26 de fevereiro de 2015

INFRAESTRUTURA CAPITALISTA

Em cada instância, a inovação no nexo Estado-finanças tem sido uma condição necessária para canalizar os excedentes em urbanização e projetos de infraestruturas (barragens e rodovias, por exemplo). Mas, sucessivamente nos últimos trinta anos, o investimento excessivo em tais projetos tornou-se um gatilho catalisador comum para a formação de crises. (...) Várias das crises financeiras desde 1970 foram provocadas por excessos nos mercados imobiliários. A taxa composta de crescimento [3%] que está no cerne do modo de produção capitalista não pode ser alcançada sem antes estabelecer as condições físicas de infraestrutura necessárias. Um crescimento econômico liderado por exportações para alguns países exige transporte prévio adequado e instalações portuárias, assim como uma fábrica não pode funcionar sem o fornecimento adequado (e, às vezes, abundante) de insumos de água e energia, além de transporte e infraestrutura de comunicações, que permitem a continuidade da produção sem estrangulamentos demais no fornecimento de insumos (incluindo o trabalho) e na comercialização do produto. Os trabalhadores também têm de viver, fazer compras, educar seus filhos e satisfazer suas necessidades de lazer em algum lugar razoavelmente perto. A vasta infraestrutura que constitui o ambiente construído é um pressuposto material necessário para a produção capitalista, a circulação e a acumulação avançarem. Essa infraestrutura exige cada vez mais uma manutenção constante e adequada para mantê-la em bom funcionamento. Uma parcela crescente da produção econômica, portanto, tem de ser colocada na manutenção adequada dessas infraestruturas necessárias. Falhas de manutenção (como a ruptura de uma rede elétrica, a falta de abastecimento de água ou panes nos sistemas de transportes e comunicações) estão longe de ser incomuns. (...) A acumulação de capital adicional é, aliás, baseada na construção de novas infraestruturas. 

A sobrevivência do capitalismo, em suma, depende do investimento na organização e financiamento de infraestrutura adequadas para manter a taxa de crescimento composto. O capital tem de criar um cenário adequado para suas próprias necessidades - uma segunda natureza construída à sua própria imagem - em um dado momento, só pra revolucionar a paisagem em um momento posterior, a fim de acomodar uma maior acumulação numa taxa composta. Mas que incentivos existem para o capital investir nessas infraestruturas? Uma taxa adequada de retorno monetário é a resposta óbvia, e isso significa que o pagamento para a utilização dessas infraestruturas tem de ser extraído de alguma forma daqueles que delas se beneficiam. (...) É aqui que o Estado tem de entrar novamente em cena e desempenhar um papel central. Para isso, precisa extrair os impostos. A teoria do gasto público produtivo surgiu na Paris do Segundo Império pelos financistas saint-simonianos e, mais tarde, foi generalizada por Keynes, que sugeriu que a base de tributação deve aumentar à medida que o capital privado responde positivamente a possibilidades geradas pelas novas disposições de infraestrutura. O resultado é uma forma de circulação Estado-capital em que não só os investimentos do Estado se pagam por si mesmos, mas também geram uma receita extra para ser colocada em mais infraestruturas.

David Harvey (O Enigma do Capital; págs: 76 e 77)

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