Certamente, se o trabalho é bem organizado demais e muito poderoso num determinado local, a classe capitalista procurará comandar o aparato estatal para que este atenda a seus interesses. (...) O uso do poder estatal para transcender a barreira da organização do trabalho tem sido muito efetivo desde meados da década de 1970 em muitas partes do mundo. Outro método é facilitar, se não subsidiar, a mobilidade do capital para que ele possa se deslocar para onde haja condições de negócios mais vantajosas, incluindo oferta de trabalho e organização fraca do trabalho. (...) A competição interurbana, interregional e internacional por parte dos aparatos estatais por investimentos de capital tem um papel importante aqui. O Estado (local, regional ou nacional) se torna responsável por garantir o fornecimento de força de trabalho em quantidades e qualidades adequadas (incluindo formação profissional, treinamento e docilidade política) em relação à demanda de trabalho corporativo. (...) Há ainda um grande interesse em localidades que investem em oportunidades educacionais de alta qualidade (universidades e escolas técnicas), pois isso poderá ajudar a atrair a indústria de alta tecnologia que irá contribuir mais para a base tributária da localidade. (...).
A chamada teoria da crise por "esmagamento dos lucros" se coloca no problema perpétuo das relações de trabalho e da luta de classes, tanto no processo quanto no mercado de trabalho. Quando essas relações representam um obstáculo à acumulação do capital, segue-se então uma crise, a menos que alguma medida (...) possa ser tomada para o capital superar ou contornar essa barreira. (...) A maneira como essa barreira foi contornada pelo capital com a ascensão do neoliberalismo durante os anos 1970 e início dos anos 1980 define em muitos aspectos a natureza dos dilemas que enfrentaremos agora. (...) Há muito poucos sinais de um esmagamento dos lucros. As reservas de trabalho existem em toda parte e há poucas barreiras geográficas ao acesso capitalista. O ataque político sobre os movimentos da classe trabalhadora do mundo inteiro reduziu a resistência do trabalhador a níveis muito modestos em quase toda a parte. A crise de 2008 a 2009 não pode ser entendida em termos de esmagamento dos lucros. A repressão salarial por causa da oferta de trabalho superabundante e a consequente falta de demanda de consumo efetiva são problemas muito mais graves. No entanto, a questão do trabalho nunca acaba. A agitação do trabalho pode muito bem surgir como um problema sério, em qualquer momento e em qualquer lugar. (...) A relação capital-trabalho sempre tem um papel central na dinâmica do capitalismo e pode estar na origem das crises. Mas hoje em dia o principal problema reside no fato de o capital ser muito poderoso e o trabalho muito fraco, não o contrário.
David Harvey (O Enigma do Capital; págs: 60 e 61)
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