24 de setembro de 2019

PEDANTISMO AO FALAR

Uma coisa é cultura e outra é instrução. A pessoa instruída é a que dispõe de muitos conhecimentos, acumula dados e ganha o concurso Um, Dois, Três. Quando esse sabe-tudo, no entanto, chega perto de um grupo de amigos e, em vez de compartilhar com eles e se divertir, exige sua erudição e põe-se a enrolar o rolo idiomático, não exibe mais cultura, e sim menos. Não se comunica com os demais, não consegue se fazer entender. A culpa é sua, não dos outros. A incultura é sua. O ridículo também. Esta é a primeira erva daninha que devemos arrancar pela raiz, destruir com o veneno mais implacável: o pedantismo ao falar. Na realidade, não falam: escutam a si mesmos.

O que está por trás de tais poses e pretensões? A inflação de palavras costuma estar em relação direta com o vazio de idéias. "Já que não somos profundos" - sugere um grafite -, "ao menos sejamos obscuros!" Outras vezes, são desejos de poder. Se o outro não domina o código em que me expresso, sou eu que domino o outro. É com essa intenção que falam, para deslumbrar os ingênuos e ganhar votos fáceis daqueles que durante anos e anos se convenceram que são broncos porque não entendem o jargão dos doutos.

José Ignacio López Vigil (Manual Urgente Para Radialistas Apaixonados; págs: 63 e 64)

23 de setembro de 2019

RACIONALIDADE EVOLUTIVA


Ideias científicas sobre o funcionamento de nosso corpo e cérebro sugerem que nossos sentimentos não são uma qualidade espiritual exclusivamente humana, e não refletem nenhum tipo de “livre-arbítrio”. (...) Nas últimas décadas a pesquisa em áreas como a neurociência e a economia comportamental permitiu que cientistas hackeassem humanos e adquirissem uma compreensão muito melhor de como os humanos tomam decisões. Constatou-se que todas as nossas escolhas, desde comida até parceiros sexuais, resultam não de algum misterioso livre-arbítrio, e sim de bilhões de neurônios que calculam probabilidades numa fração de segundo. A tão propalada “intuição humana” é na realidade a capacidade de reconhecer padrões. (...) Também se constatou que os algoritmos bioquímicos do cérebro humano estão longe de ser perfeitos. Eles se baseiam em heurística, atalhos e circuitos ultrapassados, adaptados mais à savana africana do que à selva urbana. (...) Na verdade, sentimentos são mecanismos bioquímicos que todos os mamíferos e todas aves usam para calcular probabilidades de sobrevivência e reprodução. Sentimentos não se baseiam em intuição, inspiração ou liberdade - baseiam-se em cálculos. Quando um macaco, um camundongo ou um humano veem uma cobra, o medo surge porque milhões de neurônios no cérebro calculam rapidamente os dados relevantes e concluem que a probabilidade de morrer é alta. Sentimentos de atração sexual surgem quando outros algoritmos bioquímicos calculam que um indivíduo próximo oferece alta probabilidade de acasalamento bem-sucedido, ligação social ou algum outro objetivo almejado. Sentimentos morais como indignação, culpa ou perdão derivam de mecanismos neurais que evoluíram para permitir cooperação grupal. Todos esses algoritmos bioquímicos foram aprimorados durante milhões de anos de evolução. Se os sentimentos de algum antigo ancestral cometeram um erro, os genes que configuram esses sentimentos não foram passados à geração seguinte. Assim, sentimentos não são o contrário de racionalidade - eles incorporam uma racionalidade evolutiva. Normalmente não nos damos conta de que os sentimentos são na verdade cálculos, porque o intenso processo de cálculo ocorre abaixo do nível da consciência. (...) Nossos sentimentos, eles eram o melhor método em todo o universo para decidir o que estudar, com quem casar e em que partido votar.

Yuval Noah Harari (21 Lições para o Século 21; págs: 41, 42, 72 e 73)

20 de setembro de 2019

DESAFIO PEPSI


Executivos da Pepsi-Cola Company decidiram lançar uma experiência muito divulgada conhecida como “Desafio Pepsi”. Centenas de representantes da Pepsi armavam mesas em shopping e supermercados de todo o mundo e distribuíam dois copos iguais para cada homem, mulher e criança que parasse para ver o porquê de toda aquela comoção. Um copo continha Pepsi; o outro, Coca-Cola. Perguntava-se qual bebida as pessoas preferiam. Se os resultados fossem os esperados, a Pepsi finalmente poderia dar o primeiro passo para acabar com a longa dominação da Coca-Cola no mercado de refrigerantes norte-americano. Mais de metade dos voluntários afirmara que preferia o sabor da Pepsi ao da Coca-Cola. Então, de acordo com os dados, a Pepsi deveria estar dando uma surra na Coca-Cola em todo o mundo. Mas não estava.

Mas, em 2003, o dr. Read Montague, diretor do Laboratório de Neuroimagem Humana na Faculdade Baylor de Medicina, em Houston, decidiu sondar os resultados dos testes com mais profundidade. Vinte e oito anos depois do Desafio Pepsi original, ele revisou o estudo, usando dessa vez um aparelho de IRMf para monitorar o cérebro de 67 pessoas. Primeiro, perguntou aos voluntários se eles preferiam Coca-Cola, Pepsi ou se não tinham preferência. Os resultados corresponderam quase exatamente às descobertas da experiência original: mais de metade dos pesquisados relataram uma preferência clara pela Pepsi. O cérebro deles também. Ao tomar um gole de Pepsi, esse conjunto totalmente diferente de voluntários registrou uma rajada de atividade no putâmen ventral, uma região do cérebro que é estimulada quando gostamos de um sabor.

Uma nova descoberta fascinante apareceu na segunda parte da experiência. Dessa vez, o dr. Montague decidiu deixar os pesquisados saberem se beberiam Pepsi ou Coca-Cola antes de realmente provarem o refrigerante. O resultado: 75% dos pesquisados disseram que preferiam Coca-Cola. E mais, Montague também observou uma mudança na localização da atividade cerebral. Além do putâmen ventral, houve fluxos sanguíneos registrados no córtex pré-frontal, uma parte do cérebro responsável, entre outras coisas, pelo raciocínio e discernimento mais altos. Tudo isso indicou ao dr. Montague que duas áreas no cérebro estavam participando de um cabo de guerra entre pensamento racional e emocional. E, durante aquele milésimo de segundo de luta e indecisão, as emoções se rebelaram, como soldados amotinados, para subjugar a preferência racional dos pesquisados por Pepsi. E foi nesse momento que a Coca-Cola venceu. Todas as associações positivas que os pesquisados tinham em relação à Coca-Cola — história, logomarca, cor, design e aroma; suas próprias lembranças de infância que remetiam à Coca-Cola, os anúncios na televisão e na mídia impressa ao longo dos anos, a indiscutível, inexorável, inelutável emoção ligada à marca Coca-Cola — derrotaram sua preferência racional e natural pelo sabor da Pepsi. Por quê? Porque é por meio das emoções que o cérebro codifica as coisas que têm valor.

Martin Lindstrom (A Lógica do Consumo; págs: 30, 31 e 32)

31 DICAS DE PERSUASÃO

[1] Quando nos identificamos como parte de um grupo, nossas opiniões tendem a seguir o consenso desse grupo. (...) [2] Seres humanos são programados para retribuir favores. Se quiser a cooperação de alguém no futuro, faça algo por essa pessoa hoje. (...) [3] A persuasão é efetiva mesmo quando o receptor reconhece a técnica. Todo mundo sabe que as lojas usam etiquetas de R$ 9,99 porque R$ 10,00 parece mais caro. Mesmo assim, funciona. (...) [4] As coisas nas quais você mais pensa crescerão irracionalmente em importância em sua mente. (...) [5] Um “erro” intencional nos detalhes de sua mensagem atrairá críticas. A atenção fará com que a mensagem cresça em importância - ao menos na mente das pessoas - apenas porque todo mundo estará falando a respeito. (...) [6] Se você não é um mestre persuasor concorrendo à presidência, encontre um agradável meio-termo entre desculpar-se demais, o que assinala falta de confiança, e jamais de desculpar, o que o faz parecer um sociopata. (...) [7] É fácil adequar explicações completamente diferentes aos fatos observados. Não confie em qualquer interpretação da realidade que não seja capaz de prever. (...) [8] As pessoas são mais influenciadas pela direção das coisas que por seu estado atual. (...) [9] Exiba confiança (real ou simulada) para aumentar seu poder de persuasão. Você precisa acreditar em si mesmo, ou ao menos comportar-se como se acreditasse, para que qualquer outra pessoa acredite. (...) [10] A persuasão é mais forte quando o mensageiro é confiável. (...) [11] Adivinhe o que alguém está pensando - no exato momento em que estiver pensando - e diga em voz alta. Se estiver certo, a pessoa formará um elo com você, por acreditar que têm mentes parecidas. (...) [12] Se quiser que a audiência aceite seu conteúdo, deixe de fora qualquer detalhe que seja desimportante e que possa dar a ela razão para concluir: esse não sou eu. Deixe suficiente espaço em branco em seu conteúdo para que as pessoas possam preenchê-lo com aquilo que as deixa mais felizes. (...) [13] Use a manobra do terreno elevado para se apresentar como o adulto sábio da discussão. Isso forçará os outros a se unirem a você ou serem vistos como preocupados com mesquinharias. (...) [14] Quando você ataca as crenças de alguém, a pessoa sob ataque tem mais probabilidade de enrijecer essas crenças do que abandoná-las, mesmo que seu argumento seja impecável. (...) [15] Estudos mostram que seres humanos viciam mais rapidamente nas recompensas imprevisíveis que nas previsíveis. (...) [16] É mais fácil persuadir uma pessoa que acredita que você é persuasivo. (...) [17] As pessoas preferem certeza a incerteza, mesmo quando a certeza é errônea. (...) [18] Se todos os outros fatores forem iguais, a persuasão visual é mais poderosa que a não visual. E por uma grande diferença. (...) [19] No contexto da persuasão, você não precisa de uma imagem física se puder fazer com que alguém imagine a cena. (...) [20] As pessoas são mais persuadidas pelo contraste que pelos fatos ou pela razão. Escolha seus contrastes com sabedoria. (...) [21] Quando você associa duas ideias ou imagens, a reação emocional a elas começa a se fundir. (...) [22] Com o passar do tempo, as pessoas automaticamente se acostumam a pequenas contrariedades. (...) [23] O que você diz é importante, mas nunca tão importante quanto o que as pessoas acham que você está pensando. (...) [24] Se puder enquadrar sua estratégia preferida como duas maneiras de vencer e nenhuma de perder, quase ninguém discordará do caminho sugerido, porque essa é uma manobra natural do terreno elevado. (...) [25] Se estiver vendendo, peça a seu potencial cliente que compre. Pedidos diretos são persuasivos. (...) [26] Repetição é persuasão. Repetição é persuasão. Eu já mencionei que repetição é persuasão? (...) [27] Imite o estilo de fala de sua audiência. Quando as pessoas o virem como uma delas, será mais fácil liderá-las. (...) [28] Explicações simples parecem mais críveis que explicações complicadas. (...) [29] A simplicidade torna as ideias mais fáceis de compreender, mais fáceis de lembrar e mais fáceis de disseminar. Você só pode ser persuasivo quando também é memorável. (...) [30] Ambiguidade estratégica” é a escolha deliberada de palavras que permite que as pessoas leiam na mensagem aquilo que querem ler. Dito de outras maneira, a mensagem intencionalmente deixa de fora qualquer coisa que possa gerar objeção. As pessoas preenchem os vazios com sua imaginação, e a imaginação pode ser mais persuasiva que qualquer coisa que você tenha a dizer. (...) [31] Se estiver tentando conseguir uma decisão de alguém que está em cima do muro, mas tendendo em sua direção, arrisque um “falso porquê” para dar a essa pessoa “permissão” para concordar com você. A razão que você oferece não precisa ser boa. Qualquer “falso porquê” funcionará se a pessoa estiver procurando uma razão para se voltar em sua direção.

Scott Adams (Ganhar de Lavada; págs: 17, 32, 34, 35, 37, 67, 82, 87, 91, 93, 120, 124, 131, 136, 141, 157, 158, 172, 175, 193, 195, 219, 226, 227, 228, 229, 231 e 280)

18 de setembro de 2019

DEMOCRACIA EMOCIONAL

"A democracia surgiu quando, devido ao fato de que todos são iguais em certo sentido, acreditou-se que todos fossem absolutamente iguais entre si." (Aristóteles)

Referendos e eleições sempre dizem respeito a sentimentos humanos, não à racionalidade humana. Se a democracia fosse questão de tomadas de decisão racionais, não haveria nenhum motivo para dar a todas as pessoas direitos iguais em seus votos - ou talvez nem sequer o direito de votar. Existe ampla evidência de que algumas pessoas são muito mais informadas e racionais que outras, principalmente, quando se trata de questões econômicas e políticas específicas.

É o mesmo que convocar um plebiscito nacional para decidir se a álgebra de Einstein estava correta, ou deixar os passageiros votarem para decidir em que pista o piloto deve pousar.(Richard Dawkins)

A democracia supõe que sentimentos humanos refletem um misterioso e profundo “livre-arbítrio”, que este “livre-arbítrio” é a fonte definitiva da autoridade e que, apesar de algumas pessoas serem mais inteligentes do que outras, todos os humanos são igualmente livres. Assim como Einstein e Dawkins, uma trabalhadora doméstica sem instrução também tem livre-arbítrio, e por isso no dia de eleições seus sentimentos - representados por seu voto - contam tanto quanto os de qualquer outra pessoa. (...) Essa lealdade ao próprio coração pode acabar sendo o calcanhar de aquiles da democracia liberal. Pois se alguém (seja em Pequim ou em San Francisco) adquirir capacidade tecnológica para hackear e manipular o coração humano, a política democrática vai se tornar um espetáculo de fantoches emocional.

Yuval Noah Harari (21 Lições para o Século 21; págs: 70, 71 e 72)
 

Meu voto não acrescentava nada à qualidade do resultado. Até onde posso dizer, ninguém adiciona inteligência ao resultado de uma eleição, mas a maioria dos eleitores acredita que sim. E essa ilusão é necessária para dar suporte ao governo. Ela dá aos eleitores um senso de poder e adesão. Isso cria estabilidade nacional. A ilusão da democracia é provavelmente uma das mais benéficas alucinações que a humanidade já concebeu. Se você acredita que a democracia funciona e age como se ela funcionasse, ela de fato funciona. Acho que a democracia é mais uma condição mental que um sistema político.

Todos sabemos que a vasta maioria de nossos colegas cidadãos é desinformada e simplista demais para tomar boas decisões eleitorais. E, mesmo assim, há uma aceitação disseminada do sistema de eleição pela maioria. Mas, se aceitássemos as limitações de nossas próprias habilidades de previsão, não votaríamos, não sentiríamos muita lealdade em relação a nosso país e todo o sistema entraria em colapso. Claramente, não posso prever quem fará um bom trabalho como presidente. Ninguém pode. Mas a maioria de nós acha que sim.

Scott Adams (Ganhar de Lavada; págs: 245, 246 e 247)

14 de setembro de 2019

EFEITO VAMPIRO

Os pesquisadores concluíram que, aparentemente, “o sexo não vende nada além de si mesmo”. Em alguns casos, os estímulos sexuais na verdade interferem na eficácia de um anúncio. Não é de surpreender que os homens tenham gastado muito tempo passando seus mouses sobre os seios das modelos. Mas, ao fazer isso, muitos deles contornavam o nome e a logomarca do produto, e o resto do texto. Em outras palavras, o material sexualmente sugestivo os deixava cegos em relação a todas as outras informações no anúncio - até mesmo o próprio nome do produto. A equipe de pesquisa apelidou esse fenômeno de Efeito Vampiro, referindo-se ao fato de que o conteúdo excitante roubava a atenção da verdadeira mensagem do anúncio.

Martin Lindstrom (A Lógica do Consumo; págs: 156 e 157)

12 de setembro de 2019

HOMEM PRIMATA



- Seu problema é que passou a vida toda pensando que há regras. Não há regras. Nós éramos gorilas. Tudo o que tínhamos era o que tomávamos e defendíamos. A verdade é que você é mais homem hoje do que era ontem.
- Como você sabe?
- Nossa vida é uma maré vermelha, Lester. A merda que nos fazem engolir, dia após dia, o chefe, a esposa e outras coisas acabam com a gente. Se não se impuser, e mostrar que, no fundo, ainda é um primata, você será sempre insignificante.
 
Fargo (1º Temporada/ Ep: 01)

5 de setembro de 2019

RITUAIS SUPERSTICIOSOS

Quanto mais imprevisível o mundo se torna, mais buscamos uma sensação de controle sobre nossa vida. E quanto mais ansiedade e incerteza sentimos, mais adotamos comportamentos e rituais supersticiosos para nos guiar. (...) Superstição e ritual foram cientificamente relacionados à necessidade humana de controle em um mundo turbulento. (...) A maioria dos rituais e comportamentos supersticiosos está tão arraigada em nossa cultura e em nossa vida quotidiana que, muitas vezes, nem nos perguntamos por que estamos fazendo aquilo. (...) Produtos e marcas associados a rituais ou superstições são muito mais “grudentos” do que os outros. Em um mundo inconstante e veloz, estamos todos buscando estabilidade e familiaridade, e os rituais de produtos nos proporcionam a ilusão de conforto e participação. (...) Eu até me arriscaria a dizer que há algo tão atraente nessa sensação de estabilidade e familiaridade que muitos consumidores têm um sentimento de lealdade quase religioso em relação a suas marcas e produtos favoritos. (...) A obsessão por uma marca tem muito em comum com rituais e comportamentos supersticiosos - ambos envolvem ações habituais, reincidentes, com pouca ou nenhuma base lógica, e ambos nascem da necessidade de ter uma sensação de controle em um mundo opressivo e complexo.

Martin Lindstrom (A Lógica do Consumo; págs: 84, 87, 90, 91, 94 e 95)

4 de setembro de 2019

A LÓGICA DE LINCOLN

A democracia baseia-se no princípio de Abraham Lincoln de que “é possível enganar todas as pessoas por algum tempo, e algumas pessoas o tempo todo, mas não é possível enganar todas as pessoas o tempo todo”. Se um governo é corrupto e não melhora a vida das pessoas, em algum momento os cidadãos se darão conta disso e substituirão o governo. Mas o controle de mídia pelo governo solapa a lógica de Lincoln, porque impede que os cidadãos conheçam a verdade. Mediante seu monopólio da mídia, a oligarquia governante pode sempre culpar os outros por suas falhas e desviar a atenção para ameaças externas - reais ou imaginárias.

Yuval Noah Harari (21 Lições para o Século 21; pág: 32)

TRABALHO IRRELEVANTE

As revoluções gêmeas na tecnologia da informação e na biotecnologia enfrentam os maiores desafios com que nossa espécie já deparou. A fusão das duas áreas pode em breve expulsar bilhões de seres humanos do mercado de trabalho e solapar a liberdade e a igualdade. Algoritmos de Big Data poderiam criar ditaduras digitais nas quais todo o poder se concentra nas mãos de uma minúscula elite enquanto a maior parte das pessoas sofre não em virtude de exploração, mas de algo muito pior: irrelevância. (...) No século XX, as massas se revoltaram contra a exploração, e buscaram traduzir seu papel vital na economia em poder político. Agora as massas temem a irrelevância. Talvez no século XXI as revoltas populares sejam dirigidas não contra uma elite econômica que explora pessoas, mas contra a elite econômica que já não precisa delas. Talvez seja uma batalha perdida. É muito mais difícil lutar contra a irrelevância do que contra a exploração.  
 
Yuval Noah Harari (21 Lições Para o Século 21; págs: 15 e 28)
 
 
Eu estaria louco se negasse que existe ainda uma massa numerosa de operários e trabalhadores manuais. A questão é que eles não encarnam mais problemas universais, deixaram de ser uma "força revolucionária" e não são mais "centrais" na estratégia para que se consiga pôr fim à exploração. Esta estratégia passa, agora, sobretudo pela mão de obra do terceiro mundo e pela "mente de obra" do primeiro mundo. De todo modo, o fato é que o trabalho manual não aumenta e sim diminui, enquanto o intelectual aumenta. Como eu já disse, nos tempos de Marx, de cada cem dependentes de uma fábrica, noventa e seis eram operários e só quatro eram executivos. Hoje, num grande número de empresas, noventa são executivos e só dez, operários. O trabalho manual dentro das empresas é sempre mais delegado às máquinas, o que, além de ser economicamente conveniente, reduz o potencial de conflitos. (...) "O futuro", publicou a Newsweek, "pertence àqueles que serão mais capazes de usar as próprias cabeças do que as próprias mãos", ou seja, a pessoas que se dedicarão à análise de sistemas, à pesquisa científica, à psicologia, ao marketing, às relações públicas, ao tratamento da saúde, à organização de viagens, ao jornalismo e à formação, isto é, educação nos campos que acabei de enumerar. Estas são as atividades do futuro, em lugar da guerra, do petróleo ou da fabricação de geladeiras.

Domenico de Masi (O Ócio Criativo; págs: 106 e 111)

A COSMOVISÃO



A visão de mundo comum, partilhada pela maioria dos seres humanos, afirma que existe uma realidade objetiva e que podemos compreendê-la por meio da rigorosa aplicação da razão sobre os fatos. Essa visão de mundo imagina que algumas pessoas já adquiriram certo tipo de iluminação, baseada em fatos e compatível com a ciência e a lógica, e tentam ajudar o restante de nós a enxergar o mundo da maneira “correta”. Até onde posso dizer, a maioria das pessoas partilha dessa interpretação. O único senão é que todos acreditamos ser iluminados. E assumimos que aqueles que discordam só precisam de fatos melhores, e talvez de cérebros melhores, para concordar conosco. Esse filtro deixa a maioria de nós felizes - porque nos vemos como os inteligentes da história - e é bastante bom em prever o futuro, mas apenas porque o viés de confirmação (nossa tendência de interpretar os dados como apoiando nossas opiniões) fará com que o futuro se pareça com o que queiramos que pareça, dentro do razoável. (...)

O conceito-chave de um filtro é que ele não pretende fornecer uma visão acertada da realidade. Tudo que se espera dele é que dê resultados melhores que os outros filtros. Proponho que a melhor maneira de determinar objetivamente a utilidade de um filtro é perguntar se ele o deixa feliz e se faz um bom trabalho ao prever o futuro. (...) Quando eu era criança. (...) Meu filtro em relação à vida permitia a existência de todos os tipos de criaturas mágicas. A parte interessante - e a lição aqui - é que essa concepção totalmente errada da realidade fez um excelente trabalho em me manter feliz e prever o futuro, sem qualquer penalidade por não corresponder à realidade.

Scott Adams (Ganhar de Lavada; págs: 14, 15, 51 e 52)