30 de novembro de 2020

O NEGÓCIO É O SEGUINTE

 
A execução tinha de ser "pública". Isto é, o corpo deveria ser encontrado. (...) Tinha de ser público para que os traidores em potencial ficassem apavorados e o inimigo avisado de que a Família Corleone não tinha absolutamente se tornado idiota ou fraca.

Mario Puzo (O Poderoso Chefão; pág: 105)
 
 
O negócio é o seguinte. Nós acabamos com você, que deve uma ninharia. A notícia corre a cidade. E realmente mete medo nos caras que nos devem grandes empréstimos. Porque eles imaginam que, se fazemos isso a você por quase nada, então vão saber o inferno que vai acontecer com eles. Sacou?

Charles Bukowski (Pulp; págs: 171 e 172)

A BÍBLIA NÃO CHEGOU POR FAX DO CÉU

A bíblia não chegou por fax do céu. (...) A Bíblia é um produto do homem. (...) Não de Deus. A Bíblia não caiu magicamente das nuvens. O homem a criou como relato histórico de uma época conturbada, e ela se desenvolveu através de incontáveis traduções, acréscimos e revisões. A história jamais teve uma versão definitiva do livro. (...) Jesus Cristo foi uma figura histórica de uma influência incrível, talvez o mais enigmático e inspirador líder que o mundo jamais teve. Como o Messias profetizado, Jesus derrubou reis, inspirou multidões e fundou novas filosofias. (...) Mais de 80 evangelhos foram estudados para compor o Novo Testamento, e no entanto apenas alguns foram escolhidos – Mateus, Marcos, Lucas e João. (...) Foi uma colagem composta pelo imperador romano Constantino, o Grande. (...) Na época de Constantino, a religião oficial de Roma era o culto de adoração ao Sol – o culto do Sol Invictus, ou do Sol Invencível -, e Constantino era o sumo sacerdote! Infelizmente para ele, Roma estava passando por uma revolução religiosa cada vez mais intensa. Três séculos depois da crucificação de Jesus, seus seguidores haviam se multiplicado exponencialmente. Os cristãos e pagãos começaram a lutar entre si, e o conflito chegou a proporções tais que ameaçou dividir Roma ao meio. Constantino viu que precisava tomar uma atitude. Em 325 d.C., ele resolveu unificar Roma sob uma única religião: o cristianismo. (...).

Constantino era um bom negociador. Enxergou a ascensão do cristianismo e simplesmente apostou no cavalo que estava vencendo. Os historiadores ainda se maravilham ante a eficiência demonstrada por Constantino ao converter os pagãos adoradores do Sol em cristãos. Fundindo símbolos, datas, rituais pagãos com a tradição cristã em ascensão, ele gerou uma espécie de religião híbrida aceitável para ambas as partes. (...) Os vestígios da religião pagã na simbologia são inegáveis. Os discos solares egípcios tornaram-se as auréolas dos santos católicos. Os pictogramas de Ísis dando o seio a seu filho Hórus milagrosamente concebido tornaram-se a base para nossas modernas imagens da Virgem Maria com o Menino Jesus no colo. E praticamente todos os elementos do ritual católico – a mitra, o altar, a doxologia e a comunhão, o ato de “comer Deus”, por assim dizer – foram diretamente copiados de religiões pagãs místicas mais antigas. (...) Nada é original no cristianismo. (...) O deus pré-cristão Mitra – chamado o filho de Deus e a Luz do Mundo – nasceu no dia 25 de dezembro, morreu, foi enterrado em um sepulcro de pedra e depois ressuscitou em três dias. Aliás, o dia 25 de dezembro é também o dia de celebrar o nascimento de Osíris, Adônis e Dioniso. O recém-nascido Krishna recebeu ouro, incenso e mirra. Até mesmo o dia santo semanal dos cristãos foi roubado dos pagãos. (...) Originalmente (...) a cristandade celebrava o sabá judeu no sábado, mas Constantino mudou isso de modo que a celebração coincidisse com o dia em que os pagãos veneram o Sol. (...) Até hoje, a maioria dos fiéis vai à Igreja na manhã de domingo, sem fazer a menor ideia de que estão ali para pagar tributo semanal ao deus-sol, e por isso em inglês o domingo é chamado de sun-day, ou “dia do Sol”. (...).

Durante essa fusão de religiões, Constantino precisou reforçar a nova tradição cristã, e para isso promoveu uma famosa reunião ecumênica conhecida como Concílio de Nicéia. (...) Nesse concílio (...) muitos aspectos do cristianismo foram debatidos e receberam votação – a data da Páscoa, o papel dos bispos e a administração dos sacramentos, além, naturalmente, da divindade de Jesus. (...) Até aquele momento da história, Jesus era visto pelos seus discípulos como um mero profeta mortal... um grande e poderoso homem, mas que não passava de um homem. Um mortal. (...) Jesus só passou a ser visto como “Filho de Deus” no Concílio de Nicéia, depois que esse título foi proposto e aprovado por votação. (...) Declarar que Jesus tinha origem divina era fundamental para a posterior unificação do Império Romano e para lançar as bases do novo poderio do Vaticano. Confirmando oficialmente Jesus como o Filho de Deus, Constantino transformou Jesus em uma divindade que existia além do alcance do mundo humano, uma entidade cujo poder era incontestável. Isso não só evitava mais contestações pagãs à cristandade, como os seguidores de Cristo só poderiam se redimir através do canal sagrado estabelecido – a Igreja Católica Romana. (...) Tudo não passou de uma disputa de poder (...) Cristo, como o Messias, era fundamental para o funcionamento da Igreja e do Estado. Muitos estudiosos alegam que a Igreja Católica Romana literalmente roubou Jesus de seus seguidores originais, sufocando sua mensagem humana ao envolvê-la em um manto impenetrável de divindade e usando-a para expandir seu próprio poder. (...) Como Constantino promoveu Jesus a divindade quase quatro séculos depois da sua morte, existem milhares de documentos contendo crônicas da vida Dele como homem mortal. Para reescrever os livros de história, Constantino sabia que ia precisar tomar uma iniciativa ousada. Surgia naquele momento o fato crucial para a história cristã. (...) Constantino mandou fazer uma Bíblia novinha em folha, que omitia os evangelhos que falavam do aspecto humano de Cristo e enfatizada aqueles que o tratavam como divino. Os evangelhos anteriores foram considerados heréticos, reunidos e queimados. (...) Qualquer pessoa que escolhesse os evangelhos proibidos em vez da versão de Constantino era considerado herege. A palavra herege vem desse momento histórico. A palavra latina hereticus significa “escolha”. Aqueles que “escolheram” a história original de Cristo foram os primeiros hereges do mundo.

Dan Brown (O Código Da Vinci; págs: 189, 190, 191 e 192)

26 de novembro de 2020

MONA LISA

 

O status da Mona Lisa como a mais famosa obra de arte do mundo (...) nada tinha a ver com seu sorriso enigmático. (...) Simplesmente, a Mona Lisa era famosa porque Leonardo da Vinci considerava-a sua mais perfeita obra. Levava consigo a pintura sempre que viajasse, e, se alguém lhe perguntasse o motivo, respondia que achava difícil separar-se de sua mais sublime expressão da beleza feminina. (...) A veneração de Da Vinci por essa obra, segundo muitos afirmavam, devia-se a algo bem mais profundo: uma mensagem oculta nas camadas de pintura. A Mona Lisa era, de fato, uma das mais bem estudadas piadas secretas do mundo. A colagem bastante divulgada de trocadilhos e alusões brincalhonas existentes no quadro havia sido revelada na maioria dos livros de história da arte, e mesmo assim, incrivelmente, o público em geral ainda considerava seu sorriso um grande mistério. (...) Vocês podem notar (...) que o fundo atrás do rosto dela é desigual. (...) A linha do horizonte que Da Vinci pintou à esquerda se encontra num nível visivelmente mais baixo que a da direita. (...) Pintando o fundo mais baixo à esquerda, Da Vinci fez Mona Lisa parecer muito maior vista da esquerda que da direita. Uma piadinha secreta de Da Vinci. Historicamente, os conceitos de masculino e feminino estão ligados aos lados – o esquerdo é feminino, o direito é masculino. Como Da Vinci era um grande fã dos princípios femininos, fez a Mona Lisa parecer maior quando vista da esquerda que da direita. (...) Da Vinci buscava muito o equilíbrio entre o masculino e o feminino. Achava que a alma humana não podia ser iluminada a menos que os elementos masculinos e femininos estivessem presentes nela. (...) Da Vinci era brincalhão, e a análise da Mona Lisa e dos seus auto-retratos por computador confirmou alguns pontos de congruência surpreendentes entre os rostos dele e dela. Seja lá qual fosse a intenção de Da Vinci (...) sua Mona Lisa não é homem, nem mulher. Traz uma mensagem sutil de androginia. É uma fusão de ambos. (...) Da Vinci deixou uma tremenda pista de que a pintura devia ser interpretada como andrógina. Será que alguém já ouviu falar de um deus chamado Amon? (...) Amon é (...) representado como um homem com cabeça de carneiro, e sua promiscuidade e chifres curvos (horns) estão ligados à gíria americana “horny”, que significa excitado. (...) E sabe qual era a companheira de Amon? (...) Era Ísis (...) Então temos o deus Amon (...) e a deusa Ísis, cujo pictograma antigo era L’ISA.

AMON L’ISA

Sacaram? (...) Não só o rosto da Mona Lisa parece andrógino como o nome dela é um anagrama da união divina do masculino com o feminino. E esse, meus amigos, é o segredinho de Da Vinci, o motivo do sorriso zombeteiro da Mona Lisa. 

Dan Brown (O Código da Vinci; págs: 98, 99 e 100)

23 de novembro de 2020

DUAS FRENTES

 

Política, afinal, não se limitava a ganhar uma eleição. Era preciso vencer de forma esmagadora a fim de ter poder suficiente para levar adiante a sua visão. Historicamente, qualquer presidente que chegava ao cargo com uma margem apertada de votos não conseguia realizar grandes projetos, pois já começava o mandato enfraquecido, e isso era algo que o Congresso parecia não perdoar. Idealmente, a destruição da campanha do senador Sexton deveria ser abrangente: um ataque por duas vertentes que o destruísse política e eticamente ao mesmo tempo. Uma estratégia clássica da arte da guerra. Force o inimigo a lutar em duas frentes simultâneas. Quando um candidato conhecia algum detalhe negativo a respeito do seu oponente, muitas vezes esperava até que tivesse um segundo fato para ir a público apresentar os dois. Investir em duas frentes era sempre mais eficaz do que mirar em um único ponto, particularmente se o ataque duplo incorporasse aspectos diversos da campanha: um primeiro contra a atuação política, um segundo contra o caráter do candidato. Negar um ataque político requer lógica, ao passo que negar um ataque ao caráter requer uma reação emocional. Contrapor-se simultaneamente aos dois era um ato de equilíbrio quase impossível. (...) Presidentes não ganham nada em popularidade se interromperem a programação normal para reclamar e resmungar a respeito de sexo ou de supostas infrações das obscuras regras de financiamento de campanha. (...) É impossível que Zach Herney tenha convocado a imprensa do mundo inteiro para dizer que ele suspeita que o senador Sexton esteja aceitando financiamentos questionáveis para sua campanha ou transando com você. Isso é o tipo de informação que se deixa vazar.

Dan Brown (Ponto de Impacto; págs: 185 e 219)

22 de novembro de 2020

COLISEU

 

Ele sempre considerara o Coliseu uma das maiores ironias da História. Hoje um símbolo consagrado do desenvolvimento da cultura e da civilização humana, o estádio fora construído para exibir séculos de eventos bárbaros – leões famintos despedaçando prisioneiros, exércitos de escravos combatendo-se até a morte, estupros coletivos de mulheres exóticas capturas em terras remotas, assim como decapitações e castrações públicas. Era também irônico, na opinião dele, ou talvez apropriado, que a estrutura arquitetônica do Coliseu tivesse servido de modelo para o Soldier Field de Harvard, o estádio de futebol onde as antigas tradições de selvageria eram reencenadas todos os outonos, com fãs enlouquecidos clamando por sangue quando Harvard enfrentava Yale.

Dan Brown (Anjos e Demônios; págs: 106 e 107)

20 de novembro de 2020

Ter fé requer entrega, aceitação cerebral de milagres, como a imaculada conceição e a intervenção divina. E existem ainda os códigos de conduta. A Bíblia, o Corão, as escrituras budistas, em todos há exigências semelhantes e penalidades semelhantes. Determinam que se eu não viver de acordo com certo código, irei para o inferno. Não consigo imaginar um Deus que governe desta maneira. (...) A fé é universal. Nossos métodos específicos para compreendê-la são arbitrários. Algumas pessoas rezam para Jesus, outras vão a Meca, outras estudam partículas subatômicas. No final, estamos todos apenas buscando a verdade, aquela que é maior do que nós mesmos.

Dan Brown (Anjos e Demônios; págs: 98, 99 e 100)


Toda fé do mundo se baseia em invencionices. É essa a definição de fé - aceitação daquilo que imaginamos ser verdade, que não podemos provar. Todas as religiões descrevem Deus através de metáforas, alegorias e hipérboles, desde os primeiros egípcios até o catecismo moderno. As metáforas são uma forma de ajudar nossa mente a processar o improcessável. Os problemas surgem quando começamos a levar nossas metáforas ao pé da letra.

Dan Brown (O Código Da Vinci; pág: 278)

18 de novembro de 2020

O INVESTIGADOR CRIMINAL

O ofício de investigador criminal talvez seja o mais solitário do mundo. Os amigos da vítima ficam revoltados e desesperados, mas cedo ou tarde, ao cabo de algumas semanas ou meses, a vida volta ao normal. Para os familiares próximos, leva mais tempo, porém eles também acabam superando o desgosto e o desespero. A vida continua. Mas os crimes não resolvidos permanecem nos corroendo por dentro. No final das contas, uma única pessoa permanece pensando na vítima e tentando lhe fazer justiça: o tira encarregado do inquérito.

Stieg Larsson (Os Homens Que Não Amavam as Mulheres [Vol. 01]; pág: 183)

16 de novembro de 2020

A NARRATIVA LIBERAL

A narrativa liberal preza a liberdade humana como seu valor número um. Alega que toda autoridade, em última análise, tem origem no livre-arbítrio de indivíduos humanos, conforme expresso em seus sentimentos, desejos e escolhas. Na política, o liberalismo acredita que o eleitor sabe o que é melhor. Por isso apoia eleições democráticas. Na economia, o liberalismo afirma que o cliente sempre tem razão. Por isso aclama os princípios do livre mercado. No aspecto pessoal, o liberalismo incentiva as pessoas a ouvirem a si mesmas, serem verdadeiras consigo mesmas e seguirem o coração - desde que não infrinjam as liberdades dos outros. Essa liberdade pessoal está consagrada nos direitos humanos. (...) No discurso político ocidental hoje, o termo “liberal” é às vezes empregado num sentido muito mais estreito e partidário para denotar aqueles que apoiam causas específicas, como o casamento gay, o controle de armas e o aborto. Porém a maioria dos assim chamados conservadores também abraçam a ampla visão do mundo liberal.

Yuval Noah Harari (21 Lições Para o Século 21; pág: 69)

12 de novembro de 2020

MOMENTO "AHA"

 

O Twitter, por exemplo, penou para manter o crescimento no início. Isso até descobrir (depois de uma extensa análise dos dados de usuários) que as pessoas que logo de cara começavam a seguir pelo menos outros 30 usuários eram muito mais engajados e inclinadas a continuar usando o serviço. Ao procurar saber por que seguir 30 pessoas parecia ser o ponto de virada, o time de crescimento constatou que receber um fluxo contínuo de notícias e posts de pessoas nas quais o usuário tinha interesse (...) como celebridades e políticos (...) era o momento aha. Seguir 30 pessoas criava um fluxo de updates que tornava o serviço must-have. (...) Josh Elman e sua equipe reformularam a experiência do usuário para que as pessoas seguisse outras 30 o mais depressa possível. No processo de sign-up, um recurso que sugeria pessoas a seguir com base nos interesses declarados pelo usuário virou uma parte crucial do processo. (...) Na Qualaroo, empresa de pesquisas para sites na qual nós, os autores, trabalhamos juntos, descobrimos que, se durante um teste um cliente recebesse 50 ou mais respostas em uma única pesquisa, a probabilidade de que pagasse para assinar o serviço ao final era três vezes maior que a de clientes que não recebiam 50 respostas no mesmo período, ou seja, 50 respostas era o que produzia o momento aha de ver como o produto trazia informações novas e valiosas. (...) Começamos a sugerir pesquisas e placements com maior probabilidade de atingir esse patamar de 50 respostas. (...).

No Slack, serviço de chat e mensagem para equipes que se propõem a dar fim às longas trocas de e-mail, (...) os dados mostraram que, uma vez que os integrantes de uma equipe tivessem enviado e recebido 2 mil mensagens entre si, crescia muito a probabilidade de que a equipe integrasse o Slack ao fluxo de comunicação e migrasse para um plano pago, com mais recursos. Esse número de mensagens parecia ser o ponto no qual as vantagens do Slack para a comunicação da equipe (na comparação com o e-mail) ficavam evidentes para todos. (...) O objetivo de toda essa experimentação e análise é descobrir o momento aha que o cliente tem, ou pode ter, com seu produto ou serviço. Uma vez identificados as condições que criam essa experiência mágica, a equipe deve se concentrar em garantir que mais gente viva esse momento o mais rápido possível. Quando o time de crescimento do Facebook percebeu que o momento aha dos usuários era o prazer de adicionar mais e mais amigos a sua rede, com base na descoberta de que a probabilidade de que o usuário continuasse ativo era maior se ele adicionasse ao menos sete amigos nos dez primeiros dias, todo o seu esforço foi concentrado em ajustar o site para levar as pessoas a adicionar mais amigos. Uma das mudanças mais importantes foi (...) ajudar o usuário a encontrar amigos. (...) Focando sua atenção em recursos para ajudá-lo a ampliar rapidamente sua rede.

Sean Ellis & Morgan Brown (Hacking Growth; págs: 68, 69 e 90)

INTERNET DAS COISAS (INTERNET OF THINGS - IOT)

 

Com a rápida fusão desses dois mundos - o de bens físicos e o do software -, em breve não só será possível monitorar e atualizar continuamente um produto em tempo real, como será vital fazê-lo para permanecer competitivo. (...) A capacidade de uma empresa de permanecer conectada a seu produto após a venda “transfere o foco do relacionamento com o cliente (...) da venda - muitas vezes uma transição única - para a maximização do valor do produto ao longo do tempo”.

Sean Ellis & Morgan Brown (Hacking Growth; págs: 19 e 20)

7 de novembro de 2020

A EXPERIÊNCIA E A RELAÇÃO DE CAUSA E EFEITO

Quando se pergunta: qual é a natureza de todos os nossos raciocínios sobre os fatos? A resposta conveniente parece ser que eles se fundam na relação de causa e efeito. Quando se pergunta: qual é o fundamento de todos os nossos raciocínios e conclusões sobre essa relação? Pode-se replicar numa palavra: a experiência. (...) A espécie mais habitual de relação entre os diferentes eventos que fazem parte de uma composição narrativa é a de causa e efeito. O conhecimento de causas não é apenas o mais satisfatório, já que esta relação ou conexão é mais forte do que todas as outras, mas também mais instrutivo, pois é unicamente por este conhecimento que somos capazes de controlar eventos e governar o futuro. (...) Não é apenas numa determinada parcela da vida que as ações de um homem dependem uma das outras, mas durante toda a sua existência, ou seja, do berço ao túmulo; é impossível quebrar um único elo, embora diminuto, desta cadeia regular sem afetar toda a série de eventos.

Um homem, ao encontrar um relógio ou qualquer outra máquina numa ilha deserta, concluiria que outrora havia homens na ilha. Todos os nossos raciocínios sobre os fatos são da mesma natureza. E constantemente supõe-se que há uma conexão entre o fato presente e aquele que é inferido dele. (...) Nenhum objeto jamais revela, pelas qualidades que aparecem aos sentidos, tanto as causas que o produziram como os efeitos que surgirão dele; nem pode nossa razão, sem o auxílio da experiência, jamais tirar uma inferência acerca da existência real e de um fato. (...) É preciso que um homem seja muito sagaz para poder descobrir através do raciocínio que o cristal é o efeito do calor e o gelo o efeito do frio, sem estar previamente familiarizado com o funcionamento destes estados dos corpos. (...) A proposição que estabelece que as causas e os efeitos não são descobertos pela razão, mas pela experiência, será prontamente admitida em relação àqueles objetos de que nos recordamos e que certa vez nos foram completamente desconhecidos, porquanto devemos ter consciência de nossa absoluta incapacidade de predizer o que surgiria deles. (...) Se qualquer objeto nos fosse mostrado, e se fôssemos solicitados a pronunciar-nos sobre o efeito que resultará dele, sem consultar observações anteriores; de que maneira, eu vos indago, deve o espírito proceder nesta operação? Terá de inventar ou imaginar algum evento que considera como efeito do objeto; e é claro que esta invenção deve ser inteiramente arbitrária. O espírito nunca pode encontrar pela investigação e pelo mais minucioso exame o efeito na suposta causa. Porque o efeito é totalmente diferente da causa e, por conseguinte, jamais pode ser descoberto nela. (...) Em vão, portanto, pretenderíamos determinar qualquer evento particular ou inferir alguma causa ou efeito sem a ajuda da observação e da experiência. (...) O esforço máximo da razão humana consiste em reduzir à sua maior simplicidade os princípios que produzem os fenômenos naturais; e restringir os múltiplos efeitos particulares a um pequeno número de causas gerais, mediante raciocínios baseados na analogia, na experiência e na observação

Os argumentos referentes à existência se fundam na relação de causa e efeito; que nosso conhecimento daquela relação provém inteiramente da experiência; e que todas as nossas conclusões experimentais decorrem da suposição que o futuro estará em conformidade com o passado. (...) E é somente depois de uma longa série de experimentos uniformes, sobre qualquer gênero dado, que nos tornamos confiantes e seguros em relação a um evento particular. (...) Quando aparece um novo objeto dotado de qualidades sensíveis semelhantes, esperamos poderes e forças semelhantes e esperamos também um efeito análogo. De um corpo igual ao pão em cor e consistência, esperamos alimentação e subsistência análogas. (...) Todas as inferências provenientes da experiência supõem, como seu fundamento, que o futuro se assemelhará ao passado, que poderes semelhantes estarão conjugados com qualidades sensíveis semelhantes. (...) Certamente, (...) até os bebês e as bestas irracionais  - se aperfeiçoam pela experiência e adquirem conhecimento das qualidades dos objetos naturais, observando os efeitos que resultam deles. Quando uma criança sentiu a sensação da dor ao tocar a chama de uma vela, terá cuidado de não pôr mais sua mão perto de outra vela, pois ela esperará um efeito semelhante de uma causa que é semelhante em suas qualidades e aparências sensíveis.

David Hume (Investigação Acerca do Entendimento Humano; págs: 42, 43, 49, 50, 51, 52, 53, 56, 57 e 58)

6 de novembro de 2020

O ESPÍRITO DA FILOSOFIA

Embora um filósofo possa viver longe dos negócios, o espírito da filosofia, se cuidadosamente cultivado por alguns, difunde-se gradualmente através de toda a sociedade e confere a todas as artes e profissões semelhante correção. O político adquirará maior previsão e sutileza na divisão e no equilíbrio do poder, o advogado, mais método e princípios mais sutis em seus raciocínios, o general, mais regularidade em sua disciplina, mais cautela em seus planos e em suas manobras.

David Hume (Investigação Acerca do Entendimento Humano; pág: 29)