20 de fevereiro de 2015

A FUNÇÃO DA DELICADEZA

Fazer um pedido coloca o ouvinte numa posição em que ele pode ter de dizer não, o que lhe renderia a reputação de mesquinho e egoísta. (...) Não é de surpreender que a primeira coisa que saia dos nossos lábios quando falamos com um estranho seja um pedido de perdão: Excuse me. Mas apesar das muitas maneiras em que o falante pode pisar em calos, ele não tem como ficar o tempo todo medindo as palavras. As pessoas precisam levar a vida, e junto têm de fazer pedidos e reclamações, assim como dar notícias. A solução é contrabalançar com a delicadeza: o falante adoça suas afirmações com expressões educadas que reafirmam sua preocupação com o ouvinte ou que reconhecem a autonomia do ouvinte. (...) As perguntas fingidas sobre o bem-estar das pessoas.

A explicação subjacente é que o ouvinte não recebe uma ordem nem um pedido, mas uma pergunta ou uma orientação sobre uma das condições necessárias para que passe o sal. Se o ouvinte não quisesse atender o pedido ou a ordem, poderia exercer sua prerrogativa de não fazê-lo, sem precisar proferir uma recusa que ameace as aparências. (...) Só que ninguém acha de verdade que quem quer o sal e quem passa o sal vão pensar em todas essas deduções enquanto negociam a questão do saleiro. A esta altura da história da língua, as implicaturas já se fossilizaram na forma de convenções. Fórmulas como (...) [Você pode me passar o sal?] perderam a transparência, como expressões e metáforas mortas, e são usadas como pedidos diretos.

O nível de polidez é ajustado dependendo do nível de ameaça às aparências do ouvinte. O nível de ameaça, por sua vez, depende do tamanho da imposição, da distância social do ouvinte. (a falta de intimidade ou solidariedade) e da diferença de poder entre falante e ouvinte. As pessoas puxam mais o saco quando estão pedindo um favor maior, quando o ouvinte é um estranho e quando o ouvinte tem mais status ou poder que elas. (...) Assim, os pedidos costumam ser acompanhados de várias formas de auto-rebaixamento:

Perguntar em vez de mandar. (...) [Você me empresta o seu carro?].
Expressar pessimismo: (...) [Acho que você não gostaria de fechar a janela].
Restringir o pedido: (...) [Feche a porta, se puder].
Minimizar a imposição: (...) [Só quero um pouquinho de papel emprestado].
Hesitar: (...) [Posso, hã, pegar sua bicicleta emprestada?].
Reconhecer a infração: (...) [Sei que você está ocupado, mas...].
Indicar relutância: (...) [Normalmente eu não pediria isso, mas...].
Pedir desculpas: (...) [Desculpe incomodar, mas...].
Usar formas impessoais: (...) [Não é permitido fumar].
Reconhecer a dívida: (...) [Ficaria eternamente grato se você...].

Steven Pinker (Do que é Feito o Pensamento; págs: 433, 435, 436 e 442)

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