9 de dezembro de 2016

O GOLPE DA ESQUERDA LATINO-AMERICANA

ECONOMIA:
"Impeachment sem crime de responsabilidade é golpe. E não há crime de responsabilidade" - se esse é seu discurso, por favor, me explique esses números (lamento, você não vai ver isso na propaganda do governo que você defende. Porque, como todo criminoso, ele esconde os fatos e as provas. Porém, esses números são do Banco Central - será que você também acredita que o BC faz parte da "conspiração contra democracia e a favor do golpe?")

Jaime Neto


Sua mulher mandou você ao supermercado comprar 100 reais em arroz e feijão. Chegando lá, ela liga e diz que você também vai ter que comprar carne, queijo, leite, batata e cenoura com os mesmos 100 reais. Você percebe que é impossível comprar tudo isso com esse dinheiro. Mas como eram itens de primeira necessidade e - principalmente - porque dali alguns meses haveria uma eleição para melhor marido do bairro, você compra todos os itens que sua mulher pediu. Foi pra casa e disse que tudo tinha custado os mesmos 100. Mas não tinha. Na verdade, custou 380 reais. Só que esses 280 a mais eram para você pagar o aluguel. Você deixou de pagar naquele mês. E nos meses seguintes, porque todo mês você tinha que comprar a mesma lista. A eleição de melhor marido estava chegando. Os meses se passavam e o buraco que você criou no aluguel, na luz, no gás foi crescendo e somando juros. Veio a eleição e pá! Você ganhou. Melhor marido do bairro. Imediatamente você reduziu a lista para pão e água. E mandou todo mundo em casa parar de usar eletricidade, gás, água e telefone. Mudou com a família para uma kitchnet mas não importa, porque agora você seria o melhor marido do mundo por mais 4 anos.

Mentor Neto


A taxa de redução da desigualdade social no Brasil permaneceu estável entre os anos 2000 e 2014. Apesar do crescimento da renda entre as pessoas mais vulneráveis e extremamente pobres, o Brasil não conseguiu, em 14 anos, diminuir o fosso entre ricos e pobres. A conclusão é do Radar IDHM, índice que compara as tendências de crescimento dos indicadores sociais na década de 2000 a 2010 e no período de 2011 a 2014. O estudo, lançado hoje (22) pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), em parceria com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e a Fundação João Pinheiro, aponta que o Índice de Gini, que mede o nível de desigualdade, teve uma redução 0,6% de 2000 a 2010, mesma proporção identificada para o período de 2011 a 2014. O valor foi considerado inexpressivo pelos especialistas. (...) Por outro lado, a pesquisa mostra que entre 2011 e 2014 a proporção de pessoas com renda domiciliar per capita inferior a 255 reais diminui 9,3% por ano, enquanto que de 2000 a 2010 o decréscimo anual foi de 3,9%. A redução foi ainda maior no grupo de pessoas com renda inferior a R$ 70, faixa que apresentou decréscimo anual de 14 % entre 2011 e 2014, contra o índice de 6,5% anual entre os anos de 2000 e 2010.

Fonte: EBC Agência Brasil


EDUCAÇÃO:

Pisa, que é um dos principais termômetros da educação em todo o mundo, mostra que o Brasil avançou pouco desde 2012.

Patricia Guedes (Valor Econômico)


A frente do ministério da educação (MEC) há menos de um mês, Janine afirmou nesta segunda (4/05) que as verbas para novos contratos do programa se esgotaram para o ano de 2015 e, inclusive, para novos contratos no segundo semestre e em 2016. Em uma clara expressão das conseqüências dos ajustes e cortes que o Governo Federal tem realizado em numerosas áreas e, em específico, na educação, as verbas para o FIES, segundo os cálculos do próprio MEC, se limitaram a 2,5 bilhões de reais para 2015. Para o mesmo programa, em 2014, foram destinados mais de 4,8 bilhões de reais, demonstrando um corte de quase 50% de verba, o que tem levado ao desespero milhões de jovens que no primeiro semestre não puderam se inscrever por problemas técnicos ou com os aumentos de mensalidades abusivos de diversas Universidades Privadas. Do total de 500 mil pedidos de inscrição em 2015, cerca de 252 mil contratos foram firmados, demonstrando que metade da demanda, apenas, foi atendida. (...) Em 2014 eram mais de 1,9 milhões de contratos do FIES estabelecidos com grupos privados e mais de 30 bilhões de reais utilizados no programa, no período de 2010 a 2014. Todo este montante foi transferido integralmente para os tubarões do ensino, como Kroton-Anhanguera, Ser Educacional e Estácio, alçando o Brasil à categoria de “campeão de empresas do ensino”, todas elas ligadas umbilicalmente ao Estado pela via da transferência de bilhões de reais. O FIES teve suas regras alteradas no início do ano, exigindo agora a nota mínima de 450 pontos no ENEM (exame nacional do ensino médio) e que a mensalidade de determinada universidade não seja reajustada acima dos 6,4%, ao mesmo tempo em que se anunciava um dos maiores cortes da última década no orçamento da educação: mais de 7 bilhões de reais. Na “Pátria educadora” de Dilma já se tornou um “lugar comum” a dificílima situação pela qual passam as Universidades federais que, com o corte de verbas, tem acumulado dívidas e cortado a carne dos trabalhadores terceirizados e da permanência estudantil (bolsas, moradia, etc) para, supostamente, economizar.

André Bof (Esquerda Diário)


Antes mesmo de oficializar o represamento de orçamento no âmbito do ajuste fiscal, a tesoura atingiu programas como o Fies (Financiamento Estudantil) e o Pronatec, as duas principais bandeiras de Dilma na área da educação durante as eleições de 2014. Depois de uma expansão de financiamentos entre 2010 e 2014, o governo alterou as regras do Fies ainda nos últimos dias de 2014. Restringiu o acesso ao programa e chegou a adiar pagamentos a empresas educacionais. O ano fechou com 313 mil contratos, 57% menos do que o registrado em 2014. (...) De acordo com Janine Ribeiro, não foi possível prever que o golpe financeiro no MEC seria tão grande. "Em um ano sem dinheiro, fica um problema muito grande", diz ele, que defende a melhora nos gastos e critica o PNE. "O PNE é um plano de gastos, não é de melhora nos gastos. Passa a ter a crise e não se sustenta a expansão prevista.

Fonte: UOL


"Não necessariamente o aumento dos recursos para a educação ou a aprovação de novas leis se traduziram em melhorias na qualidade do ensino. O período (de governos do PT) foi caracterizado por problemas na implementação e uso de recursos. Por isso, a ampliação dos gastos com educação não se fez sentir de forma mais efetiva na população brasileira".

Marcelo Paixão

ENFIM:

Em primeiro lugar, ao criar esse conceito de classe, o economista Marcelo Neri (que acaba de ser indicado presidente do Ipea) teve o cuidado de agregar a palavra "nova" para dissociá-lo da classe média tradicional, de maior poder aquisitivo. São pessoas com renda familiar entre R$ 1,7 mil e R$ 7,5 mil, e a maioria situada na faixa mais baixa, portanto com renda próxima à dos pobres, que podem comprar um carro com dez anos de uso, mas não um zero km. Foram os programas de transferência de renda - criados na gestão FHC (Bolsa-Escola, erradicação do trabalho infantil, auxílio-gás, etc.) e concentrados por Lula no Bolsa-Família - os maiores responsáveis por essa mobilidade social. Sem dúvida, foi um enorme progresso para um país onde os programas sociais tinham eficácia zero até então, mas longe de resolver o problema da descomunal distância de renda entre ricos e pobres. Fora isso, a estabilidade econômica após o Plano Real, o investimento em educação dirigido ao ensino fundamental e a política de reajuste do salário mínimo acima da inflação ajudaram a encurtar essa distância.

Porém, seja por inércia ou por pressões políticas, permanece intacto o aparato de leis, regras e escolhas (erradas) feitas por governantes que desde sempre sustenta a concentração da renda do País na pequena parcela de ricos. Na educação houve algum progresso: se, no início dos anos 90, havia 17% de crianças fora da escola, hoje só há 2%. Mas a qualidade do ensino é tão ruim que grande parte dessas crianças não passa do estágio de analfabetismo funcional. A escolaridade média da população quase estagnou: nos últimos 20 anos passou de 5 para apenas 7,3 anos de permanência na escola. É o que explica a baixa produtividade do trabalhador e a desvantagem do Brasil em qualidade de produtos em relação aos fabricados na Ásia, por exemplo, onde é normal trabalhadores terem cursado universidade.

O sistemático recuo dos governantes, que preferem ceder a pressões políticas a fazer uma reforma tributária consistente, também tem alimentado a concentração da renda. Segundo pesquisa da Fiesp baseada em números da Receita Federal, as famílias pobres que vivem com até dois salários mínimos comprometem 48,9% de sua renda em pagamento de impostos, quase o dobro dos 26,3% pagos pelas famílias com renda acima de R$ 20 mil. Ao se apropriarem de 35% de toda a renda do País arrecadando tributos, os governos (federal, estaduais e municipais) têm enorme poder de concentrar ou desconcentrar pobreza e riqueza, dependendo de suas escolhas para aplicar verbas públicas. E desde sempre essas escolhas têm beneficiado mais ricos do que pobres, mais quem grita e faz pressão política do que os excluídos silenciosos. Ao ampliar de 25 para 38 o número de ministérios, Lula escolheu concentrar gastos com o funcionalismo, sabendo que vai faltar dinheiro para hospitais atenderem doentes; para escolas qualificarem professores; para construir rede de esgoto e água tratada; para ações que reduzam a violência entre jovens; enfim, para aplicar dinheiro público a serviço de uma distribuição mais justa da renda. Enquanto os governos não derem uma guinada na estrutura jurídica voltada para o social e seguirem privilegiando quem não precisa, o Brasil pode produzir e acumular riqueza, mas vai continuar ocupando o vergonhoso 4.º lugar entre os piores na partilha da renda.

Suely Caldas (Estadão/2012)


Ou seja, mesmo se decidirmos acreditar que os programas sociais de distribuição de renda do governo Dilma foram feitos com a melhor das intenções, mesmo se acreditarmos que não houve nenhum objetivo eleitoreiro, mesmo sendo absolutamente cegos para a corrupção que surgiu da estratégia de distribuir renda por decreto, mesmo assim, não adiantou nada.

Mentor Neto


Ricardo Amorim (Um Brasil)


Me impressiona que a esquerda tenha adotado como sua uma política econômica, que é uma política econômica de subsídio, crédito para consumo, desequilíbrio fiscal e que não atende a nenhuma das reivindicações históricas da esquerda, que é direitos sociais universais. O Brasil é um país desastroso do ponto de vista da educação, do ponto de vista da saúde, dos direitos sociais universais mas se transformou a política de crédito, consumo, subsídio e desequilíbrio fiscal feito nos governos Dilma e Lula numa política de esquerda. O que faltou aqui no Brasil foram ganhos permanentes, estruturais nos campos dos direitos sociais universais, uma revolução na educação, na saúde, uma reforma urbana que tornaria o Brasil num país diferente, o Brasil só ficou diferente porque se consumiu muito nesse período com aumentos de renda que tão sendo eliminados agora em função do desequilíbrio fiscal, que tão sendo corroídos por uma situação de recessão brutal e de desemprego que aumenta cada vez mais.

Demétrio Magnoli (Folha de São Paulo)

MANIFESTAÇÃO

Congresso Nacional (2013)

Não acredito em manifestação pacífica. Dilma caiu, Cunha caiu, é verdade. Mas não se engane, Caíram porque perderam suas brigas políticas e não por pressão popular. A briga para saber quem ia mandar no galinheiro daqui para frente. Brasília é longe da Av. Paulista ou do Rio. Só existe uma imagem, umazinha só, de todas essas manifestações que assusta. Aquela de 2013, quando o povo subiu no Congresso e por pouco não invadiu os prédios. Aquilo assusta. Manifestação aos domingos, com a família, com a camisa da seleção e tirando fotos para o instagram servem para mostrar nosso descontentamento. Isso sim. Mas não mudam nada. Manifestação popular tem que meter medo. Tem que parar o país. Tem que mexer no bolso. Tem que ser durante a semana. Tem que ter desobediência civil. Tem que ter greve geral.

Mentor Neto


A revolta não visava o poder, não pretendia vencer, não podia ganhar nada. Era somente um grito, uma convulsão de dor, uma vertigem de horror e indignação. Até que ponto um homem suporta ser espezinhado, desprezado e assustado? Quanto sofrimento é preciso para que um homem se atreva a encarar a morte sem medo? E quando a ousadia chega nesse ponto, ele é capaz de pressentir a presença do poder que o aflige nos seus menores sinais: na luz elétrica, nos jardins elegantes, nas estátuas, nas vitrines de cristal, nos bancos decorados dos parques, nos relógios públicos, nos bondes, nos carros, nas fachadas de mármore, nas delegacias, agências de correio e postos de vacinação, nos uniformes, nos ministérios e nas placas de sinalização. Tudo que o constrange, o humilha, o subordina e reduz sua humanidade. Eis os seus alvos, eis a fonte de sua revolta, e o seu objetivo é sentir e expor, ainda que por um gesto radical, ainda que por uma só e última vez, a sua própria dignidade.

Nicolau Sevcenko (A Revolta da Vacina - Mentes Insanas Em Corpos Rebeldes)

15 de setembro de 2016

CSI ANIMAL

Ao chegar a uma cena de crime, os peritos não se dirigem apenas ao cadáver - observam também insetos presentes. "Eles ajudam a elucidar questões relacionadas à morte violenta, maus-tratos e sequestros", explica a perita Janyra da Costa. A prática ainda não é comum no Brasil, mas já virou regra nos EUA e na Europa. A formiga revela que a vítima sofreu maus-tratos antes da morte - pois sua presença indica más condições de higiene no local. É bastante útil em investigações de sequestro, pois costuma estar presente em lugares confinados ou buracos onde insetos maiores não conseguem circular. As moscas são úteis nos casos em que o corpo já está em estágio avançado de decomposição. Os peritos capturam a mosca no local do crime, e analisam o sistema digestivo dela. A presença de certos elementos, como chumbo ou esperma, indica que a vítima foi baleada ou sofreu violência sexual. Quando a polícia invade um cativeiro, procura por mosquitos que se alimentam de sangue humano e por isso podem conter uma amostra do DNA do sequestrador. Estes também são usados quando há suspeita envolvendo drogas, pois revelam se a vítima consumiu cocaína, heroína ou anfetamina.

Superinteressante [Abril/2011]

RESPIRAÇÃO

A respiração tem conexão direta com a emoção. Fique estressado e sua respiração será superficial e alta. Fique descontraído e respirará pausadamente e pelo abdómen. Para cada estado emocional há um ritmo respiratório particular. Ou seja, se por um lado, as emoções afetam a respiração, por outro, a respiração interfere no emocional. Portanto, as técnicas respiratórias são ferramentas poderosas para transformar o universo emocional e conquistar a evolução pessoal. A respiração adequada pode ajudar atletas a exercer mais com menos esforço e até mesmo a estabilizar a mente. Por outro lado, a maioria dos desportistas utiliza a respiração pelo tórax e não pelo abdómen. Sempre que respirares em corrida, deves encher o abdómen como um balão; esvaziando-o a cada expiração. Isto porque ao respirar apenas com o tórax não garante-se o aporte de oxigénio necessário e adequado aos teus músculos e desperdiçamos energia preciosa que poderiam ser aplicadas no treino. Todavia, podes trabalhar a respiração abdominal em repouso e eventualmente acabarás por transferir esse treino respiratório para a situação de treino intenso. Respirar melhor equivale a mais oxigénio para os músculos o que corresponde a uma resistência acrescida. É importante respirar na antecipação de uma carga ou um impacto isso torna-nos mais difíceis de derrubar.

Fonte: susanavie.com

O PROCESSO

Quando o treinador Shaka Smart foi entrevistado após seu time inesperadamente vencer a Carolina do Norte, o que ele disse? Ele não focou no resultado final. Ou na estratégia. Ele disse que o seu time ganhou porque "seguiu o processo". Mas, afinal, o que é isso? O que é o processo?

Esportes são complexos. Ninguém tem habilidade mental ou motivação suficiente para administrar constantemente todas as variáveis que ocorrem durante a trajetória de uma temporada, imagine durante um jogo. Todo mundo acha que tem - mas, realisticamente, não tem. Há muitas jogadas, muitos jogadores, muitas estatísticas, contra-ataque, imprevisões, distrações. Durante a trajetória de uma longa fase eliminatória, isso se torna uma carga cognitiva impossível de ser levada. Entretanto, Rosen descobriu que uma jogada regular no futebol americano dura apenas sete segundos, como conta Monte Burke em seu livro Saban. Sete segundos - isso é muito administrável. Então ele perguntou: E se um time concentrasse apenas no que ele pode administrar? E se eles fizessem as coisas passo a passo - não focando em nada além do que estivesse bem na frente deles e em fazer isso bem?

Como resultado, Nick Saban não focou no que todos os outros treinadores focam, ou pelo menos da maneira que eles focam. Ele fala: "Não pense em vencer o Campeonado SEC. Não pense sobre o campeonato nacional. Pense sobre o que você precisa fazer nesse treino, nessa jogada, nesse momento. Esse é o processo: Vamos pensar no que podemos fazer hoje, a tarefa desse momento." É essa mensagem que tem sido internalizada por seus jogadores e times - que juntos foram campeões de quatro campeonatos nacionais em um período de oito anos. No caos do esporte, como na vida, o processo proporciona um caminho. Uma forma de transformar algo muito complexo em algo simples. Não que "simples" seja "fácil". Mas é mais fácil. Vamos dizer que você tem que fazer algo difícil. Não foque nisso. Em vez disso, separe em partes. Simplesmente faça o que você tem que fazer nesse momento. E faça bem. E depois vá para a próxima coisa. Siga o processo e não o prêmio. A estrada para campeonatos seguidos, ou para ser um escritor ou um empresário de sucesso é apenas isso, uma estrada. E você viaja pela estrada dando passos. Excelência é uma questão de passos. Obter excelência nisso, então naquilo e no depois disso. O processo de Saban é exclusivamente isso - existir no presente, seguir cada passo em seu tempo, não se distraindo com nada além disso. Nem com o outro time, nem com o placar, nem com a plateia.

O processo é finalizar as coisas. Finalizar os jogos. Finalizar os treinos. Finalizar as sessões de filme. Finalizar os trajetos. Finalizar as repetições. Finalizar as jogadas. Finalizar os blocos. Finalizar as tarefas menores que você tem na sua frente e finalizá-las bem. Seja buscando o auge do sucesso em sua área, ou simplesmente sobrevivendo a uma provação horrível, a mesma abordagem funciona. Não pense sobre o fim - pense em sobreviver. Fazendo o certo de refeição a refeição, reunião a reunião, projeto a projeto, salário a salário, um dia de cada vez. Nós não precisamos entrar em pânico. Até tarefas colossais se tornam apenas uma série de componentes.

Marco Aurélio dizia: "Não deixe sua imaginação ser destruída pela vida como um todo. Não tente imaginar tudo de ruim que poderia acontecer. Se prenda à situação do momento e pergunte “Por que isso é tão insuportável? Por que eu não consigo encarar isso?”

Sete segundos. Se prendendo à situação do momento. Focando no que está imediatamente à sua frente. Sem pressão, sem resistência. Bem relaxado. Sem esforço ou preocupação. Apenas um simples passo após o outro. Este é o poder do processo. Nós podemos canalizar isso também. Não precisamos lutar como frequentemente fazemos quando temos alguma tarefa difícil na nossa frente. Em vez disso, nós podemos respirar, fazer a parte que está imediatamente na nossa frente - e seguir o fluxo até a próxima ação. Tudo em ordem, tudo conectado. Quando se trata de nossas ações, a desordem e a distração são letais. A mente desordenada perde o foco do que está na sua frente - o que importa - e se distrai com pensamentos sobre o futuro. O processo é a ordem, ele mantém nossas percepções sob controle e nossas ações em sincronia. Parece óbvio, mas esquecemos disso nos momentos mais importantes. O processo é muito mais fácil. Primeiro, não entre em pânico, conserve sua energia. Não faça nada estúpido tipo se asfixiar por agir sem pensar. Foque em não deixar isso piorar. Vai demorar um tempo, mas você vai conseguir sair. Estar preso é apenas uma posição, não um destino.

Com que frequência fazemos concessões ou nos acomodamos porque sentimos que a solução real é muito ambiciosa ou fora do nosso alcance? Com que frequência assumimos que a mudança é impossível porque ela é muito grande? Porque ela envolve muitos grupos diferentes? Ou pior, quantas pessoas estão paralizadas por todas suas ideias e inspirações? Elas vão atrás de todas elas e chegam a lugar nenhum, se distraindo e nunca trazendo progresso. Elas são brilhantes, mas raramente conseguem executar algo. Elas raramente vão para onde querem e precisam ir. Quando nos distraímos, quando começamos a nos preocupar com algo além do nosso próprio progresso e esforço, o processo é uma voz útil, às vezes autoritária, em nossa cabeça. É o protesto do sábio líder mais velho que sabe exatamente quem ele é e o que ele tem que fazer. Cale a boca. Volte ao seu posto e tente pensar no que nós mesmos faremos, em vez de se preocupar com o que está acontecendo lá fora. Você sabe qual é o seu trabalho, pare de se queixar e vá trabalhar.

Leve o tempo que precisar, não se apresse. Alguns problemas são mais difíceis que outros. Lide com os que estão bem na sua frente primeiro. Volte para os outros depois. Você chegará lá. O processo é uma questão de fazer as coisas certas agora. Sem se preocupar com o que irá acontecer depois, ou com os resultados, ou com a visão geral.

Ryan Holiday

RISCOS NO BOXE E NO MMA

Hoje, existe quase um consenso entre os especialistas de que as duas modalidades têm níveis de segurança semelhantes. O maior risco dos dois esportes no curto prazo são as concussões cerebrais e os traumas de crânio. Não há um estudo definitivo sobre o tema, mas alguns médicos sugerem que a longo prazo os danos acumulados no boxe podem ser maiores. Desferidos com luvas mais leves, de 112 e 124 gramas, os golpes no MMA provocam ferimentos mais profundos e sangrentos, mas que normalmente logo derrubam um dos lutadores. A luva mais pesada do boxe, de trezentos a seiscentos gramas, permite uma troca de socos bem mais longa, sem que o adversário vá a nocaute. Uma sequência repetida de traumatismos - em um combate que dura, em média, três vezes mais que uma luta de MMA - pode causar ao longo do tempo danos cerebrais irreversíveis. Só para ficar no caso mais famoso, Muhammad Ali convive há anos com o mal de Parkinson. O problema é que, para efeito de comparação, ainda não há um número considerável de ex-lutadores de MMA acima dos sessenta anos para se ter certeza de que eles não terão sequelas semelhantes.

Fellipe Awi (Filho Teu Não Foge à Luta; págs: 302 e 303)

VALOR DE MERCADO DO LUTADOR

A primeira preocupação de um jovem lutador muitas vezes é fazer com que um vídeo com os melhores momentos de suas lutas chegue às mãos de um empresário. "Infelizmente, hoje em dia é difícil um atleta chegar ao Ultimate Fighting apenas porque se destacou. Ele precisa de contatos com alguém que tenha acesso fácil aos donos do evento", afirma Dedé Pederneiras, treinador da equipe carioca Nova União.

"É difícil para o lutador estipular um preço para si mesmo. Então você precisa da ajuda de um manager, que negocia com o dono do evento", diz Rizzo. Grosso modo, o trabalho dos empresários consiste em valorizar tudo que o atleta tem a oferecer. O de Dana White em avaliar quanto o lutador traz de dividendos financeiros e de imagem para o UFC e, assim, definir o seu valor de mercado.

Quando Anderson [Silva] falar o idioma com fluência, seu valor de mercado se multiplicará. Os fãs americanos vão ficar ainda mais fãs, e os patrocinadores vão vender muito mais. Além disso, o brasileiro agradará ao patrão Dana White, que detesta conversar com os lutadores por meio de intérpretes.

Desde 2011, o UFC começou a premiar os atletas que mais usam o Twitter para se relacionar com os fãs. A cada três meses, ganham um bônus de US$5 mil aqueles que acumulam mais seguidores e que postam os tweets mais criativos, de acordo com o julgamento de Dana White.

O boxe continua pagando as maiores bolsas - Pacquiao recebe algo em torno de US$20 milhões para subir no ringue -, mas elas estão cada vez mais restritas a um pequeno grupo de pugilistas. Um iniciante do UFC luta por uma bolsa de US$6 mil, em média. Apenas 5% dos contratados chegam à cada do milhão de dólares por luta.

Fellipe Awi (Filho Teu Não Foge à Luta; págs: 282, 284, 295 e 304)

AS LUTAS DE UM COMBATE

Nos três, quatro meses de preparação para um combate, o atleta do UFC deve se acostumar aos sacrifícios físicos. Cada um deles trabalha num limite diferente de tolerância à dor, mas todos devem encará-las apenas como mais um elemento da disputa, como são o adversário, o árbitro e o público. Muitos dizem que o estado de concentração e excitação durante o combate é tão intenso que não há espaço para sentir dor. "Sabe quando uma pessoa toma um tiro ou é atropelada, mas continua correndo, movida pela adrenalina? É mais ou menos assim que a gente se relaciona com a dor. Só nos damos conta dela horas depois da luta, depois que o corpo relaxa", diz Rizzo. "Não temos medo da dor. Temos medo é de perder." Encarada de outro modo, a dor pode gerar um efeito psicológico nefasto. Entrar no octógono significa aceitá-la. Mesmo que às vezes o combate seja tão rápido que não haja tempo de senti-la, já foi tomada a decisão mais difícil, a de se submeter a ela. "Por isso, todo lutador merece respeito. Tem que ser macho mesmo para entrar naquele octógono", afirma Wanderlei Silva. A vulnerabilidade dos combatentes se revela ao final de cada evento. Antes de começar a tradicional entrevista coletiva pós-luta, Dana White lista as lesões mais graves e se houve necessidade de levar o atleta a um hospital. Na semana seguinte, o departamento médico das comissões atléticas libera uma lista com o tempo em que cada lutador ficará afastado de lutas oficiais até se recuperar totalmente. É bastante comum ver cards do UFC em que todos os participantes apresentam algum tipo de lesão. Mesmo que saia aparentemente intacto do octógono, o atleta é afastado de competições por pelo menos 14 dias por precaução. Ao ser nocauteado, passa obrigatoriamente por um exame de imagem, além da suspensão, que é variável. Quando a derrota é por finalização, ele costuma ficar afastado sessenta dias. "As pessoas ficam preocupadas quando veem a gente apanhando na luta, mas não imaginam que já apanhamos muito mais nos treinamentos durante a semana. Somos preparados para isso", afirma Minotauro.

Para muitos, o maior sofrimento se concentra nos últimos dias antes dos confrontos. Quase todos pesam, no dia a dia, além do limite de sua categoria. Há casos extremos, como o de Gleison Tibau, que normalmente chega à semana anterior da luta com 15 quilos a mais que o permitido entre os pesos leves. Às vezes, sobram até sete, oito quilos para serem eliminados no último dia. É claro que a quase totalidade dessa perda é de água. Para perder sete quilos num dia, Wanderlei já passou quatro horas dentro de uma sauna, vestido com uma roupa especial que aumenta a transpiração. Ele também é adepto da imersão numa banheira cheia de sal para estimular a saída de água do corpo. Em seguida, com o mesmo objetivo, os atletas passam uma pomada que mantém os poros abertos por algumas horas. A desidratação absurda pode causar perda de potássio, cálcio e magnésio, hipotensão, alteração do metabolismo, irritação e sobrecarga dos rins e do coração - o que se agrava quando ocorre com frequência. Depois da pesagem, feita na véspera do combate, eles recuperam boa parte do que perderam à base de infusão de soro e de uma dieta especial, o que torna irreal o limite de peso estipulado pela categoria. A longo prazo, essa prática pode causar envelhecimento das células e desgaste de ligamentos, músculos e articulações. "É por essas coisas que esse é um esporte para poucos", afirma Wanderlei. Talvez por isso, mais que em qualquer esporte olímpico, o MMA suscite um sentimento de cumplicidade entre os atletas. Há, em geral, um respeito mútuo entre aqueles que aceitam entrar numa gaiola para pôr à prova sua força e coragem. Ao mesmo tempo que se consideram "eleitos" para um esporte tão duro, orgulham-se da escolha desse caminho para viver. O que não quer dizer que a relação entre os lutadores do UFC seja, de maneira geral, muito próxima. "Fora os brasileiros que treinam comigo, tenho poucos amigos no UFC. O Rich Franklin [um matemático que perdeu o cinturão justamente para o brasileiro] é um cara que posso considerar um amigo. Mas a relação, em geral, é de muito respeito", diz Anderson Silva.

Os nomes de maior destaque no país dificilmente continuem aqui depois dos 24, 25 anos de idade. Mesmo que não acabem no UFC, eles têm chances de encontrar outro torneio no exterior que lhes permita viver do esporte. Para acompanhá-los, treinadores e equipes de apoio também deixam o país. Só quando se tornam astros internacionais, como no caso de Anderson Silva e Minotauro, eles podem voltar ao Brasil com suas equipes e montar uma estrutura para treinar novamente por aqui. "Quando os atletas estão treinando com os melhores, eles tendem a evoluir com muito mais rapidez. Mas, como os melhores estão indo para os Estados Unidos, o desenvolvimento do atleta no Brasil fica prejudicado. Só resta a ele encontrar uma oportunidade lá fora também", explica o treinador Bebeo Duarte.

Fellipe Awi (Filho Teu Não Foge à Luta; págs: 280, 281, 282, 307 e 308)

EXTREMISMO



John Cleese

1 de setembro de 2016

LIBERALISMO NO BRASIL

O pensamento liberal foi realmente uma resposta de sucesso ao autoritarismo e ao nacionalismo radical do pós-guerra no século passado. É evidente, também, que o pensamento liberal foi uma das forças do mundo ocidental para derrotar o comunismo e pôr fim à Guerra Fria. As liberdades individuais e a capacidade do indivíduo se auto-governar são ideias deliciosas. O tempo e o contexto mundial pós globalização se incumbiram de esvaziar as esperanças deste pensamento, lamentavelmente. Como diria Isaiah Berlin no primeiro capitulo de "The Crooked Timber of Humanity”: “O discurso liberal…dá a um grupo o espaço necessário para realizar suas próprias idiossincrasias para objetivos únicos e particulares, sem interferência de outros grupos." Duro de engolir para quem aposta na saída liberal. Para os que vendem a ideia da meritocracia apesar da gritante desigualdade do país. O discurso liberal no Brasil, clama por menos presença do Estado num país que já não tem Estado há décadas. Torce para que o Estado se afaste porque é corrupto e ineficaz. Convencidos que estão de que o Estado sempre será corrupto e ineficaz. Pede por liberdade de nos auto-governarmos quando 40% da população não recebem serviços de saneamento básico. Exige a meritocracia quando a esmagadora maioria das nossas crianças não recebe ensino de qualidade nas escolas publicas. Propõe o livre porte de armas não como atestado da liberdade individual, mas como forma de repor a ineficiência da Segurança que o Estado deveria prover. Deseja a menor presença do Estado quando somos medíocres em Saúde e Educação. Quem - no mundo liberal - vai assumir a responsabilidade por nos dar o mínimo que o Estado deveria ter dado? Outro algoz do pensamento liberal foi a globalização.
 
O Brasil perdeu o trem da modernização. Perdeu a guerra pela competitividade no mundo. Quem - no mundo liberal - vai reverter essa situação ao mesmo tempo que vai se dedicar a dar condições de vida à esmagadora população desassistida? É isso que queremos como Nação? Sucesso aos privilegiados que tiveram a sorte de nascer herdeiros ou com a possibilidade de auto-governar? Sucesso apenas para as exceções que foram capazes de escapar da cilada da pobreza? Quem no mundo liberal vai lutar por interesses comuns de toda a população inassistida? É por isso que o pensamento liberal perdeu tração. Não só aqui, no mundo todo. E a direita se desespera. Esse desespero é em última análise, o que permeia o crescimento de nomes como Donald Trump, Marine Le Pen e companhia. O medo de dividir oportunidades. É fácil pedir que o Estado não atrapalhe quando se tem independência pessoal para ser liberal. Não. Não sou petista. Não sou comunista. Fora Dilma. Adeus PT. Estado competente, justo e honesto, não necessariamente mínimo. A saída não é uma virada radical como é a proposta liberal. Será um dia, quem sabe. Estado mínimo quando o Estado nos der o mínimo.

Mentor Neto


O discurso embasado na meritocracia desresponsabiliza o Estado e joga nos ombros do indivíduo todo o peso de sua omissão e da falta de políticas públicas. A meritocracia naturaliza a pobreza, encara com normalidade a desigualdade social e produz esquecimento – quem defende essa falácia não se recorda que contou com inúmeros auxílios para chegar onde chegou.

Fernanda Orsomarzo

10 de agosto de 2016

GUY FAWKES

Guy Fawkes

5 de Novembro

Foi nesta data, em 1605, que Guy Fawkes foi capturado no porão do Parlamento com uma grande quantidade de explosivos. Seu rosto inspirou David Lloyd a criar a máscara de V. Fawkes foi um católico extremista e herói militar que serviu em Flanders. Em conluio com outros católicos descontentes, pretendia explodir o Parlamento e assassinar o Rei Jaime I. Delatados por uma carta anônima, os terroristas viram seu plano frustrado. Fawkes foi torturado e executado diante do Parlamento em 31 de janeiro de 1606.

Alan Moore e David Lloyd (V de Vingança; pág: 302)

Máscara de V de David Lloyd

TEATRO É TUDO


"Tudo bem, criança, tudo bem. Já acabou. O passado não vai mais machucá-la, a não ser que permita. Transformaram você numa vítima, Evey... Em mais uma estatística, só que essa não é você, não é o seu interior. Confie em mim. Nós podemos apagar tudo... A dor, a crueldade. Juntos podemos recomeçar." (...) "Não é curioso como tudo termina em drama? (...) Teatro é tudo, Evey. O perfeito êxtase. A grande ilusão. É tudo. ...E eu quero ser muito aplaudido. Eles se esqueceram dos dramas, abandonaram os roteiros quando o mundo cintilou sob os clarões dos holofotes nucleares. Eu vou fazer com que se lembrem do drama, dos romances, das tramas policiais. Como vê, Evey, o mundo é um palco. Tudo o mais... ...É Vaudeville."

"Não se deve contar com a maioria silenciosa, pois o silêncio é algo frágil. Um ruído alto... ...E está tudo acabado. (...) O barulho é relativo ao silêncio que o precede. Quanto mais absoluta a quietude, mais devastadora as palmas. Nossos governantes não ouvem a voz do povo há gerações, Evey... ...E ela é muito mais alta do que eles se recordam." (...) "Todo esse tumulto e gritaria, V... Isso é anarquia? (...) Não. Esta é a terra do pegue o que quiser. Anarquia significa sem líderes, não sem ordem. Com anarquia, vem uma era de ordung, de verdadeira ordem, ou seja, ordem voluntária. (...) Isto não é anarquia, Eve. Isto é caos. (...) A ordem involuntária gera insatisfação, mãe da desordem, prima da guilhotina. Sociedades autoritárias são como a formação de crostas de gelo. Intrincadas, mecanicamente precisas e, acima de tudo, precárias. Sob a frágil superfície da civilidade, o caos se convulsiona... ...E há locais onde o gelo é traiçoeiramente fino. (...) A autoridade, quando detecta o caos pela primeira vez em seus calcanhares, fará as coisas mais vis para preservar a fachada de ordem... ...Mas, como sempre, ordem sem justiça, sem amor ou liberdade, não pode deter a derrocada de seu mundo para o holocausto. A autoridade admite dois papéis: o torturador e o torturado. Ela transforma as pessoas em manequins amorfos que temem e odeiam, enquanto a cultura mergulha no abismo. (...) O colapso da autoridade permeia o leito, as diretorias, a igreja e a escola. Tudo é mal gerido. A igualdade e a liberdade não são luxos a serem levianamente desprezados. Sem elas, a ordem não pode persistir antes de alcançar grandes profundezas. (...) A anarquia ostenta duas faces, a criadora e a destruidora. Destruidores derrubam impérios, fazem telas com os destroços, onde os criadores erguem mundos melhores. (...) Este país não está salvo... Não. Não se iluda... Mas todas as velhas crenças tornaram-se destroços... E, dos destroços, podemos reconstruir. Esta é a missão deles: governarem-se a si mesmos, suas vidas, amores e terra. Com isso alcançado, que falem de salvação. Caso contrário, certamente, serão carniça."

"Você pretendia me matar? Não há carne ou sangue dentro deste manto pra morrerem. Há apenas uma ideia. Ideias são à prova de balas."

Alan Moore (V de Vingança; págs: 31, 33, 195, 196, 197, 199, 200, 201, 224, 238 e 247)

ACHO QUE É HORA DE CONVERSARMOS


23 de Fevereiro de 1998. Horário nobre

Boa noite, Londres! Acho que é hora de conversarmos. Estão todos confortáveis? Então eu começarei... Imagino que você esteja se perguntando por que foi chamado aqui esta noite. Sabe, não estou inteiramente satisfeito com seu desempenho nos últimos tempos, receio que seu trabalho tenha decaído muito e... ...Bem, estamos pensando seriamente em demitir você. Claro... Eu sei que está na empresa faz muito tempo, quase... Deixe ver... Quase dez mil anos! Deus do céu! O tempo voa, não? Eu me lembro do dia em que você começou no emprego, balançando nas árvores, ainda jovem e muito nervoso, com um osso na mão peluda... Você me perguntou: "Por onde começo, senhor?" Ainda recordo minhas exatas palavras: "Está vendo aquela pilha de ovos de dinossauro?", indaguei, sorrindo paternalmente. "Pode chupar."

Já se passou muito tempo desde aquela época, não é verdade? E, claro, tem toda razão... Até hoje, você não faltou um dia. Muito bem, ó servo bom e fiel. Por favor, não pense que me esqueci da sua admirável folha de serviços, ou das valiosas contribuições que prestou à empresa. O fogo, a roda, a agricultura... Uma lista respeitável, meu velho. Realmente muito respeitável. Mas... Bem, para ser franco, nós andamos tendo problemas, não se pode fechar os olhos para isso. E sabe onde eu acho que a maioria deles se origina? Na sua indisposição natural para subir dentro da empresa. Você não quer encarar responsabilidades verdadeiras, nem ser seu próprio chefe. Deus sabe quantas oportunidades já teve. Várias vezes, nós lhe oferecemos promoções, e você sempre recusou. "Isso é muito pra mim, chefia. Eu conheço meu lugar." Para ser franco, você nunca nem tentou. Sabe.. Como não progride há muito tempo, isso já começa a afetar seu trabalho... ...E, devo acrescentar, seu padrão de comportamento também. Os constantes desentendimentos na fábrica não escaparam à minha atenção... ...Nem os surtos de desordem na cantina dos funcionários. Além disso, posso citar... Hmm, bem, eu não queria trazer isso à tona, mas... ...Sabe, andei ouvindo coisas desagradáveis sobre sua vida pessoal. Não. Nada de nomes. Quem me contou, não importa. Estou sabendo que você não consegue mais se entender com sua esposa... Me disseram que os dois brigam muito, que você grita... Falaram até de violência. Fui informado que você sempre magoa aquela que ama... ...Aquela que jamais deveria magoar. E seus filhos? São sempre as crianças que sofrem, como você bem sabe. Pobrezinhos! O que fizeram para merecer isso? O que fizeram para merecer sua truculência, seu desespero, sua covardia e todas as intolerâncias cultivadas com tanta estima?

Situação nada boa, não é? E não adianta culpar a gerência pela queda nos padrões de trabalho... ...Embora eu saiba que ela deixa muito a desejar. Na verdade, sem papas na língua... A gerência é deplorável! Nós tivemos uma sucessão de malversadores, larápios e lunáticos tomando um sem-número de decisões catastróficas. Isso é inegável. Mas quem os elegeu? Você! Você indicou essas pessoas. Você deu a elas o poder para tomarem decisões em seu lugar! Claro que qualquer um está sujeito a se equivocar, mas cometer os mesmos erros fatais, século após século, parece uma atitude deliberada. Você encorajou esses incompetentes, que transformaram sua vida profissional num inferno. Aceitou suas ordens insensatas sem questionar. Sempre permitiu que enchessem seu espaço de trabalho com máquinas perigosas. Você podia ter detido essa gente. Bastava dizer "não". Você não teve orgulho próprio. Perdeu o valor que tinha na companhia. No entanto, eu serei generoso. Você terá dois anos para aprimorar seu trabalho. Se, ao fim desse período, não apresentar resultados satisfatórios... ...Será cortado. Isso é tudo, pode voltar ao trabalho. As tarefas normais devem começar tão logo seja possível.

9 de Novembro de 1998

Boa noite, Londres. Eu gostaria de me apresentar, mas verdade seja dita, não tenho nome. Podem me chamar de "V". Desde a aurora da humanidade, um punhado de opressores assumiu a responsabilidade sobre nossas vidas. Responsabilidade que nós deveríamos ter. Ao fazer isso, eles tomaram nosso poder. Ao nada fazermos, nós o entregamos. Nós vimos aonde seus caminhos levaram, através de campos e guerras, rumo a matadouros. Na anarquia, há outro caminho. Com a anarquia, dos destroços vem vida nova, esperança renascida. Dizem que a anarquia está morta, mas vejam... As notícias de minha morte foram... ...Exageradas... Amanhã, a rua Downing será destruída, a cabeça reduzida a ruínas. Um fim para o que já passou. Hoje vocês irão escolher entre uma vida própria ou o retorno aos grilhões. Escolham com cuidado.

Adieu.

10 de Novembro de 1998

Você escapou do abatedouro ileso, mas não intacto. Viu a necessidade da liberdade, não apenas pra si, mas pra todos... Você viu... E vendo, ousou fazer. Quão sábia foi sua vendeta... Quão benigna, quase uma cirurgia. Os inimigos acreditaram que você pretendia se vingar só em suas carnes, mas não. Você esquartejou suas ideologias. As pessoas encontram-se em meio às ruínas da sociedade, uma cela que prometia ser eterna. A porta está aberta. Podem partir agora, ou voltar a se desentender e tecer nova escravidão. A escolha é deles, como sempre deveria ter sido. Não pretendo liberá-los, mas ajudarei a construir, a criar. Não ajudarei a matar. A era dos assassinos acabou. Eles não têm lugar em nosso mundo melhor.

Alan Moore e David Lloyd (V de Vingança; págs: 114, 115, 116, 117, 118, 119, 120, 260 e 262)

ESTE VIL CABARÉ


Há uma lâmpada quebrada pra cada coração na Broadway... A vida é um jogo cheio de luzes que podem ser quebradas. Você recebe fantasias e um resumo da peça... ...Depois é largado pra improvisar neste vil cabaré. Não mais gatinhos sendo acariciados. Só mandados, formulários, memorandos e ordens de despejo... Há sexo, morte e sujeira humana, tudo por dez centavos. Os trens, pelo menos, saem na hora certa... Mas não vão a lugar algum. Diante de suas responsabilidades, seja de costas ou de joelhos, há senhoras que simplesmente gelam e não ousam partir... Viúvas que se recusam a chorar vestirão ligas e gravatas-borboletas e aprenderão a levantar bem as pernas neste vil cabaré. Finalmente o show de 1998! Balé no palco ardente. O documentário visto na tela rasgada... O poema aterrador rabiscado na página amassada! Há o policial de alma honesta que conhece a cabeça de quem está no timão. Ele resmunga e enche seu cachimbo com um sentimento de intranquilidade. Em seguida, revista rapidamente os restos rotos de uma impressão digital ou mancha escarlate e empenha-se em ignorar os grilhões que o acorrentam... ...Enquanto seu mestre, em trevas próximas, inspeciona as mãos com olhos brutais que jamais fitaram as coxas de uma amante, mas que esganaram a garganta de uma nação. Ele anseia, em seus sonhos secretos, o áspero abraço de máquinas cruéis, mas sua amante não é o que parece e ela não deixará bilhetes. Finalmente, o show de 1998! A tragédia! A grande ópera barata! Suspense sem esperança! A aquarela na galeria inundada. Há a jovem que quer, mas não pede. Ela está desesperada pelo amor de seu pai. Acredita que a mão sob a luva pode ser a que precisa segurar. Embora duvide da moralidade de seu anfitrião, ela decide que será mais feliz na terra do faça o que quiser do que se jogada ao relento. Mas o pano de fundo se rasga, os cenários desaparecem e o elenco é devorado pela peça. Há um assassino na matinê. Há cadáveres na plateia. Os produtores e atores também não estão certos se o show terminou. Com olhares oblíquos, eles esperam suas deixas... ...Mas a máscara apenas sorri. Finalmente, o show de 1998! A música-tema que ninguém conta! O balé do toque de recolher! A divina comédia. Os olhos de marionetes estranguladas por suas cordas! Há emoções e calafrios, mulheres em abundância. Há marchinhas e surpresas! Há de tudo para todos os gostos. Reserve sua poltrona! Há perversos e danosos... ...Judeus... ...Ou crioulos... ...Neste carnaval de bastardos. Este vil cabaré!

Alan Moore e David Lloyd (V de Vingança; págs: 91, 92, 93, 94 e 95)

AS CHAMAS DA LIBERDADE


- Olá, formosa dama. Linda noite, não? Perdoe-me a intromissão, talvez a senhorita pretendesse passear... Apenas desfrutar a paisagem. Não importa. Creio que é chegado o momento de uma breve conversa. Ahh, eu me esqueci de que não fomos apresentados. Eu não tenho um nome, mas pode me chamar de V. (...) Para ser sincero, outrora fui um admirador seu. Até imagino o que está pensando... O pobre rapaz tem uma queda por mim... Uma paixão juvenil. Desculpe, mas não é este o caso. Eu perguntava a meu pai: "Quem é aquela moça?", e ele respondia: "É a madame justiça". Ao que eu replicava: "Como ela é linda". Eu a admirava, apesar da distância. Ainda criança, passando pela rua, eu admirava sua beleza. Por favor, não pense que se trata apenas de atração física. Em absoluto. Eu a amava como pessoa, como ideal. Isso foi há muito tempo. Agora, confesso que há outra...
O quê? Que vergonha V! Traindo-me com uma meretriz de lábios pintados e sorriso vulgar!
Eu, madame? Permita-me uma correção. Foi a sua infidelidade que me arremessou nos braços dela! Ah! Ficou surpresa, não? Pensou que eu desconhecia suas escapadelas? Enganou-se. Eu sei de tudo. Na verdade, não me surpreendi quando soube que você flertava com homens de uniforme.
Uniforme? E-eu não sei do que está falando. Sempre foi você, V... O único em minha vi..
Mentirosa! Meretriz! Ousa negar que se deixou envolver por ele, com suas braçadeiras e botas? E então? O gato comeu sua língua? Foi o que pensei. Muito bem. A verdade foi revelada. Você não é mais minha justiça. É a dele. Recebeu outro em sua cama. Faça bom proveito de seu novo amante.
Snif! Snif! Q-quem é ela? Como se chama?
Seu nome é anarquia. E ela me ensinou mais como amante do que você imagina. Com ela, aprendi que não há sentido na justiça sem liberdade. Ela não faz promessas nem deixa de cumpri-las como você. Eu costumava me indagar por que jamais me olhou nos olhos. Agora eu sei. Por isso, adeus, cara dama. Nossa separação não me entristece, uma vez que não é mais a mulher que amei outrora. Eis um último presente, que deixo a seus pés. As chamas da liberdade. Que adorável. Quanta justeza, minha preciosa anarquia... Ó beldade, até hoje eu te desconhecia.

Alan Moore e David Lloyd (V de Vingança; págs: 41, 42 e 43)

5 de agosto de 2016

UM PENSAMENTO

Nada faz correr mais o tempo e abrevia mais o caminho do que um pensamento capaz de absorver em si mesmo todas as faculdades mentais daquele que pensa. A vida exterior assemelha-se então a um sono de que esse pensamento é o sonho. Graças a ele, o tempo perde a medida, o espaço perde a distância. Partimos de um lugar e chegamos a outro, e isso é tudo.

Alexandre Dumas (Os Três Mosqueteiros; pág: 287)

7 de julho de 2016

A ZONA

Pedro Rizzo

Rizzo lutou bem nas duas derrotas para Couture, mas deixou o octógono abalado na segunda vez. Competitivo ao extremo, ele detesta quando lhe dizem que perder faz parte do jogo, ainda mais quando sente que teve a chance de vencer. Na maioria dos esportes, o atleta vive um tempo relativamente curto entre competições. Um tenista, por exemplo, em geral tem um torneio a cada uma ou duas semanas, o que significa uma chance de se recuperar logo de uma derrota. No MMA às vezes são quatro, cinco meses lidando com o último fracasso até ganhar uma nova oportunidade. Quando não sabe suportar esse período angustiante, o lutador pode começar a perder o próximo combate antes de subir no octógono. Ou viver o que aconteceu com Rizzo. Os elogios que ouvia - ainda mais depois da vitória sobre o bom bielorrusso Andrei Arlovski no UFC 36 - agora lhe faziam mais mal do que bem. Passou a encará-los como cobrança, sem se dar conta de que a cobrança mais impiedosa vinha de si mesmo. Não enxergava mais o público como pessoas que tinham ido ali para se divertir em uma noite de sábado, mas como fãs que chegavam para assistir a uma vitória dele. "Em vez de eu pegar essa idolatria e me motivar, eu fiz o contrário. Eu pensava: 'Caraca, não posso perder.' E dizer 'não posso perder' é o primeiro passo para o abismo. Se você não luta pra frente, você luta pra não perder. Se você luta pra não perder, você só se defende ou contra-ataca. E aí você perde. Foi o que aconteceu comigo. Tive o sucesso nas mãos e dei mole", conta Rizzo. São demônios internos que convivem com todos os lutadores, mas poucos têm coragem de revelá-los.

"Se você perde duas seguidas, o pessoal acha que você está acabado."

Há poucos exemplos melhores do que o de Pedro Rizzo para ilustrar a montanha-russa emocional e a profusão de conflitos internos que fazem parte da vida de um lutador de MMA. Quando a porta do octógono se fecha, o trabalho de uma equipe de treinadores, preparadores físicos e nutricionistas está encerrada. Além do adversário, o lutador precisa enfrentar também suas inseguranças. A maioria deles reporta aumento da transpiração e da tensão muscular. A percepção visual também fica mais aguçada, completando um quadro clássico de descarga de adrenalina no sangue. "Esse esporte é mais de 50% mental", afirma Murilo Bustamante. Um atleta só consegue render o máximo se estiver bem-resolvido do ponto de vista emocional, apontam treinadores e especialistas. Exemplo de agressividade e destemor, Wanderlei Silva diz que o lutador que se apequena dentro do octógono tem tudo para sair de lá massacrado. "Diante do público, o cara tem que crescer, tem que fazer o que está preparado para fazer. Precisa se concentrar e ao mesmo tempo ficar tranquilo, não se ater muito ao tamanho do show. Senão fica nervoso mesmo", diz. Em outras palavras, Wanderlei está dizendo que o lutador de MMA precisa encontrar um estado mental chamado pelos psicólogos do esporte de "a zona", que pode ser definido como uma "concentração relaxada" ou um "relaxamento concentrado". Em esportes de risco, esse é o melhor caminho para que o atleta atue no "automático", ou seja, faça o que treinou sem realizar um grande esforço mental.

Nesse aspecto, o MMA tem uma peculiaridade ausente inclusive em outras modalidades de luta, como o jiu-jítsu e o judô. É como se o público desse esporte esperasse que o atleta não estivesse em cima do octógono apenas para vencer, mas para dar demonstrações de coragem e até de heroísmo. Por mais técnico e vitorioso que seja, um lutador cauteloso corre o risco de ser vaiado. Minotauro, por sua vez, não se tornou ídolo apenas por suas vitórias, mas pela incrível capacidade de manter a agressividade mesmo apanhando. O torcedor padrão de MMA aceita que o lutador tenha medo, mas não que se acovarde. Considerado instável emocionalmente por alguns colegas e treinadores, Vitor Belfort acredita que o medo funciona como um controlador de limites no esporte. "Os sentimentos têm que ser controlados porque o medo em excesso se torna temor e te paralisa, mas, se o cara não tem medo, ele é um inconsequente e vai se machucar feio", diz.

Fellipe Awi (Filho Teu Não Foge à Luta; págs: 275, 276, 278, 279 e 280)

EQUIPE

O modelo de equipes, estimulado na Japão, se revelou inviável no UFC de Dana White. "De certa forma, a equipe nos dava certo controle na formação dos cards. Se você tem dois, três campeões, imagine a sua força para negociar. Mas, quando se está sozinho, é um cara contra uma instituição. Eles preferem assim", opina Bebeo Duarte. No UFC atual, o lutador, claro, pode pertencer a uma academia, mas sua comissão técnica normalmente é formada por profissionais de diversos lugares. O enfraquecimento das equipes, em especial das brasileiras, não se explica apenas pelo modelo do UFC - ele simplesmente lançou novos elementos para agravar as divergências internas. Os lutadores queriam mais independência para escolher sua equipe e negociar os contratos.

Fellipe Awi (Filho Teu Não Foge à Luta; págs: 249 e 250)

AUTOBIOGRAFIA DE UMA ANGÚSTIA

Uma dose dupla em homenagem a dor. No plural em referência aos olhos. A perspectiva do zoom é ressignificante. Num horizonte à vista há dois mares. Beleza e tragédia pairam e caem do ar na insanidade de um sorriso lagrimoso. A falta de sentido, mãe da liberdade, nos convida a ensaiar o voo livre que por sua vez fez a contingência vomitar nas mãos as rédeas da própria existência, que se impõe, sem bater na porta com a essência que socorre. O homem não veio do barro, mas do barroco. Que a velhice queime em nome da luz que se finda, que o espectro do olhar melancólico e lúcido de quem se depara com a pupila dilatada da morte nos advirta. Aos bipolares, eles são mais coerentes do que supõe nosso charme.. Somos caos, não que todo o esforço da dita ordem seja uma negação, apenas uma tentativa de levarmos o vazio de certas facetas. Um relógio em busca das horas que nunca saberá e que jura poder saber um dia. É válido. Afinal, nada mais assustador do que o desconhecido. O teatro barato da mais fina racionalidade não nos foge o caráter tanto quanto a mais lambuzada emocionalidade. No jogo revelamos os lados de um suposto puritanismo calcado no mais divino profanismo. Nos encontramos na puberdade da humanidade, em meio ao bônus da energia brilhante do idealismo. A honra da selvageria de nossos impérios ruem ao lampejo do grande messias, longe de pudor, o amor. A utopia é acreditarmos sermos capazes mas milagres acontecem de verdade. Uma boa notícia. O que colore a vida é tão palpável quanto nossas memórias de sangue, que nos constrói e destrói.

A consciência é uma arma a borbulhar, um caminho sem volta, a mordida proibida, no qual somos todos convidados pela atraente e indisfarçável transgressão. Fadados estamos de modo a simpatizarmos pelo status quo, o inevitável assusta. A morte é o lembrete-mor, está para nós como a vida está, eis a tragédia humana. Tudo passa, seja lá o que a gente acha que passa. No melhor das hipóteses, a mais bela vida alcança a morte. Não há felicidade que escape a frustração que a aguarda. Não há tristeza imune a felicidade. Quanta construção e desconstrução uma vida suporta? Quantos encontros e desencontros? É o que dá tempo, andar tropeçando, sob o consolo de ficarmos mais criativos na arte de fazermos das quedas passos elegantes. Sempre faltará, arrependerá, escolher é excluir. Embora, sempre esquecemos que o sempre nem sempre é sempre. A vida nos suplica calma, mas faz questão de sacanear, queima, gela e até nos presenteia. Do começo ao fim, a gravidade nos lembra em que direção realmente estamos indo. No qual sempre soubemos apenas duas coisas: Nada e porra nenhuma.. Para todos os efeitos, daqui ninguém sai, no pior - ou melhor - das hipóteses, eterniza-se na natureza. É um palpite. Transcendemos a nós mesmo ao ponto de nos angustiarmos por conta própria. Diante do cenário, o convite é fazer da vida um fim em si, e em pouco tempo, eis a sabedoria. Nos falta estrutura ou ignorância? Espero ter o privilegio de não ter tanta necessidade de respostas. Até lá me resta a inútil inquietude cética... Porém, o diabo já não me convence do conto da imortalidade.

Desconhecido

23 de junho de 2016

"CRIAR UM HERÓI PARA DEPOIS MATÁ-LO"

O SEG propôs um contrato de três lutas, mas Rorion manteve-se firme: só negociava uma de cada vez: "Eles queriam botar uma luta fácil aqui, outra fácil ali e, na terceira, uma pesada para arrebentar o Royce. Criar um herói para depois matá-lo", conta. Meyrowitz sabia que, com o contrato de uma luta, Rorion pediria uma bolsa maior a cada vitória do irmão.

Fellipe Awi (Filho Teu Não Foge à Luta; pág: 192)

20 de junho de 2016

ESPERE MENOS, AME MAIS

Acredito que as frustrações das pessoas, o desânimo, sempre "estar aquém", vontade de desistir em diversas áreas da vida - trabalho, religião, relacionamentos, família - nascem de suas idealizações, expectativas exageradas, o desejo por uma situação ideal. E ainda por cima, o jogo de aparências da sociedade nos faz sentir que estamos ficando para trás, perdendo algo, fracassando em muitos aspectos. Mas deixa eu contar um segredo: há muita encenação, mito, mascaramento nas pessoas que vemos passar. "A grama do vizinho é mais verde", diz o ditado popular. Pessoa "bem resolvida" é um mito. Bem resolvida é a pessoa que já morreu. Casais bem resolvidos, filhos bem resolvidos, mãe bem resolvida, pai bem resolvido, relacionamentos bem resolvidos... tudo isso é um mito que nos enche de uma culpa indevida. Nós somos seres humanos, frágeis tentando dar conta da sobrevivência, da criação, da educação, da espiritualidade. Tudo o que conseguimos ser é humanos. E esse é o pé de igualdade do rico, do pobre, do casado, solteiro, viúvo, desquitado, da mãe/pai solteiro, do filho, adolescente. De perto, todos nós somos um lindo drama. Uma história complexa, rica, cheia de potencialidades. E nessa caminhada podemos ter a graça de encontrar pessoas humanizadas. Podemos ser a graça de pai, mãe, parceiros, filhos, irmãos humanizados, que não esperam do outro mais do que nós mesmos podemos dar. Siga o conselho de Nietzsche "espere menos, ame mais". O melhor lugar é onde você está. Você pode fazer o ambiente. O tempo com seus queridos, ainda que seja pouco, pode ter a qualidade de uma eternidade se você não esperar mais nada. Você pode fazer as pazes com sua história, com suas contradições, com seus fracassos, com sua personalidade, com seu jeito esquisito, com suas manias. Quem disse que você precisa ter um "perfil ideal" para ser feliz, aceito, amado? Todos nós, feios, bonitos, altos, baixos, magros, gordos, tímidos, carismáticos, "pavio curto", culto, indouto, enrolados em nossas fragilidades somos dignos de amor e perdão. Não se culpe por ser humano! Ao seu lado você pode encontrar um outro humano e compartilhar a vida.

Talvez maturidade não seja mais do que ir se reconciliando com a vida, consigo mesmo, com as relações, com o tempo. Na era do descartável desistimos facilmente das pessoas, mas o perdão é uma doce janela para um novo horizonte. Mas reatar algumas relações talvez seria mais violento, forçar a barra. Definitivamente, na estrada colhemos também desafetos. Reconciliação seria mais do que fazer as pazes num amor fofo. Seria acolher a imperfeição minha, do outro, respeitar os limites. Lamentar o que não foi e seguir sem ressentimentos, livres da amargura. A "química" com fulano não rolou. Que pena, mas não deveria ser obrigação. Percebo que cicrano se esforça em ser meu amigo, mas eu não tenho a mínima identificação. Paciência. A essa altura da vida "tal guinada" seria muito improvável. Melhor reinventar a vida dentro dos limites que me restam. Eu tinha tudo para ser amigo de beltrano, mas ele se desencontrou com minha esposa e nos inviabilizou. Chato, mas acontece! Fui rejeitado. Quem me rejeitou não tem a versão definitiva de mim. Coragem de ser! Tal projeto deu em água e areia. Que pena, era tão lindo! Mas vou virar a página e escrever outro capítulo. Se uma esperança não deu, mudo de esperança! Aquela pessoa não se afeiçoa a nada do que faço; não concorda, não me aceita. Bola pra frente. Ninguém é unânime! Alguém me deu as costas porque divergimos ideologicamente, na religião, esporte, política, visão de mundo. Adeus! A vida me sorriu amarelo, me aprontou uma peça, me brindou com tragédia; levou o melhor de mim... Calma! Aviões caem, pessoas morrem... Mais determinante do que a vida lhe fez, é o que você fará com o que a vida lhe fez! Percebo que meu pai/mãe tem uma relação mais fluente e cúmplice com meu irmã. Normal. Mas me apego docemente as nossas memórias em comum! Meu parceiro é atrapalhado no amor, não foi exatamente isso que idealizei. Mas ele tem outras linguagens que, se eu esperar menos e amar mais, me sentirei mais amado. Percebi que eu sou um mosaico de contradições, ambivalência. Dane-se! Vou procurar viver da melhor maneira a equacionar essas ambiguidades porque a expressão "bem resolvido" cai bem para quem já morreu, não para um vivo. Para se reconciliar com a vida, aprender a se despedir.

10 de junho de 2016

TRANSFORMAR EM DEUS

O que sei sobre a vida eterna é que ela é para ser um presente, e presente a gente não deve cobrar e não deve esperar. O mesmo, você deve entender, posso dizer desta vida. A vida futura que deve me ocupar é o momento seguinte, porque o momento seguinte depende do que faço neste. Salvar as pessoas ou transformar o mundo? Se você pensar, qualquer um desses seria fácil demais, porque tanto o mundo quanto as pessoas estão fora de mim; a metamorfose deles nada exige de mim e para mim nada implica além daquilo em que me beneficia. O desafio do legado de Jesus é eu transformar a mim mesmo. É natural que transformando a mim mesmo estarei transformando o mundo, mas essa não é a questão. A alma que me cabe salvar continuamente é a minha.

Paulo Brabo (A alma que me cabe)


A mente que está viva em Jesus, a mente que ele requer de nós, está enraizada e fundamentada no conhecimento de que uma única coisa é boa, uma vontade direcionada à comunhão de seres conscientes de si mesmos — em outras palavras, amor. Essa mente, de acordo com a explicação que Jesus fornece do amor, é vontade uniforme, independente e inesgotável. Seu ponto culminante é a percepção de que esta vontade é poder sobre todas as coisas: é Deus.

Adolf Harnack (Ensaios Sobre o Evangelho Social)

7 de junho de 2016

A CENSURA DO "BEM"

Mamonas Assassinas

Se os Mamonas Assassinas aparecessem hoje provavelmente, não teriam carreira. Algum membro do Ministério Público careta e autoritário teria proibido muitas de suas letras em nome do bem e do “respeito” a algum grupo de ressentidos. Aliás, bem no espírito iconoclasta dos Mamonas, eu diria que ficamos tão atentos a “censura do mal”, que esquecemos que a censura sempre se vê como sendo do bem. O mal político sabemos identificar mas hoje é o bem político que se traveste de cordeiro pra corroer a liberdade de expressão. Todo o mundo com medinho. Muita gente que atua no mundo público da cultura e do pensamento hoje é medrosinho. Pra garantir a janta e a foto, só diz o que todo mundo bacana quer ouvir. E gente bacana é sempre gente boba.

As letras dos Mamonas são, hoje, um documento histórico. “Minha pistola é de plástico (quero chupar-pa) ... Tem gay que é Mohamed tentando camuflar” (Robocop Gay). Já aqui alguém teria gritado em nome de duas “minorais oprimidas”, gays e muçulmanos. Suas letras são um documento histórico de como o Brasil encaretou. Mais vinte anos e a mediocridade será absolutamente correta. Nas escolas ninguém mais respirará, nas universidades já não se respira, na mídia teremos apenas “causas” a defender e nenhum conteúdo a se produzir.

O mundo artístico vai, aos poucos, virando um espaço sem atmosfera, onde não se tem ar pra respirar porque (quase) todo o mundo está preocupado com política e militância. Nelson Rodrigues anteviu isso quando dizia que todo artista ruim tem uma causa, mas nenhuma obra de fato. Se não bastasse ser apenas um horror por si só, isso tudo é também brega. Artista que quer ser “do bem” é, na verdade, um mau artista. Assim como poesia sincera é sempre poesia ruim, como pensava Oscar Wilde, que se vivesse hoje, seguramente, vomitaria em cima dos politicamente corretos.

E que tal esse trecho da música “Lá vem o alemão”:

"Toda vez que eu lembro de você
Me dá vontade de bater, te espancar
Oh meu amor
Só porque ele é lindo, loiro e forte
Tem dinheiro e um Escort
Como modess você me trocou"

A histeria seria plena. Estímulo a violência! Preconceito contra pobre, pretos e fracos! Falta de respeito com a menstruação! Enfim, assim como o Escort, como carro chique, atesta o passado em que viveu os Mamonas, suas letras atestam que hoje todo o mundo tem medo de todo mundo. Isso é sintoma de censura, só besta e mentiroso não vê.

Luiz Felipe Pondé

PARA QUANDO EU ME FOR

Morrer é uma surpresa. Sempre. Nunca se espera. Nem mesmo o paciente terminal acha que vai morrer hoje ou amanhã. Na semana que vem talvez, mas apenas se a semana que vem continuar sendo na semana que vem. Nunca se está pronto. Nunca é a hora. Nunca vamos ter feito tudo o que queríamos ter feito. O fim da vida sempre vem de surpresa, fazendo as viúvas chorarem e entediando as crianças que ainda não entendem o que é um velório (Graças a Deus).

Com meu pai não foi diferente. Na verdade, foi mais inesperado. Meu pai se foi com 27 anos, a idade que leva muitos músicos famosos. Jovem. Moço demais. Meu pai não era músico nem famoso, o câncer parece não ter preferência. Ele se foi quando eu ainda era novo, descobri o que era um velório justamente com ele. Eu tinha 8 anos e meio, o suficiente pra sentir saudade pelo resto da vida. Se ele tivesse morrido antes, não existiriam lembranças. Nem dor. Mas também não haveria um pai na minha história. E eu tive um pai. Tive um pai que era duro e divertido. Que me colocava de castigo com uma piadinha pra não me magoar. Que me dava um beijo na testa antes de dormir. Hábito esse que eu levei para os meus filhos. Que me obrigou a amar o mesmo time que ele e que explicava as coisas de um jeito melhor que a minha mãe. Sabe? Um pai desses que faz falta. Ele nunca me disse que ia morrer, nem quando já estava deitado cheio de tubos. Meu pai fazia planos para o ano que vem mesmo sabendo que não veria o próximo mês. No ano que vem iríamos pescar, viajar, visitar lugares que nenhum de nós conhecia. O ano que vem seria incrível. Eu vivi esse sonho com ele. Acho, tenho certeza na verdade, que ele pensava que isso daria sorte. Supersticioso. Pensar no futuro era o jeito dele se manter otimista. O desgraçado me fez rir até o final. Ele sabia. Ele não me contou. Ele não me viu chorar a sua perda. E de repente o ano que vem acabou antes de começar.

Minha mãe me pegou na escola e fomos ao hospital. O médico deu a notícia com toda a sensibilidade que um médico deixa de ter com os anos. Minha mãe chorou. Ela também tinha um pingo de esperança. Como disse antes, todo mundo tem. Eu senti o golpe. Como assim? Não era só uma doença normal dessas que a gente toma injeção? Pai, como eu te odiei. Você mentiu pra mim. Não fiquei triste, pai, fiquei com raiva. Me senti traído. Gritei de raiva no hospital até perceber que meu pai não estava lá pra me colocar de castigo. Chorei. Mas aí meu pai foi meu pai de novo. Trazendo uma caixa de sapato debaixo dos braços, uma enfermeira veio me consolar. Dentro, dezenas de envelopes lacrados com frases escritas onde deveriam ficar os nomes dos destinatários. Entre as lágrimas e os soluços não consegui entender direito o que estava acontecendo. E então a mesma enfermeira me entregou uma carta. A única fora da caixa.

Seu pai me pediu pra entregar essa pessoalmente e te dizer pra abrir. Ele passou a semana inteira escrevendo tudo isso e disse que era pra você. Seja forte”. Disse a enfermeira com um abraço.

PARA QUANDO EU ME FOR dizia o envelope que ela me entregou. Abri.

Filho,
Se você está lendo eu morri. Desculpa, eu sabia.

Não queria te dizer que ia acontecer, não queria te ver chorar. Parece que consegui. Acho que um homem prestes a morrer tem o direito de ser um pouco egoísta. Bom, como eu ainda tenho muito pra te ensinar, afinal você não sabe de nada, deixei essas cartas. Você só pode abrir quando o momento certo chegar, o momento que eu escrevi no envelope. Esse é o nosso combinado, ok?

Eu te amo. Cuida da sua mãe, você é o homem da casa agora.

Beijo, pai.

PS: Não deixei cartas para sua mãe, ela já ficou com o carro.

E com aqueles garranchos, afinal naquela época não era tão fácil imprimir como é hoje em dia, ele me fez parar de chorar. Aquela letra porca que uma criança de 8 anos mal entendia (eu, no caso) me acalmou. Me arrancou um riso do rosto. Esse era o jeito do meu pai de fazer as coisas. Que nem o castigo com uma piadinha para aliviar. Aquela caixa se tornou a coisa mais importante do mundo. Proibi minha mãe de abrir, de ler. Mas elas eram minhas, só pra mim. Sabia decorado todos os momentos da vida em que eu poderia abrir uma carta e ler o que meu pai tinha deixado. Só que esses momentos demoraram muito pra chegar. E eu esqueci. Sete anos e uma mudança depois eu não tinha ideia de onde a caixa tinha ido parar. Eu não lembrava dela. Algo que você não lembra não faz falta. Se você perdeu algo da sua memória, você não perdeu. Simplesmente não existe. Como dinheiro que depois você acha no bolso da bermuda. E então aconteceu. Uma mistura de adolescência com o novo namorado da minha mãe desencadeou o que meu pai sabia que um dia aconteceria. Minha mãe teve vários namorados, sempre entendi. Ela nunca casou de novo. Não sei ao certo o motivo, mas gosto de acreditar que o amor da vida dela tinha sido meu pai. Mas esse namorado era ridículo. Eu sentia que ela se rebaixava pra ele. Que ele fazia pouco da mulher que ela era. Que uma mulher como ela merecia algo melhor do que um cara que ela tinha conhecido no forró. Me lembro até hoje do tapa que veio acompanhado da palavra “forró”. Eu mereci, admito. Os anos me mostraram isso. Na hora, enquanto a pele da minha bochecha ardia, lembrei da minha caixa e das minhas cartas. De uma carta em específico que dizia PARA QUANDO VOCÊ TIVER A PIOR BRIGA DO MUNDO COM A SUA MÃE.

Corri para o quarto e revirei minhas coisas o suficiente para levar outro tapa na cara da minha mãe. Encontrei a caixa dentro de uma mala de viagem na parte de cima do armário. O limbo. Procurei entre os envelopes. Passei por PARA QUANDO VOCÊ DER O PRIMEIRO BEIJO e percebi que havia pulado essa, me odiei um pouco e decidi que a leria logo depois, e por PARA QUANDO VOCÊ PERDER A VIRGINDADE, uma que eu esperava abrir logo, logo. Achei o que procurava e abri.

Pede desculpa.

Eu não sei o motivo da briga e nem quem tem razão. Mas eu conheço a sua mãe. Então a melhor maneira de resolver isso é com um humilde pedido de desculpas. Do tipo rabinho entre as pernas. Ela é sua mãe, cara. Te ama mais do que tudo nessa vida. Sabe, ela escolheu parto normal porque alguém disse que era melhor pra você. Você já viu um parto normal? Pois é, quer demonstração de amor maior que essa? Pede desculpa. Ela vai te perdoar. Eu não seria tão bonzinho.

Beijo, pai.

Meu pai passava longe de um escritor, era bancário, mas as palavras dele mexeram comigo. Havia mais maturidade nelas do que nos meus quinze anos de vida. O que não era muito difícil por sinal. Corri para o quarto da minha mãe e abri a porta. Já estava chorando quando ela, chorando também, virou a cabeça pra me olhar nos olhos. Não lembro o que ela gritou pra mim, algo como “O que você quer?”, mas lembro que andei até ela e a abracei, ainda segurando a carta do meu pai. Amassando o papel já velho entre os meus dedos. Ela me abraçou de volta e ficamos em silêncio por não sei quantos minutos. A carta do meu pai fez ela rir alguns momentos depois. Fizemos as pazes e conversamos um pouco sobre ele. Ela me contou umas manias estranhas que ele tinha, como comer salame com geleia de morango. De algum modo, senti que ele estava ali. Eu, minha mãe e um pedaço do meu pai, um pedacinho que ele deixou naquele papel. Que bom.

Não demorou muito e li PARA QUANDO VOCÊ PERDER A VIRGINDADE.

Parabéns, filho.

Não se preocupa, com o tempo a coisa fica melhor. Toda primeira vez é um lixo. A minha foi com a puta mais feia do mundo, por exemplo. Meu maior medo é você ler o envelope e perguntar da sua mãe antes da hora o que é virgindade. Ou pior, ler o que eu acabei de escrever sem nem saber o que é punheta (você sabe, não sabe?). Mas isso também não será problema meu, não é mesmo?

Beijo, pai.

Meu pai acompanhou minha vida toda. De longe, sim, mas acompanhou. Em incontáveis momentos suas palavras me deram aquela força que ninguém mais conseguia dar. Ele sempre dava um jeito de me arrancar um sorriso em um momento de tristeza ou de clarear meus pensamentos num momento de raiva.

PARA QUANDO VOCÊ CASAR me emocionou, mas não tanto quanto PARA QUANDO EU FOR AVÔ.

Filho, agora você vai descobrir o que é amor de verdade. Vai descobrir que você gosta bastante da sua mulher, mas que amor mesmo é o que você vai sentir por essa coisinha aí que eu não sei se é ele ou ela. Sou um cadáver, não um vidente. Aproveita. É a melhor coisa do mundo. O tempo vai passar rápido, então esteja presente todos os dias. Não perca nenhum momento, eles não voltam mais. Troque as fraldas, dê banho, sirva de exemplo. Acho que você tem condições de ser um pai tão incrível quanto eu.

A carta mais dolorida da minha vida foi também a mais curta do meu pai. Acredito que ele sofreu para escrever aquelas quatro palavras o mesmo que eu sofri por ter vivido aquele momento. Demorou, mas um dia eu tive que ler PARA QUANDO SUA MÃE SE FOR.

Ela é minha agora.

Uma piada. Um palhaço triste que esconde o choro por trás do sorriso de maquiagem. Foi a única carta que não me arrancou um sorriso, mas entendi a razão. Eu sempre respeitei o combinado com meu pai. Nunca li nenhuma carta antes do momento certo. Tirando PARA QUANDO VOCÊ SE DESCOBRIR GAY, claro. Nunca acreditei que o momento de ler essa carta chegaria, então abri muitos anos atrás. Ela foi uma das mais engraçadas, por sinal.

O que eu posso dizer? Ainda bem que morri.

Deixando as brincadeiras de lado e falando sério (é raro, aproveita). Agora semimorto eu vejo que a gente se importa muito com coisas que não importam tanto. Você acha que isso muda alguma coisa, filho?

Não seja bobo, seja feliz.

Sempre esperei muito pelo próximo momento. Pela próxima carta. Pela próxima lição que meu pai tinha pra me dar. Incrível como um homem que viveu 27 anos teve tanto pra ensinar pra um senhor de 85 como eu. Agora, deitado na cama do hospital, com tubos no nariz e na traqueia (maldito câncer), eu passo os dedos por cima do papel desbotado da última carta. PARA QUANDO SUA HORA CHEGAR o garrancho quase invisível diz. Não quero abrir. Tenho medo. Não quero acreditar que a minha hora chegou. Esperança, lembra? Ninguém acredita que vai morrer hoje. Respiro fundo e abro.

Oi, filho, espero que você seja um velho agora.

Sabe, essa foi a carta mais fácil de escrever. A primeira que eu escrevi. A carta que me livrou da dor de te perder. Acho que estar perto do fim clareia a cabeça pra falar sobre o assunto. Nos meus últimos dias eu pensei na vida que eu levei. Na minha curta vida, sim, mas que me fez muito feliz. Eu fui seu pai e marido da sua mãe. O que mais eu poderia querer? Isso me deu paz. Faça o mesmo.
Um conselho: não precisa ter medo.

PS: Tô com saudade.

6 de junho de 2016

CRÍTICA A UM DETERMINADO FEMINISMO

O feminismo cometeu o erro de acreditar que esse é o futuro, que é isso que buscamos, que buscamos uma redução da masculinidade, para que as mulheres façam essa transição do ambiente de trabalho para casa de forma mais tranquila, mas não estou certa se o total de felicidade humana cresceu devido a essas mudanças. O que estou dizendo é que por milhares de anos existiram o mundo das mulheres e o mundo dos homens, e as mulheres controlavam tudo o que tinha relação com o nascimento, gravidez, elas eram encarregadas da criação dos filhos, de cuidar dos idosos, da cozinha, da casa. Essa divisão natural de trabalho vinha acontecendo desde o período de caça, os homens saíam e faziam as coisas perigosas, caçavam. E as mulheres tinham uma felicidade e uma solidariedade que foi perdida, certo? Isso é o que estou tentando chamar a atenção das mulheres profissionais, o fato de que a sensação de infelicidade neste novo mecanismo do ambiente de trabalho burguês não se deve inteiramente ao sexismo masculino, é devido ao caráter desumanizador do sistema de carreira moderno, que também vitimiza os homens.

[Acho que existe muita base biológica para o comportamento dos sexos que o feminismo atual não reconhece]. Existem certos fatos fundamentais que a atual teoria de gêneros se recusa a reconhecer, que a maioria dos homens tem de 8 a 10 vezes mais o nível de testosterona, o hormônio masculino, que qualquer mulher. Existem diferenças profundas no cérebro que surgem de banhar os tecidos nesse hormônio masculino. Não vejo a testosterona como o inimigo da humanidade como tantas feministas veem. Acho que essa energia ativa e agressiva dos homens criou civilizações. A mulher moderna se beneficiou tremendamente desses grande sistemas que o homem criou. E nesses sistemas protetores nós tomamos o poder, temos uma voz, temos proeminência etc. O homem segue fazendo no mundo todo o trabalho sujo e sem glamour com as mãos. Algo que vi há duas semanas, uma grande rede de esgoto se rompeu numa cidade vizinha e as pessoas que estavam lá fazendo o trabalho sujo eram todos homens.

O feminismo, num período dos anos 1990, era dominado pelo feminismo antipornografia. O argumento delas era que a representação de mulheres nuas causa estupros. Vejo essas mulheres como puritanas fanáticas. Para mim, a pornografia é uma forma de arte, é um artifício, é algo criado, é um mundo de fantasia, de imaginação. E há espaço para dizermos: "Isso é pornografia de boa qualidade e essa é de má qualidade". Mas acredito que a pornografia seja necessária nesta era moderna. Esse mundo higienizado de escritórios onde nada é permitido, quase nenhuma individualidade é permitida. A imaginação sexual é freada, negada, aprisionada e o que a pessoa busca e acha na pornografia. Então, o que ofende tantas mulheres burguesas quando veem pornografia? Elas dizem: "Isso é tão degradante, isso é degradante para as mulheres". Talvez você veja como degradante, mas não pode ver que o código da respeitabilidade burguesa, de sutileza, de limpeza, de propriedade, todas as regras são questionadas e quebradas pela pornografia. Quando vemos essa regra vandalizada, profanada... Qualquer coisa sagrada eventualmente será profanada. No momento em que estabelece algo puro, então, há a necessidade de ter a resposta dinâmica do impuro. Isso é o que acontece na pornografia.

Me rebelei contra a vigilância da administração da faculdade sobre as vidas das alunas. Foi o período do chamado "in loco parentis", ou seja, no lugar dos pais. As administrações das faculdades achavam que tinham a obrigação de supervisionar, de monitorar, proteger as alunas, como não faziam com os alunos, então, tínhamos dormitórios femininos e masculinos. Os homens podiam entrar e sair a qualquer hora da noite, as mulheres tinham de se retirar às 23 horas. Pedimos um fim desta prática. E eles disseram: "O mundo é perigoso, temos a obrigação de protegê-las de estupros". E o que dissemos foi: "Nos deem a liberdade de arriscar", isso é a verdadeira liberdade. Isso foi o que a revolução sexual deu às mulheres: liberdade. Agora o que as mulheres fariam com a liberdade? O feminismo deveria ter escolhido minha visão e dizer: "Agora, você é igual ao homem e deve se proteger como um homem faria. Você deve ver o mundo como perigoso, como um homem faria. Você deve ficar na defensiva e ser ultraconsciente do que está ao seu redor, como um homem faria", pois os homens também são atacados por inúmeras coisas. Homens também são vítimas de crimes. Ao invés disso, temos um processo de mulheres pedindo proteção, um novo paternalismo do governo e, agora, das administrações das faculdades. Querem trazer de volta as figuras paternas em suas vidas sexuais. Isso, para mim, é uma grande falha do feminismo atual. Existem muitas responsabilidades quem vêm com a liberdade e uma delas é você se responsabilizar por sua defesa.

A comunicação e a comunicação sexual, é muito mais que palavras. A comunicação sexual é feita pelo corpo, há uma série de modos não verbais nos quais comunicamos nosso interesse em sexo ou nossa aptidão para o sexo. E um deles é a vestimenta. Me parece que a mulher contemporânea não pensou totalmente na natureza de seu modo de vestir. Digo para as mulheres: "Exponham seus corpos, faça o que quiser, mas estejam preparadas para se proteger, tenham cuidado com os perigos do mundo". Não só o homem de sua própria classe social mas também o mundo das feras primitivas que ainda estão circulando. A natureza humana tem todo tipo de energia primitiva que é suprimida e treinada por meio da força civilizadora, mas muita gente é psicótica, existem muitos psicóticos... Você pode ter 999 homens racionais e haverá um psicótico. Uma mulher deve estar preparada para se proteger do psicótico, porque esse um psicótico pode matá-la, não só estuprá-la, mas matá-la. São monstros que estão soltos, são manifestações vivas de energia diabólicas e primitivas ainda latentes nos seres humanos. É o que o cinema nos mostra. O que argumento é que o feminismo, me parece, tornou-se quase estúpido ao negar que a vestimenta sexual passa uma mensagem sexual.

O que não gosto do feminismo atual é que toda a sua energia é direcionada para proteger a garota burguesa, a garota branca de alta classe que quer que o mundo seja como sua sala de estar. Ela é protegida por seus pais, protegida pela faculdade e quer partir para o mundo vestida exatamente como quer, ela nem se quer imagina os perigos do mundo, não ensinaram a ela os perigos do mundo e ela espera que o mundo seja reduzido a essas proteções burguesas. Ela não percebe o seu privilégio, ela é arrogante e passou sua arrogância para o feminismo.

Antes de tudo, o problema da violência doméstica, a síndrome da mulher agredida, acho que devemos fazer uma distinção. Existem casos na classe operária, em todo mundo, em que a mulher não tem recursos financeiros para partir, então, ela está presa a uma situação em que é explorada e abusada. Mas temos de criar uma categoria separada de mulheres de classe média que têm a capacidade de partir e que, na verdade, é atraída ao homem que abusa dela. Acredito que os sinais do abuso e do controle desse homem já estavam presentes quando eles namoravam e a mulher ignorou os sinais. Mais do que isso, há uma simbiose nesses relacionamentos em que o homem é infantil. Bater na mulher é uma tentativa patética de controlar um ser que é mais forte do que ele. Acho que é um eco da mãe. Tais homens provavelmente sentiram-se sufocados pela mãe. O que vi em minhas observações pessoais de tais relações é que a mulher quase se automartiriza, sentem que apenas elas podem curá-los. Ele precisa de ajuda, ele é outra criança, e você vê cenas de ira e de destruição. Então, ele chora e implora por perdão e diz que é a última vez. Há algo muito estranho e, na verdade, mutuamente sadomasoquista nesses relacionamentos de classe média. Novamente, a análise feminista tem de permitir os paradoxos e ambiguidades da psique humana. A síndrome da esposa agredida pode ser mais complexa do que parece na superfície.

Acho que o feminismo tornou-se muito isolado, ele conversa só com ele mesmo. Não houve uma busca pelas mulheres convencionais. O feminismo prejudicou sua própria reputação por seu clubismo e provincianismo. Para mim o feminismo é inútil se as feministas conversam com elas mesmas e se recusam a aceitar críticas, mesmo de dentro do feminismo. A recusa das feministas em ler o trabalho de opositores de sua visão, a confiança passiva e preguiçosa em boatos e fofocas. Elas se comportam como se fossem pensadoras religiosas ao invés de ativistas sociais. Gostaria que o feminismo agora se concentrasse nas atrocidades reais do mundo, onde quer que existam. A terrível vulnerabilidade das mulheres rurais na Índia me parece muito mais carente de atenção do que os problemas das mulheres profissionais de classe média que devem ser retiradas dessa centralização obsessiva que ela conta atualmente. E há muita confiança em, para mim sempre fracas, teorias de feministas acadêmicas. Estudos sobre mulheres e estudos sobre gênero foram criados sem nenhuma referência ao estudo da biologia, ou história em geral. Deveria haver cursos obrigatórios de biologia, antropologia e história mundial. E essa repetição interminável de teorias, teorias que não fazem o menor sentido sobre como pessoas de verdade levam suas vidas reais no mundo real. Isso tem de parar.

Camille Paglia (Roda Vida)