 101)

17 de outubro de 2020

O NÃO-GREGO NO CRISTIANISMO

Os gregos não viam os deuses homéricos acima de si, como senhores, e não se viam abaixo deles, como servos, ao modo dos judeus. Viam como que apenas a imagem em espelho dos exemplares de sua própria casta que melhor vingaram, portanto um ideal, não um contrário de sua própria essência. Há o sentimento de parentesco recíproco, subsiste um interesse de lado a lado, uma espécie de simaquia. O homem pensa nobremente de si quando dá a si mesmo tais deuses e se coloca em uma relação como é a da nobreza inferior para com a superior; enquanto os povos itálicos têm uma boa religião de camponês, com constante inquietação contra potências más e caprichosas e espíritos torturantes. Onde os deuses olímpicos se retiravam, ali a vida grega era também mais sombria e inquieta. - O cristianismo, por sua vez, esmagou e alquebrou completamente o homem, e o mergulhou como que em um profundo lamaçal: então, no sentimento da total abjeção, fazia brilhar de repente o esplendor de uma piedade divina, de tal modo que o surpreendido, aturdido pela graça, lançava um grito de embevecimento e por um instante acreditava carregar o céu inteiro em si. Sobre esse doentio excesso do sentimento, sobre a profunda corrupção da cabeça e coração necessária para isso, atuam todas as invenções psicológicas do cristianismo: ele quer aniquilar, alquebrar, aturdir, inebriar, ele só não quer uma coisa: a medida, e por isso é, no sentido mais profundo, bárbaro, asiático, sem nobreza, não-grego.

Friedrich Nietzsche (Humano, Demasiado Humano - Um Livro Para Espíritos Livres [Vol. 01]; pág: 82)

16 de outubro de 2020

NOSSOS ÚLTIMOS CENTÍMETROS

"...Mas minha integridade era mais importante. Isso é egoísmo? Pode não ser muito, mas é tudo o que nos resta aqui. São nossos últimos centímetros... ...Mas, neles, nós somos livres. (...) Eu vou morrer aqui. Cada centímetro de mim morrerá... ...Exceto um. Um só. É pequeno e frágil e é a única coisa no mundo que ainda vale a pena se ter. Não devemos jamais perdê-lo, vendê-lo ou entregá-lo. Não podemos deixar que alguém tire de nós. Não sei quem você é, se é homem ou mulher, talvez eu nunca o veja, nem te abrace, nem bebamos juntos... Mas eu te amo."

Valerie

Alan Moore (V de Vingança; págs: 158, 161 e 162)

A ORIGEM DO CULTO RELIGIOSO

Falta, em geral, todo conceito de causalidade natural. Quando se rema, não é o remar que move o navio, mas remar é somente um cerimonial mágico pelo qual se força um demônio a mover o navio. Todas as doenças, a própria morte, são resultado de intervenções mágicas; no adoecer e morrer as coisas nunca se passam naturalmente; falta toda representação do “curso natural”. (...) Uma pedra que subitamente rola é o corpo em que um espírito está agindo; se jaz charneca solitária um bloco, se parece impossível pensar em força humana que o tenha trazido, a pedra deve ter movido a si mesma, isto é: deve albergar um espírito. (...) A natureza inteira, na representação de homens religiosos, é uma soma de ações de seres dotados de consciência e vontade, um complexo descomunal de arbitrariedade. (...) A meditação do homem que acredita na magia e no milagre visa impor à natureza uma lei -: e, dito concisamente, o culto religioso é o resultado dessa meditação. (...) Por súplica e oração, por submissão, pelo compromisso de prestar tributos e oferendas regulares, por glorificações lisonjeiras, é possível, pois, exercer também sobre as potências da natureza uma coação, atraindo para si sua afeição: amor liga e é ligado. (...) É uma espécie de coação mais poderosa, por magia e feitiçaria. (...) O sentido do culto religioso é determinar e confiar a natureza em proveito do homem, portanto, imprimir-lhe uma legalidade que de antemão ela não tem. (...) Em suma, o culto religioso repousa nas representações da feitiçaria entre homem e homem; e o feiticeiro é mais antigo do que o padre.

Friedrich Nietzsche (Humano, Demasiado Humano - Um Livro Para Espíritos Livres [Vol. 01]; págs: 79, 80 e 81)

JUSTIÇA E VINGANÇA

A justiça (equidade) tem sua origem entre aqueles que têm potência mais ou menos igual. (...) Onde não há nenhuma supremacia claramente reconhecível e um combate se tornaria um inconsequente dano mútuo, surge o pensamento de se entender e negociar sobre as pretensões de ambos os lados; o caráter da troca é o caráter inicial da justiça. (...) Justiça é, portanto, retribuição e intercâmbio, sob a pressuposição de uma posição mais ou menos igual de potência; assim a vingança pertence originariamente ao domínio da justiça, ela é intercâmbio.

Friedrich Nietzsche (Humano, Demasiado Humano - Um Livro Para Espíritos Livres [Vol. 01]; pág: 78)

14 de outubro de 2020

COMO SE FOSSE

Pinocchio

E é por isso que digo: ajam como se fossem! Ajam como se fossem homens prósperos, já ricos, e então irão com certeza ficar ricos. Ajam como se tivessem confiança total e as pessoas com certeza terão confiança em vocês. Ajam como se tivessem uma experiência incrível e as pessoas irão seguir seus conselhos. Ajam como se já fossem um sucesso tremendo e, com toda a certeza do mundo… vocês irão se tornar um sucesso!
 
Jordan Belfort (O Lobo de Wall Street; pág: 102)
 

Mesmo quando estava no orfanato, quando perambulava pelas ruas tentando achar o que comer para conseguir sobreviver, mesmo nesses dias eu pensava em mim mesmo como o maior ator do mundo. Eu tinha de sentir essa exuberância que vinha da profunda confiança em mim mesmo. Sem isso eu teria sido derrotado.
 
David Robinson (CHAPLIN - uma biografia definitiva; pág: 46)
 
 
O futuro, concebido e ainda não executado, parece mesmo uma mentira. Se você trabalhar muito, com muito foco e dedicação, a mentira vem vindo, aos poucos, do futuro para o presente e vai se tornando, cada vez mais, realidade. (...) Nada resiste ao trabalho.
 
Silvio Meira (Novos Negócios Inovadores de Crescimento Empreendedor no Brasil; pág: 51)
 
 
Nas palavras de Lynne McTaggart: "A consciência viva é, de certa forma, a influência que transforma a possibilidade de algo em algo real. O ingrediente mais essencial para a criação de nosso universo é a consciência que o observa."

Dan Brown (O Símbolo Perdido; pág: 62)

8 de outubro de 2020

SOMOS NÓS OS COLORISTAS

Nós, desde milênios, temos olhado para o mundo com pretensões morais, estéticas, religiosas, com cega inclinação, paixão ou medo, e porque nos temos regalado nos maus hábitos do pensamento ilógico, que esse mundo pouco a pouco veio a ser tão maravilhosamente colorido, apavorante, profundo de significação, cheio de alma; ele adquiriu cores - mas somos nós os coloristas: o intelecto humano fez aparecer o fenômeno e transpôs para as coisas suas concepções fundamentais errôneas. Aquilo que agora denominamos mundo é o resultado de uma multidão de erros e fantasias, que surgiram pouco a pouco no desenvolvimento total do ser orgânico, cresceram entrelaçados e agora nos são legados como tesouro acumulado do passado. (...) O fato é que, desse mundo da representação, a ciência rigorosa só é capaz de livrar-nos em pequena medida - o que, aliás, nem é de desejar -, já que não é capaz de romper, no essencial, a força de hábitos antiquíssimos de sensação: mas pode aclarar a história da gênese desse mundo como representação, bem aos poucos e passo a passo - e elevar-nos, pelo menos por instantes, sobre o evento inteiro. Talvez reconheçamos então que a coisa em si é digna de uma homérica gargalhada: ela parecia tanto, e mesmo tudo, e, propriamente, é vazia, ou seja, vazia de significação.

O primeiro grau do [pensamento] lógico é o juízo: cuja essência consiste, segundo a afirmação dos melhores lógicos, na crença. Na base de toda crença está a sensação do agradável ou doloroso em referência ao sujeito da sensação. (...) O que está mais distante daquele grau primordial do [pensamento] lógico é o pensamento da causalidade: até hoje pensamos ainda, no fundo, que todas as sensações e ações são atos da vontade livre; se o indivíduo que sente considera a si mesmo, toma cada sensação, cada alteração, por algo isolado, isto é, incondicionado, desconexo: emerge em nós, sem ligação com o anterior ou o posterior. Temos fome, mas originariamente não pensamos que o organismo quer ser conservado, e esse sentimento parece fazer-se sentir sem fundamento e fim, isola-se e se toma por arbitrário. Portanto: a crença na liberdade da vontade é um erro originário comum a todo ser orgânico, tão antigo que existe desde que existem nele as emoções lógicas; a crença em substâncias incondicionadas e em coisas iguais é, do mesmo modo, um erro originário, igualmente antigo, de todo ser orgânico. (...) Um dos graus, certamente muito alto, da cultura, é alcançado quando o homem ultrapassa conceitos e medos supersticiosos e religiosos e, por exemplo, não acredita mais nos caros anjinhos ou no pecado hereditário, e até mesmo da salvação das almas desaprendeu a falar: nesse grau de libertação, ele ainda precisa, com suprema tensão de sua lucidez, superar a metafísica. (...) Os mais ilustrados só vão até o ponto de libertar-se da metafísica e lançar-lhe, para trás, um olhar de superioridade.

Friedrich Nietzsche (Humano, Demasiado Humano - Um Livro Para Espíritos Livres [Vol. 01]; págs: 73, 74 e 75)

6 de outubro de 2020

PERCEPÇÕES E IMPRESSÕES

Embora nosso pensamento pareça possuir esta liberdade ilimitada, verificaremos, através de um exame mais minucioso, que ele está realmente confinado dentro de limites muito reduzidos e que todo poder criador do espírito não ultrapassa a faculdade de combinar, de transpor, aumentar ou de diminuir os materiais que nos foram fornecidos pelos sentidos e pela experiência. Quando pensamos numa montanha de ouro, apenas unimos duas ideias compatíveis, ouro e montanha, que outrora conhecêramos. Podemos conceber um cavalo virtuoso, pois o sentimento que temos de nós mesmos nos permite conceber a virtude e podemos uni-la à figura e forma de um cavalo, que é um animal bem conhecido. (...) A idéia de Deus, significando o Ser infinitamente inteligente, sábio e bom, nasce da reflexão sobre as operações de nosso próprio espírito, quando aumentamos indefinidamente as qualidades de bondade e de sabedoria. (...) Em resumo, todos os materiais do pensamento derivam de nossas sensações externas ou internas; mas a mistura e composição deles dependem do espírito e da vontade. Ou melhor, para expressar-me em linguagem filosófica: todas as nossas idéias ou percepções mais fracas são cópias de nossas impressões (...) pelo termo impressão, entendo, pois, todas as nossas percepções mais vivas, quando ouvimos, vemos, sentimos, amamos, odiamos, desejamos ou queremos. (...) ou percepções mais vivas. (...) Quando refletimos sobre nossas sensações e impressões passadas, nosso pensamento é um reflexo fiel e copia seus objetos com veracidade, porém as cores que emprega são fracas e embaçadas em comparação com aquelas que revestiam nossas percepções originais.

David Hume (Investigação Acerca do Entendimento Humano; págs: 35, 36 e 37)

4 de outubro de 2020

AUTOMAÇÃO E MERCADO DE TRABALHO

Evgeny Zubkov
 
Se um médico humano fizer um diagnóstico errado, ele não vai matar todos os pacientes do mundo e não vai bloquear o desenvolvimento de todos os novos medicamentos. Em contraste, se todos os médicos são na verdade um único sistema, e se esse sistema comete um erro, os resultados podem ser catastróficos. No entanto, um sistema integrado de computadores pode maximizar as vantagens da conectividade sem perder os benefícios da individualidade. Podem-se rodar muitos algoritmos alternativos na mesma rede, de modo que um paciente numa aldeia remota na selva seja capaz de acessar com seu smartphone não apenas um único médico capacitado, mas cem médicos de IA diferentes, cujos desempenhos relativos são comparados o tempo inteiro. Você não gostou do que o médico da IBM lhe disse? Não tem problema. Mesmo que esteja enfurnado em algum lugar das encostas do Kilimanjaro, você pode contatar facilmente o médico da Baidu para ter uma segunda opinião. Os benefícios para a sociedade humana provavelmente serão imensos. A IA em medicina poderia prover serviços de saúde muito melhores e mais baratos a bilhões de pessoas, especialmente para as que hoje não têm acesso algum a esses serviços. Graças a algoritmos de aprendizagem e sensores biométricos, um aldeão pobre num país subdesenvolvido poderia usufruir de uma assistência médica muito melhor usando seu smartphone do que a pessoa mais rica do mundo obtém hoje em dia no mais avançado dos hospitais urbanos. Da mesma forma, veículos autodirigidos poderiam fornecer às pessoas serviços de transportes muito melhores e reduzir a taxa de mortalidade por acidentes de trânsito. Hoje, cerca de 1,25 milhão de pessoas morrem todo ano em acidentes de trânsito (o dobro das mortes causadas por guerra, crime e terrorismo somadas). Mais de 90% desses acidentes são causados por erros humano: alguém que bebeu e dirigiu, alguém digitando uma mensagem enquanto dirige, alguém que adormeceu ao volante, alguém sonhando acordado em vez de prestar atenção à estrada. A administração Nacional de Segurança de Trânsito em Estradas dos Estados Unidos estimou que, em 2012, 31% dos acidentes fatais no país envolveram uso abusivo de álcool, 30% envolveram excesso de velocidade e 21% envolveram desatenção do motorista. Veículos autodirigidos nunca farão nada disso. Embora tenham seus próprios problemas e limitações, e embora alguns acidentes sejam inevitáveis, espera-se que a substituição de motoristas humanos por computadores reduza mortes e ferimentos na estrada em cerca de 90%. Em outras palavras, a mudança para veículos autônomos pode poupar a vida de 1 milhão de pessoas por ano. Por isso seria loucura bloquear a automação em campos como o do transporte e o da saúde só para proteger empregos humanos. Afinal, o que deveríamos proteger são os humanos - não os empregos. Motoristas e médicos obsoletos simplesmente terão de achar outra coisa para fazer.

Yuval Noah Harari (21 Lições para o Século 21; págs: 45 e 46)

1 de outubro de 2020

BOTÕES BIOQUÍMICOS

Quando avaliamos arte tendemos a julgá-la segundo seu impacto emocional no público. Mas se a arte é definida pelas emoções humanas, o que acontecerá quando algoritmos externos forem capazes de compreender e manipular emoções humanas melhor do Shakespeare, Frida Kahlo ou Beyoncé? Afinal, emoções não são um fenômeno místico - são resultado de um processo bioquímico. Daí que num futuro não muito distante um algoritmo de aprendizado de máquina será capaz de analisar dados biométricos de sensores em seu corpo, determinar o tipo de sua personalidade e suas variações de humor e calcular o impacto emocional que uma determinada canção - até mesmo uma certa tonalidade - terá sobre você. (...) Ao usar enormes bases de dados biométricos geradas a partir de milhões de pessoas, o algoritmo poderia saber quais botões bioquímicos acionar para produzir um sucesso global que faria todo mundo rebolar como louco nas pistas de dança. Se arte de fato tem a ver com inspirar (ou manipular) emoções humanas, poucos (se é que algum) músicos humanos terão a oportunidade de competir com um algoritmo desses, porque não podem se equiparar a ele na compreensão do principal instrumento que está tocando: o sistema bioquímico humano.

Yuval Noah Harari (21 Lições para o Século 21; págs: 47, 48, 50 e 51)

30 de setembro de 2020

MODULAÇÃO GLOBAL


A modulação deleuzeana, base da sociedade de controle, que disputa os espaços nos cérebros das pessoas, usando para tal técnicas de enquadramento emocional (framing) e de imposição de temas na agenda de debates da vida cotidiana da sociedade (Agenda Setting) é tanto um recurso de poder político, social e ideológico (...) portanto, tem por poder modular, cristalizar, uma determinada subjetividade desejada na memória, no cérebro das pessoas. (...) quanto um modelo de negócios altamente lucrativo que sustenta o enorme conglomerado de mídia mundial. (...) “Globo e você, tudo a ver”. Há aqui um duplo sentido: pode significar conexão total com o telespectador, mas também que tudo o que há para se ver, para se assistir, está na Globo (pelo menos o que há de relevante). Esta construção da realidade social operada pelos meios, por intermédio de uma seleção e uma hierarquização arbitrária de eventos, produz efeitos: promove discussões sociais encapsuladas pela barreira do desconhecimento dos temas jogados no lixo das reuniões de pauta dos jornais, ou dos que nem chegaram a ela (BARROS, 1996, p.28).

Joyce Souza, Rodolfo Avelino e Sérgio Amadeu da Silveira (org.) (A Sociedade de Controle - Manipulação e Modulação nas Redes Digitais; págs: 15 e 17)


Para enfrentar o ardil ideológico de que se acha envolvida a sua mensagem na mídia, seja nos noticiários, nos comentários aos acontecimentos ou na linha de certos programas, para não falar na propaganda comercial, nossa mente ou nossa curiosidade teria de funcionar epistemologicamente todo o tempo. E isso não é fácil. Mas, se não é fácil estar permanentemente em estado de alerta, é possível saber que, não sendo um demônio que nos espreita para nos esmagar, o televisor diante do qual nos achamos não é tampouco um instrumento que nos salva. Talvez seja melhor contar de um a dez antes de fazer a afirmação categórica a que Wright Mills se refere: "É verdade, ouvi no noticiário das vinte horas."

Paulo Freire (Pedagogia da Autonomia; pág: 137)