31 de maio de 2019

NÓS CONTRA ELES

Banksy

Apesar de suas diferenças, quase todas as principais religiões têm dez pilares comuns subjacentes à sua fundação: uma sensação de pertencimento, uma visão clara, poder sobre os inimigos, apelo sensorial, narração de histórias, grandiosidade, evangelismo, símbolos, mistério e ritual. (...) Esses pilares têm muito em comum com as nossas marcas e produtos mais amados. (...) Quer você goste da Nike, da Neutrogena, da Absolut ou da Harley-Davidson, é provável que tenha uma sensação de pertencimento quando está entre usuários daquela marca - é como ser membro de um clube não tão exclusivo assim. Essa sensação de pertencimento influencia profundamente nosso comportamento. (...) As religiões de sucesso também lutam para exercer poder sobre seus inimigos. Conflitos religiosos existem desde o início dos tempos e basta uma rápida olhada nas notícias para ver que a tomada de posição contra o Outro é uma poderosa força unificadora. O fato de ter um inimigo identificável nos dá não apenas a possibilidade de articular e demonstrar nossa fé, mas também de nos unirmos aos nossos irmãos de credo. Essa mentalidade do tipo “nós contra eles” também pode ser vista em todo o mundo do consumo. Coca-Cola contra Pepsi, AT&T contra Verizon, Visa contra MasterCard. (...) Essa estratégia do tipo “nós contra eles” atrai fãs, estimula controvérsia, cria lealdade e nos faz pensar e discutir - e, é claro, comprar. (...) Toda religião se baseia em uma série de histórias e contos - centenas e mais centenas deles (às vezes, horripilantes; outras vezes, milagrosos; e, muitas vezes, uma mistura das duas coisas). E os rituais que a maioria das religiões nos apresenta e dos quais pede que participemos - rezando, nos ajoelhando, meditando, jejuando, entoando hinos ou recebendo o sacramento - têm raízes nessas histórias que são a base da fé.

Martin Lindstrom (A Lógica do Consumo; págs: 100, 101, 102 e 103)


Uma das técnicas de persuasão mais comuns, conforme Brown, é que haja no discurso um inimigo a quem se combater. A criação de inimigos é um dos elementos argumentativos mais utilizados pelo discurso religioso e, igualmente, pela publicidade, o que nos mostra mais uma semelhança entre ambos. Assim, como o Diabo se opõe a Deus, há sempre um adversário explicito ou oculto que a publicidade deve atacar (a sujeira, os ácaros, a falta de tempo etc). Nos discursos analisados, temos como inimigos o azar, se bem que de forma velada, no caso da corrente, e a deselegância, a atitude fora de moda, no caso do anúncio do automóvel.

João Anzanello Carrascoza (Redação Publicitária: estudos sobre a retórica do consumo; pág: 46)

HUMOR INTELECTUAL


Thanos

O humor também costuma ser um mecanismo útil para descobrir quando você está preso demais a uma informação. Se não puder rir de algo, isso provavelmente significa que você não é flexível quanto a essa informação - que você a leva tão a sério que não pode mudar de opinião. Ainda que seja bom ter essa postura quanto a alguns tópicos (digamos, o Holocausto, ou a escravidão), se você não puder rir das piadas sobre Lebron James, talvez esteja levando sua paixão pelo Miami Heat um pouco a sério demais.

Clay A. Johnson (A Dieta Da Informação; pág: 130)

30 de maio de 2019

COLECIONÁVEIS


Por sermos uma sociedade criada por caçadores e coletores, todos nós somos programados para acumular, embora, hoje em dia, a mania de colecionar coisas tenha atingido níveis extremos. (...) Estudos mostraram que as crianças com dificuldade para se entrosar na escola se tornam muito mais propensas a se preocupar com coleções. O ato de colecionar algo - moedas, selos, folhas, figurinhas do Pokémon ou Beanie Barbies - dá às crianças uma sensação de domínio, completude e controle e, ao mesmo tempo, aumenta a autoestima, elevando seu status e talvez até compensando os primeiros anos de dificuldade de entrosamento.

Martin Lindstrom (A Lógica do Consumo; pág: 95)

CUBA LIBRE


Bacardi com Coca-Cola e uma fatia de limão (também conhecido como Cuba Libre), uma combinação que surgiu em 1898 durante a Guerra Hispano-Americana, quando os soldados americanos estavam estacionados em Cuba. O país era, na época, a sede da Bacardi e, quando as forças americanas levaram a Coca-Cola para lá, criou-se a união duradoura dos dois sabores.

Martin Lindstrom (A Lógica do Consumo; pág: 93)

28 de maio de 2019

SILK CUT

Em 1997, preparando-se para a proibição da publicidade de cigarros que estava para ser adotado no Reino Unido, a Silk Cut, uma marca britânica de cigarros, começou a posicionar a logomarca sobre um fundo de seda roxa em todos os anúncios veiculados. Logo os consumidores associaram aquela faixa de seda roxa à logomarca da Silk Cut e, no final, à própria marca. Então, quando a proibição dos anúncios de cigarros entrou em vigor e a logomarca não pôde mais ser usada em anúncios ou pôsteres, a empresa simplesmente criou outdoors nas estradas que não diziam uma palavra a respeito da Silk Cut ou de cigarros; eles simplesmente exibiam faixas de seda roxa sem logomarca alguma. Sabe o que aconteceu? Logo depois, uma pesquisa revelou que assombrosos 98% dos consumidores identificavam aqueles outdoors como algo relacionado à Silk Cut, embora a maioria não soubesse dizer exatamente por quê. Muito mais poderosas do que qualquer logomarca de cigarros são as imagens associadas ao ato de fumar. (...) Associações cuidadosamente construídas que a indústria do tabaco estabeleceu ao longo das últimas décadas.

Martin Lindstrom (A Lógica do Consumo; págs: 79 e 80)

22 de maio de 2019

PESQUISA TRADICIONAL

Smith Collection/Getty Images

Em 2003, havia ficado bastante claro para mim que os métodos tradicionais de pesquisa, como pesquisas de mercado e discussões de grupo, não cumpriam mais a tarefa de descobrir o que os consumidores realmente pensam. E isso acontece porque nossa mente irracional, inundada por questões culturais arraigadas em nossa tradição, criação e muitos outros fatores subconscientes, exerce uma influência poderosa, mas oculta, sobre as escolhas que fazemos. (...) Nem preciso dizer que isso é um desastre no campo das pesquisas de mercado, o qual depende da precisão e honestidade dos consumidores. Mas, em 85% das vezes, nosso cérebro está ligado no piloto automático. Na verdade, não temos a intenção de mentir - mas o fato é que a mente inconsciente interpreta o nosso comportamento muito melhor do que a mente consciente. (...) Aquilo que as pessoas dizem nas pesquisas e nas discussões de grupos não afeta realmente o comportamento delas.

Fatores ínfimos, que mal podem ser percebidos, podem causar um deslocamento nas respostas de uma discussão em grupo. Talvez uma mulher achasse que, sendo mãe de quatro filhos e dona de três cães e 17 lagartos, deveria se importar mais com germes, mas não quisesse admitir para as outras mulheres naquela sala que sua casa já é muito bagunçada. Ou talvez o chefe da equipe de pesquisa fizesse uma outra mulher se lembrar de um ex-namorado, que a trocou por sua melhor amiga, e isso denegrisse a imagem do produto (certo, é apenas uma possibilidade). Talvez todas elas simplesmente odiassem o nariz dele. A questão é: tente colocar essas micro emoções em palavras ou tente escrever a respeito delas em uma sala cheia de estranhos. É impossível. É por isso que é mais provável que as verdadeiras reações e emoções que nós, como consumidores, vivenciamos sejam encontradas no cérebro, no intervalo de um nanosegundo antes que o pensamento seja convertido em palavras. (...) As ondas cerebrais, na calibragem do aparelho de TEE, são diretas. Não titubeiam, não se contêm, não são ambíguas, não cedem à pressão dos colegas, não escondem sua vaidade nem dizem o que acham que a pessoa do outro lado da mesa quer ouvir.

Martin Lindstrom (A Lógica do Consumo; págs: 25, 26, 27, 28 e 30)

4 de maio de 2019

O ESCRIBA

Há seis mil anos, havia uma classe profissional de pessoas que tinha um relacionamento com a informação melhor do que o de todos os outros indivíduos. O escriba profissional, armado da habilidade de ler e escrever, tinha melhor capacidade de entender o mundo do que qualquer outra pessoa. Escribas se tornaram mais que meros estenógrafos para as cortes do poder; eles exploraram as ciências e tornaram-se matemáticos, cientistas, arquitetos e físicos. Por milênios, o escriba não representava apenas uma classe profissional, mas também a espinha dorsal da civilização. (...) Hoje, programadores são os novos escribas. Sejam os desenvolvedores no Google, determinando quais resultados de busca são corretos para determinada consulta; os desenvolvedores na Microsoft, criando o navegador que a maioria de nós utiliza; os desenvolvedores na Apple, criando os mais novos telefones para que possamos ter todo o material da imprensa em nosso bolso; ou os desenvolvedores do Facebook, descobrindo quais de nossos amigos são mais relevantes para nós - essas são as pessoas que criam as lentes através das quais o restante de nós enxerga nossa informação.

Clay A. Johnson (A Dieta Da Informação; págs: 179 e 180)

ESPORTE, RELIGIÃO E POLÍTICA

Na maioria dos jantares, a regra é que há três assuntos que não podem ser discutidos: esportes, religião e política. Consigo entender os dois primeiros - nenhum evento esportivo tem utilidade sem uma intensa rivalidade, construída intencionalmente para cruzar as barreiras da lógica e do comportamento racional e se transformar em algo mais parecido com uma lealdade tribal. E a religião é uma crença profundamente pessoal, geralmente inflexível. Provavelmente será bem difícil conseguir que um muçulmano e um cristão concordem a respeito da importância de Jesus Cristo ou de Maomé. Política é diferente. As maiores ideias políticas tiveram origem na busca constante por síntese e pragmatismo, e a base da democracia é a participação pública constante. Trata-se de um assunto sobre o qual devemos conversar na mesa de jantar; é vital para nossa saúde cívica que o façamos. A democracia não pode sobreviver sem a síntese das ideias de seus cidadãos.

Clay A. Johnson (A Dieta Da Informação; pág: 175)

1 de maio de 2019

LACUNA DE PARTICIPAÇÃO

É impossível que uma única pessoa represente adequadamente 717 mil pessoas - por isso, os candidatos têm de arrecadar e gastar milhões de dólares em publicidade na televisão, em vez de se preocuparem em conhecer melhor seus constituintes. Por isso, membros do Congresso precisam confiar em lobistas para obter ideias do que deve ser feito e a mídia sensacionaliza a política. Atualmente, políticos devem ter opiniões fortes sobre questões polarizantes para chamar a atenção dos grandes mercados de mídia que eles estão representando. Assim, é mais fácil para as pessoas tratarem republicanos e democratas como se fossem o Red Sox e o Yankees.

A "esportificação" da política federal faz que tratemos eleições como rivalidades esportivas, difamando a outra equipe à custa de fazer o que é certo para o país. Se essa fosse a motivação de seus constituintes, você os ouviria? Quando o Congresso deixa de dar ouvidos à sociedade, as pessoas ficam mais furiosas e criam megafones cada vez maiores para gritar com seus representantes. O Congresso, incapaz de decifrar o que as pessoas estão dizendo pelo simples volume das opiniões, simplesmente passa a ouvir menos. É um loop destrutivo que provoca um enorme abismo entre as pessoas e as funções do governo concebidas para ouvi-las; uma lacuna de participação.

A lacuna de participação é aquela entre as pessoas e a mecânica do poder de seus orgãos governamentais. Suas causas são nosso desejo de nos concentrar em questões emocionalmente mais significativas e amplas, em detrimento de problemas práticos que podem ser resolvidos, e a desconexão entre aquilo que as pessoas desejam de seu governo e o que ele realmente pode fazer. Em razão da lacuna de participação, cidadãos acabam frustrados e descarregam esse sentimento nas cabines de votação, votando em "colocar os vagabundos para fora" e "eleger sangue novo em Washington". À medida que novos membros do Congresso são eleitos, eles devem confiar na classe profissional de Washington - seus funcionários, lobistas e consultores - para entender a mecânica de nosso governo. O ciclo então se repete, nossa satisfação com o Congresso despenca a níveis cada vez mais baixos e tomamos novamente as mesmas decisões, esperando um resultado diferente: a definição de Benjamin Franklin para insanidade.

O que nunca fazemos é tentar descobrir como diminuir essa lacuna de participação e conectar as pessoas aos agentes do poder em Washington. Em vez disso, somos distraídos por questões de momento: a raiva de não conseguirmos responsabilizar Washington pelo que realmente importa se transforma em debates acerca do teto da dívida, saúde pública, aborto, controle de armas e direitos dos homossexuais. Mas nunca chegamos a uma discussão que avalie como tornar nosso governo melhor em representar os interesses daqueles que o elegem ou como solucionar o grande problema da desconexão. Não importa de que lado do debate você esteja, dá mais audiência assistir a especialistas debatendo questões polarizadas do que tentar descobrir como melhorar o funcionamento do governo.

Como alguém que trabalhou dentro da máquina de Washington por uma década, aprendi que os profissionais dos meios de comunicação que trabalham para as redes de notícias ao redor do Governo Federal dos Estados Unidos têm pouco interesse em fornecer-lhe o serviço público da informação. Eles estão interessados em vender publicidade.

Clay A. Johnson (A Dieta Da Informação; págs: 160, 161, 162 e 175)