7 de dezembro de 2021

O POTENCIAL DA VIDA

É com essa concepção - em níveis diversos de aspiração, melancolia, paixão e desorientação angustiada - que a melhor parte da juventude começa a sua vida. Não chega mesmo a ser uma perspectiva, para a maioria, mas sim uma impressão anuviada, titubeante e indefinida, feita de sofrimento bruto e de incomunicável felicidade. É uma sensação de imensa expectativa, a sensação de que a sua própria vida é importante, de que grandes realizações estão ao seu alcance, e de que grandes coisas estão por vir. Não é próprio da natureza do homem - ou de qualquer ser vivo - já começar por desistir, começar cuspindo na própria cara e amaldiçoando a existência: para isso é necessário que haja um processo de corrupção cuja rapidez difere de homem para homem. Alguns desistem já à primeira contrariedade; outros se vendem, outros decaem numa progressão imperceptível e perdem seu fogo, sem nunca saber quando ou como o perderam. Mais tarde, todos eles submergem no vasto pântano dos mais velhos, que persistem em lhes dizer que a maturidade consiste em abrir mão do próprio discernimento; que a segurança consiste no abandono dos próprios valores; a praticidade, na perda da auto-estima. Contudo, uns poucos persistem e seguem em frente, sabendo que aquele fogo não deve ser traído, aprendendo como lhe dar forma, propósito e realidade. Mas, tenham o futuro que tiverem, na aurora de suas vidas, os homens buscam uma perspectiva nobre a respeito da natureza do homem e do potencial da vida. (...) Não importa que somente uns poucos em cada geração compreendam e alcancem a realidade plena da verdadeira estatura do homem - e que o restante vá traí-la. São aqueles poucos que fazem o mundo girar e dão à vida o seu sentido - e é a esses poucos que sempre procurei me dirigir. Os outros não me dizem respeito; não trairão A nascente ou a mim: trairão suas próprias almas.

Ayn Rand

Nova York, maio de 1968.

Ayn Rand (A Nascente; págs: 13 e 14)

30 de novembro de 2021

EXPECTATIVA DE GOL


Enquanto os computadores são muito bons em acumular um grande número de medidas estatísticas, os humanos são muito bons em discernir as razões inerentes a essas medidas. Um dos meus colegas especialistas em números do futebol, Garry Gelade recentemente começou a desconstruir um modelo central de análise de futebol conhecido por "expectativa de gol". O conceito estatístico por trás da expectativa de gol é sólido. Dados são coletados em cada tentativa de gol no futebol de alto nível: a posição, dentro ou ao redor da área, em que a tentativa foi feita; se foi de cabeça ou se foi feita com o pé; se veio de um contra-ataque ou se foi uma construção mais lenta; o nível de marcação defensiva no momento em que a tentativa foi feita e assim por diante. Depois, esses dados são usados para estabelecer o valor da expectativa de gol para cada tentativa. Tentativas feitas centralmente, dentro da grande área e com o atacante na cara do gol, recebem valores de expectativa de gol mais altos. Tentativas feitas em ângulos oblíquos ou de fora da área recebem valores de expectativa de gol mais baixos. A cada tentativa que um time faz é associado um valor de 0 (nenhuma chance de marcar) a 1 (gol garantido). As expectativas de gols são úteis porque elas nos permitem avaliar como foi o desempenho de um time em jogos de poucos gols. Um jogo pode terminar 0x0, mas o time que criou muitas chances terá um total de expectativa de gols maior. Esses números têm poder preditivo: times com expectativas de gols maiores em jogos anteriores tendem a marcar mais gols reais em seus jogos subsequentes. (...) Podemos avaliar a acurácia de uma “grande oportunidade” de duas formas. Em primeiro lugar, podemos observar a proporção de tentativas que não resultaram em gol, mas que foram classificadas como "grande oportunidade" pelo operador. Este valor é a fração de falso positivo (...). Falsos positivos são a proporção de tentativas erradas que um operador classificou como "grande oportunidade". Em segundo lugar, podemos observar a proporção de gols que foram classificados como "grande oportunidade". Esta é a fração de positivos verdadeiros, quando o operador fez a predição correta. 

David Sumpter (Dominados Pelos Números; págs: 78, 79 e 80)

25 de novembro de 2021

OS MAGNATAS

A intenção dos pequenos é mais honesto que o dos grandes; enquanto estes desejam oprimir, aqueles não querem ser oprimidos. Acresce ainda que diante de um povo hostil jamais um príncipe poderá sentir-se em segurança, por serem os inimigos demasiado numerosos. O inverso acontece com os grandes, pelo motivo mesmo de serem poucos. De uma plebe desfavorável, o máximo que um príncipe pode esperar é ser por ela abandonado. Dos magnatas, porém, deve recear não só o abandono, senão também a revolta. É que eles, sendo mais inteligentes e astutos, ao pressentirem a tempestade, têm sempre tempo de se pôr a salvo, lisonjeando aquele que julgam venha a triunfar.

"Esses homens, oriundos de uma revolução, nunca se dão por satisfeitos. Fizeram-na só para enriquecer, e a cobiça cresce-lhes com o que adquirem. Se antecipadamente se põem ao lado do partido que vai triunfar e o favorecem, é apenas para obter os seus favores. Depois, destruirão aquele a quem elevaram, quando ele não tiver mais nada para dar-lhes, porque continuarão a querer receber. Haverá sempre o maior perigo em nos servirmos de tais partidários." (Napoleão)

Nicolau Maquiavel (O Príncipe; pág: 99)

24 de novembro de 2021

A FUNÇÃO SOCIAL DO PODER

O poder tem uma função social. Seu papel não é só garantir a dominação ou estabelecer uma relação de vencedores e perdedores: ele também organiza comunidades, sociedades, mercados e o mundo. Hobbes explicou isso muito bem. Pelo fato de o desejo de poder ser primal, argumenta ele, os humanos são inerentemente conflituosos e competitivos. Se fossem deixados à vontade para expressar essa natureza sem a presença do poder para inibi-los ou direcioná-los, iriam lutar até que não sobrasse mais nada para disputar. Mas quando obedecem a um "poder comum”, podem colocar seus esforços para construir uma sociedade, e não para destruí-la. "Durante o tempo em que os homens vivem sem um 'poder comum’ que os intimide e organize, eles ficam naquela condição que chamamos de guerra", escreveu Hobbes, "e trata-se de uma guerra de todos contra todos."

Moisés Naím (O Fim do Poder; pág: 43)

4 de novembro de 2021

SINGULARIDADE TÉCNICA


O Deep Learning é apenas o primeiro passo para uma máquina obter conhecimento de forma semelhante aos humanos. (...) De acordo com a lei de Moore, o número de transistores dobra a cada 18 meses, ou seja, um ano e meio (SUGOMORI, 2016). De acordo com Sugomori, se essa técnica continuar nesse ritmo, o número de transistores ultrapassará dez bilhões, número esse que corresponde à quantidade de células no cérebro humano. Considerando a lei de Moore, em 2045, ele acredita que chegaremos a um ponto crítico chamado “Singularidade Técnica” (SUGOMORI, 2016). O termo “Singularidade Técnica” foi criado pelo cientista Vernor Vinge (...), Vinge descreve quatro itens tecnológicos que podem levar à “Singularidade Técnica” e à superação dos homens pelas máquinas: 1) A velocidade com que os computadores são aperfeiçoados e a evolução da Inteligência Artificial; 2) As redes de computadores se tornarem autoconscientes; 3) As interfaces homem-máquina se tornarem tão complexas que produziriam um estágio evolutivo do homem e 4) A ampliação da inteligência humana através de melhores técnicas da ciência biológica (Ibid).

Joyce Souza, Rodolfo Avelino e Sérgio Amadeu da Silveira (org.) (A Sociedade de Controle - Manipulação e Modulação nas Redes Digitais; págs: 76 e 77)


A IA está começando agora a superar os humanos em um número cada vez maior dessas habilidades, inclusive a de compreender as emoções humanas. (...) Quanto mais compreendermos os mecanismos bioquímicos que sustentam as emoções, os desejos e as escolhas humanas, melhores podem se tornar os computadores na análise do comportamento humano, na previsão de decisões humanas, e na substituição de motoristas, profissionais de finanças e advogados humanos.

Yuval Noah Harari (21 Lições para o Século 21; pág: 41)

26 de outubro de 2021

O SER HUMANO É EXTRAORDINÁRIO


Ele [Einstein] oferece à humanidade algo semelhante a um consolo, depois das três ofensas causadas pela ciência: se Copérnico lhes tirou a coroa da Criação como centro do universo, se Darwin lhes tomou a crença numa criação divina, e se Freud, ainda por cima, declarou que seu inconsciente é o denominador do "eu", então aquele ser, levado pelo impulso, originário de uma vida inferior, vagando sozinho pelo universo em seu pequeno planeta, prova como, apesar de tudo, o ser humano é extraordinário. Só por meio do pensamento, sua arte mais nobre, ele conseguira penetrar o universo e suas profundezas.

Jürgen Neffe (Einstein - Uma Biografia; págs: 26 e 27)

22 de outubro de 2021

3 GRANDES TIPOS DE INOVAÇÃO

Em primeiro lugar, estão inovações que criam novas categorias de produtos e serviços, explorando novos mercados, com novas tecnologias [na tipologia de Christensen, EMPOWERING innovations]. Aqui estamos falando da transformação de produtos e serviços complicados e muito caros [ou inexistentes] em coisas simples e universais [pense Amazon Kindle e a série de produtos e serviços i da Apple]. Tal classe de inovação gera trabalho porque demanda novas competências e, em geral, mais pessoas para criar, fazer, vender, distribuir e cuidar da manutenção de produtos e serviços associados. Segundo, há a classe de SUBSTITUTION innovations, que entregam os produtos e serviços de próxima geração e permitem o crescimento incremental no mesmo mercado ou em mercados adjacentes. O problema econômico, neste tipo de inovação, é que pode não ser necessário mais gente [no mercado de trabalho, no total], pois os que adquirem produtos e serviços resultantes desta classe de inovação, como o próprio nome diz, deixam de adquirir outros, de classe inferior ou anterior, mas do mesmo tipo, talvez provido pelo mesmo agente. Por fim, há as EFFICIENCY innovations, aquelas que estão associadas às melhorias, extensões, variantes e reduções de custos em linhas de produtos existentes e sendo consumidas no mercado atual. Aqui, às vezes nem se percebe alguma inovação no produto e serviço que se consome, pois as mudanças se deram por trás do que você usa. EFICIÊNCIA está associada à (...) o horizonte de curto prazo (...) Tendem a ter como resultado a liberação do capital enterrado em processos ineficientes de fabricação (...); SUBSTITUIÇÃO (...), o médio prazo. (...) é um jogo de soma zero, pelo menos do ponto de vista de trabalho novo. (...) E EMPODERAMENTO (...), o horizonte de longo prazo. (...) criam novos tipos de consumo.

Silvio Meira (Novos Negócios Inovadores de Crescimento Empreendedor no Brasil; págs: 55 e 57)

20 de outubro de 2021

FALSA REPRESENTAÇÃO

Quando o rico toma do pobre um bem (por exemplo, o príncipe toma do plebeu a amada), nasce no pobre um erro; ele pensa que aquele tem de ser totalmente celerado para tomar dele o pouco que ele tem. Mas aquele não sente tão profundamente o valor de um único bem, porque está habituado a ter muitos: assim, não pode se pôr na alma do pobre e está longe de fazer tanta injustiça quanto este acredita. Ambos têm, um do outro, uma falsa representação. A injustiça do poderoso, a que mais revolta na história, está longe de ser tão grande como parece. Já o sentimento herdado de ser um ser superior com direitos superiores torna devidamente frio e deixa a consciência tranquila: nós mesmos, quando a diferença entre nós e um outro ser é muito grande, não sentimos mais nada de injustiça e matamos uma mosca, por exemplo, sem nenhum remorso na consciência. (...) Aquele que é cruel não é cruel na medida em que o acredita o maltratado; a representação da dor não é o mesmo que o padecimento dela. Assim também se passa com o juiz injusto, com o jornalista que com pequenas deslealdades induz em erro a opinião pública. (...) E no entanto se pressupõe involuntariamente que o que age e o que sofre pensam e sentem igual, e, em conformidade com esse pressuposto, se mede a culpa de um segundo a dor do outro.

Friedrich Nietzsche (Humano, Demasiado Humano - Um Livro Para Espíritos Livres [Vol. 01]; págs: 77 e 78)

19 de outubro de 2021

POLÍTICA DE MÍDIA SOCIAL

É mais importante saber as regras da comunidade ou do público com quem você pretende se envolver. Eu uso muito essa analogia: quando vou a um bar ou a um jantar, avalio o clima do ambiente e procuro me adaptar a ele. É a mesma coisa com as mídias sociais. Você precisa ter uma política de mídia social robusta e/ou um plano de crise de comunicação antes de fazer qualquer coisa na rede social. (...) As mídias sociais (...) é o compromisso de estar aberto em relação a quem você é, o que você faz, e como você faz. Somente quando uma empresa adquire consciência plena para enfrentar este ethos é que ela pode, de fato, começar a ser criativa nas mídias sociais. A criatividade dentro das redes sociais diz respeito a perceber o tom da comunicação e aí, então, agir de modo a suscitar uma resposta.

Christer Holloman (MBA das Mídias Sociais; págs: 47 e 48)

18 de outubro de 2021

PORCOS-ESPINHOS E RAPOSAS

Ainda que, tomado em seu conjunto, o desempenho dos especialistas tenha deixado a desejar, Tetlock descobriu que alguns se saíram melhor do que outros. Entre os que tinham se mostrado piores estavam aqueles cujas previsões eram citadas com maior frequência na mídia. Quanto mais entrevistas haviam concedido à imprensa, descobriu Tetlock, piores tendiam a ser suas previsões. Outro subgrupo, contudo, saiu-se relativamente bem. Com sua formação em psicologia, Tetlock se interessara pelos estilos cognitivos dos especialistas, no modo como eles pensavam o mundo, e submeteu todos, então, a algumas perguntas extraídas de testes de avaliação da personalidade. Com base nesses resultados, Tetlock conseguiu dividir seus especialistas ao longo de um espectro entre o que chamou de porcos espinhos e de raposas. A referência aos animais vem do título de um ensaio de Isaiah Berlin sobre o romancista russo Leon Tolstoi, chamado O porco-espinho e a raposa. Berlin, por sua vez, extraiu seu título de um trecho atribuído ao poeta grego Arquíloco: "A raposa conhece muitas coisas menores, mas o porco-espinho conhece uma coisa só, uma coisa grande."

A menos que você seja um fã de Tolstói - ou de um estilo floreado - não há motivo para ler o ensaio de Berlin, mas sua ideia básica é que escritores e pensadores podem, grosso modo, ser divididos em duas categorias: Porcos-espinhos são personalidades de Tipo A, que acreditam em grandes ideias - ou seja, em certos princípios que regeriam o mundo com o rigor de leis da física e que sustentam praticamente todas as interações que ocorrem na sociedade. Pense em Karl Marx e na luta de classes ou em Sigmund Freud e o inconsciente. Ou em Malcolm Gladwell e o "ponto da virada".

Raposas, por outro lado, são criaturas afeitas a fragmentos, que acreditam numa infinidade de pequenas ideias e em adotar uma série de abordagens diferentes para um problema. Tendem a ser mais tolerantes em relação às nuances, à incerteza, à complexidade e as opiniões discordantes. Se os porcos-espinhos são caçadores e estão sempre em busca de uma grande presa, as raposas são animais coletores. Raposas, descobriu Tetlock, são muito melhores em fazer previsões de que porcos-espinhos. Em relação à União Soviética, por exemplo, seus prognósticos tinham chegado mais perto do alvo. Em vez de encarar a URSS de maneira altamente ideológica - como um "império do mal" ou como um exemplo relativamente bem-sucedido (e talvez até admirável) de um sistema econômico marxista -, viram-na, ao contrário, como aquilo que era uma nação que funcionava cada vez pior e sob risco de se desintegrar. Enquanto as previsões dos porcos-espinhos eram pouco melhores do que opções escolhidas aleatoriamente, as raposas demonstraram habilidade para prever. (...) Um pouco de conhecimento pode se tornar algo perigoso nas mãos de um porco-espinho com Ph.D. Uma das descobertas mais notáveis de Tetlock é o fato de que, embora as raposas tendam a fazer prognósticos cada vez melhores, o contrário pode ser dito a respeito dos porcos-espinhos: seus desempenhos tendem a piorar à medida que acumulam credenciais.

Tetlock acredita que quanto maior a quantidade de fatos com que os porcos-espinhos lidam, mais oportunidades eles têm para permutá-los e manipulá-los de modo que confirmem suas visões preconcebidas. (...) Ainda que tenha descoberto que porcos-espinhos de direita e de esquerda fazem prognósticos igualmente ruins, Tetlock também notou que as raposas de todas as posições políticas se mostravam mais imunes a esses efeitos. Raposas podem ser enfáticas em suas convicções a respeito de como o mundo deveria ser, mas normalmente conseguem separar essas percepções da sua análise sobre o modo como o mundo é, e como será num futuro próximo. Porcos-espinhos, ao contrário, têm maior dificuldade em distinguir sua análise dos ideais arraigados. Em vez disso, segundo Tetlock, eles criam "uma fusão indistinta entre fatos e valores, embolando todos juntos", e adotam uma visão preconcebida das evidências que examinam, enxergando o que desejam ver e não o que realmente existe.

Nate Silver (O Sinal e o Ruído; págs: 61, 62 e 65)

15 de outubro de 2021

TRANSCENDENTES, AUTÔNOMOS E MULTIFUNCIONAIS

No artigo “The New Product Development Game” [O novo jogo de desenvolvimento de novos produtos], que descrevia o que mais tarde se tornou o Scrum, os professores Takeuchi e Nonaka listaram as características das equipes que encontraram nas melhores empresas do mundo: Transcendentes: Elas têm uma noção de propósito que vai além do comum. Esse objetivo autoconcebido lhes permite ultrapassar o trivial e alcançar o extraordinário. A decisão de não se contentar com a média, mas de ser grande, muda por si só a forma como a equipe se vê e o que é capaz de realizar. Autônomas: As equipes são auto-organizadas e se autogerenciam. Podem decidir como executar o trabalho e têm o poder de fazer com que suas decisões sejam cumpridas. Multifuncionais: As equipes têm todas as habilidades necessárias para completar o projeto. Planejamento, design, produção vendas, distribuição. E essas habilidades alimentam e reforçam umas às outras.

Jeff Sutherland & J.J. Sutherland (Scrum: a arte de fazer o dobro do trabalho na metade do tempo; pág: 50)

5 de outubro de 2021

ENCONTRANDO PADRÕES


Biologicamente, não somos muito diferentes dos nossos antepassados. Entretanto, alguns pontos fortes da Idade da Pedra tornaram-se pontos fracos na era da informação. Os seres humanos não dispõem de muitas defesas naturais. Não somos tão rápidos, nem tão fortes. Não temos garras ou presas, nem carapaça. Não cuspimos veneno. Não sabemos nos camuflar. E não podemos voar. Ao contrário, é nossa sagacidade o que nos permite sobreviver. Nossa mente é rápida. Fomos programados para detectar padrões e reagir a oportunidades e ameaças sem muita hesitação. (...) O problema, afirma Poggio, é que esses instintos evolutivos às vezes nos levam a detectar padrões quando, na verdade, eles não existem. "As pessoas vem fazendo isso o tempo todo", explicou Poggio. "Encontrando padrões em ruídos aleatórios". (...) Alvin Toffler, no livro Choque do futuro, de 1970, previu algumas consequências do que chamou de "sobrecarga de informação". Em sua opinião, nosso mecanismo de defesa seria simplificar o mundo de maneiras que confirmassem nossas tendenciosidades, mesmo que o mundo em si estivesse se tornando mais diverso e mais complexo.

Nate Silver (O Sinal e o Ruído; págs: 19 e 20)

1 de outubro de 2021

EXPRESSÃO ARTÍSTICA

Em seu clássico ensaio sobre a expressão artística, Tolstoi afirma que a arte é um meio de comunicação pelo qual as pessoas transmitem sentimentos umas às outras:

A ação da arte consiste em despertar um sentimento já experimentado e ao fazer isso transmitir esse sentimento através de movimentos, cores, sons, imagens, palavras, de tal forma que os outros experimentem o mesmo sentimento. A arte é a atividade humana em que uma pessoa, conscientemente, através de certos sinais exteriores, comunica aos outros sentimentos vivenciados por ela, de tal modo que este se contagiem e vivenciem os mesmos sentimentos. (TOLSTOI, 2011, p.97)

Para Tolstoi, esse "contágio" é inerente à arte e, quanto mais forte, melhor é a obra. O grau desse contágio depende, entre outros dois fatores (singularidade do sentimento e sinceridade do artista), da maior ou menor clareza da transmissão do sentimento. Tolstói (2001, p. 102) afirma que "[...] o receptor fica mais satisfeito à medida que se torna mais claramente expresso o sentimento que, conforme lhe parece, ele já experimenta e conhece há muito tempo, e para o qual só agora encontrou uma expressão".

João Anzanello Carrascoza (Estratégias Criativas da Publicidade; págs: 42 e 43)

17 de agosto de 2021

OS GRANDES E O POVO

Chaplin (Wall Street, 1918)

O principado origina-se da vontade do povo ou da dos grandes, conforme a oportunidade se apresente a uma ou a outra dessas duas categorias de indivíduos: os grandes, certos de não poderem resistir ao povo, começam a dar força a um de seus pares, fazem-no príncipe, para, à sombra dele, terem a oportunidade de dar liberdade aos seus apetites; o povo, por sua vez, vendo que não pode fazer frente aos grandes, procede pela mesma forma em relação a um deles para que esse o proteja com a sua autoridade. Quem chega à condição de príncipe com o auxílio dos magnatas conserva-a com maiores dificuldades do que quem chega com o auxílio do povo, porque no seu cargo está rodeado de muitos que se julgam ser seus iguais, e aos quais, por isso, não pode manejar a seu modo. Aquele, porém, que sobe ao poder com o favor popular não encontra em torno de si ninguém ou quase ninguém que não esteja disposto a obedecer-lhe.

Nicolau Maquiavel (O Príncipe; págs: 98 e 99)

OPORTUNIDADES

O fato de passar alguém de particular a príncipe pressupõe valor [virtù] ou fortuna, é de crer que uma ou outra dessas duas coisas atenue em partes muitas dificuldades. Apesar disso, quem menos confiou na fortuna, por mais tempo reteve a sua conquista. (...) Sem tal oportunidade o seu valor pessoal [virtù] ter-se-ia apagado, e sem ele a oportunidade teria vindo inutilmente. (...) A virtude [virtù] deles faz com que as oportunidades fossem aproveitadas.

O valor é mais necessário que a fortuna; ele é que a faz nascer.” (Napoleão general)


Nicolau Maquiavel (O Príncipe; págs: 64, 65 e 66)

30 de julho de 2021

NÃO IMPORTA QUANTO TREINAMENTO VOCÊ TEVE

Charles Lindbergh

Não importa quanto treinamento você teve”, Lindbergh diria mais tarde, “seu primeiro solo é muito diferente de todos os outros vôos. Você está completamente independente, inacessível, sem nenhuma possibilidade de ajuda, totalmente responsável por si próprio, e terrivelmente sozinho no espaço.”

A. Scott Berg (Lindbergh – Uma Biografia; pág: 95)

A DEUSA E O SANTO GRAAL

Maria Madalena (1525), Escola de Leonardo da Vinci (Bernardino Luini) - National Gallery, Washington

Chamamos esse símbolo de cálice. (...) Lembra um copo, ou receptáculo, e, o mais importante, lembra o formato de um útero feminino. Esse símbolo transmite a ideia de feminilidade, maturidade da mulher e fertilidade. (...) A lenda nos diz que o Santo Graal é um cálice - uma taça. Mas a descrição do Graal como cálice na verdade é uma alegoria para proteger a sua verdadeira natureza. Ou seja, a lenda usa o cálice como metáfora para uma coisa muito mais importante. (...) Uma mulher. (...) O Graal é literalmente o símbolo antigo da feminilidade, e o Santo Graal representa o sagrado feminino e a deusa, o que, naturalmente, se perdeu nos dias de hoje, praticamente eliminado pela igreja. O poder da mulher e sua capacidade de gerar vida já foi muito sagrado, mas ameaçava a ascensão da Igreja Católica predominantemente masculina, de forma que o sagrado feminino foi demonizado e considerado impuro. Foi o homem, não Deus, que criou o conceito de “pecado original”, mediante o qual Eva provou da maçã e causou a queda da raça humana. A mulher, que antes era considerada sagrada, porque dava a vida, agora era o inimigo. (...) Esse conceito de mulher como aquela que dá a vida foi a base da religião antiga. O nascimento de uma criança era um evento místico e poderoso. Lamentavelmente, a filosofia cristã decidiu fraudar o poder criador da mulher, ignorando a verdade biológica e tornando o homem Criador. O Gênesis nos diz que Eva nasceu da costela de Adão. A mulher se tornou uma ramificação do homem. E, ainda por cima, pecaminosa. O Gênesis foi o início do fim da deusa.

Dan Brown (O Código Da Vinci; pág: 195)

23 de julho de 2021

TUDO É DIFÍCIL NO COMEÇO


Mas lembro ao iniciante que tudo é difícil no começo: seja esticar a corda de um arco, seja brandir uma naginata. Contudo, depois de estarmos familiarizados, o arco se torna poderoso, e a própria espada longa, após o devido treinamento, se torna de fácil manejo, desde que se leve em conta a força dos mandamentos. Nos mandamentos da espada longa, o manejo rápido não é essencial. (...) A verdadeira orientação dos mandamentos da espada longa consiste em usá-la quando se dispõe de espaço amplo, deixando a espada curta para os espaços exíguos.

Musashi (O Livro dos Cinco Anéis; págs: 62 e 63)

22 de julho de 2021

COBIÇA E MEDO

Summers [Larry] concebe a economia americana como uma série de circuitos de feedbacks. Um feedback simples é aquele entre oferta e demanda. Imagine que você montou uma barraca para vender limonada. Se você abaixa o preço do produto, as vendas sobem; se aumenta, elas caem. Se está lucrando muito porque está fazendo 38 graus Celsius e você é o único a vender limonada no quarteirão, o menino mala sem alça que mora do outro lado da rua abrirá sua própria barraca para vender limonada, e você precisará diminuir seu preço. A relação entre oferta e procura é um exemplo de feedback negativo: à medida que os preços sobem, as vendas caem. Apesar do nome, essas respostas são boas para a economia de mercado. Imagine se o contrário acontecesse e as vendas subissem junto com os preços. (...) Essa situação seria um exemplo de feedback positivo. E, embora pareça uma coisa boa à primeira vista, você logo se dará conta de que todos no país terão ido à falência por causa da limonada. Não sobraria ninguém para fabricar os videogames que você pretendia comprar com seus lucros.

Normalmente, na visão de Summers, os feedbacks negativos predominam na economia americana, funcionando como uma espécie de termostato que a impede de entrar em recessão ou de superaquecer. Summers acredita que um dos mais importantes feedbacks ocorre entre o que ele chama de medo e cobiça. Alguns investidores mostram pouco apetite para risco, e outros mostram muito, mas suas preferências se compensam, criando um equilíbrio: se o preço de determinada ação cai porque a situação financeira de uma empresa se deteriorou, o investidor temeroso vende suas ações para um comprador ganancioso, que espera transformar a compra em futura vantagem. No entanto, cobiça e medo são variáveis voláteis, e o equilíbrio pode ser perdido. Quando há excesso de cobiça no sistema, ocorre uma bolha. Quando há excesso de medo, existe pânico.

Nate Silver (O Sinal e o Ruído; págs: 45 e 46)

21 de julho de 2021

ENTRE PONTAPÉS E ALGUNS TROCADOS


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Uma trilha dedicada à geração coca-cola com cachorro-quente, cannabis e skate no pé!


WINES AND BALLADS


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MOTORCYCLE ROUTE CLUB


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Nesse ponto da estrada, a trilha é sonora. Ligue sua motocicleta, beba um drink e sinta bater o ar que só existe no caminho.


RISCO E INCERTEZA

Risco, conforme explicitado pelo economista Frank H. Knight em 1921, é algo em que você pode colocar um preço. Digamos que você vá ganhar uma rodada de pôquer a menos que seu adversário tenha um inside straight: as chances são exatamente de uma em onze. Isso representa um risco. Não é agradável perdermos uma rodada no pôquer, mas pelo menos sabemos quais são as chances e podemos nos preparar para essa eventualidade. A longo prazo, ganharíamos dinheiro com o fato de nossos adversários tentarem jogadas desesperadas mesmo quando as probabilidades são insuficientes. Incerteza, por outro lado, é o risco difícil de aferir. Podemos ter uma consciência difusa dos demônios que nos espreitam lá fora. Podemos até estar bastante preocupados com eles. Mas, na realidade, não temos ideia de quantos são e de quando podem atacar. Sua estimativa rabiscada às pressas pode estar errada por um fator de cem ou de mil; não há meio seguro para saber. Isso é incerteza. O risco lubrifica as engrenagens da economia de livre mercado, a incerteza é o cascalho que faz a engrenagem emperrar.

Nate Silver (O Sinal e o Ruído; pág: 36)

19 de julho de 2021

VIRTÙ E FORTUNA

A palavra virtù, definida em breve síntese, consiste na faculdade de compreender exatamente toda e qualquer situação de fato, e nela fazer intervir, para modificá-la. (...) É a capacidade intelectual de penetrar as situações em sua realidade fundamental, quanto a vontade de transformá-las segundo as próprias finalidades. (...) A palavra fortuna, geralmente traduzida por sorte, acaso ou força invencível a que se atribuem o rumo e os diversos acontecimentos da vida. (...) Fortuna e virtù são, para Maquiavel, sínteses do poder.

Nota da editora

Nicolau Maquiavel (O Príncipe; págs: 23 e 24)

16 de julho de 2021

EMPREGO 2050

Evgeny Zubkov

Mudanças de ocupação eram possíveis porque a mudança do campo para a fábrica e da fábrica para o supermercado só exigiam um retreinamento limitado. Em 2050, porém, um caixa ou um operário da indústria têxtil que perder seu emprego para um robô dificilmente estará apto a começar a trabalhar como oncologista, como operador de drone ou como parte de uma equipe humanos-IA num banco. Não terão as habilidades necessárias. (...) Muita gente poderia compartilhar do destino não dos condutores de carroça do século xix - que passaram a ser taxistas -, mas dos cavalos do século xix, que foram progressivamente expulsos do mercado de trabalho. Além disso, nenhum dos empregos humanos que sobrarem estará livre da ameaça da automação, porque o aprendizado de máquina e a robótica continuarão a se aprimorar. (...) O que você fará quando ninguém precisar de sua mão de obra barata e desqualificada, e você não tiver recursos para criar um bom sistema de educação e retreiná-la? (...) Já hoje poucos empregados esperam permanecer no mesmo emprego por toda a vida. Em 2050 não apenas a ideia de “um emprego para a vida inteira” mas até mesmo a ideia de “uma profissão para a vida inteira” parecerão antidiluvianas.

Yuval Noah Harari (21 Lições para o Século 21; págs: 53, 56 e 65)

OS LOOPS DOS HÁBITOS


Hábitos em sua definição técnica: as escolhas que todos fazemos deliberadamente em algum momento, e nas quais paramos de pensar depois mas continuamos fazendo, normalmente todo dia. (...) Mecanismos subconscientes que impactam as inúmeras escolhas que parecem ser fruto de um pensamento racional, mas na verdade são influenciadas por impulsos que a maioria de nós mal reconhece ou compreende. (...) Sem os loops dos hábitos, nossos cérebros entrariam em pane, sobrecarregados com as minúcias da vida cotidiana. (...) Esse processo dentro dos nossos cérebros é um loop de três estágios. Primeiro há uma deixa, um estímulo que manda seu cérebro entrar em modo automático, e indica qual hábito ele deve usar. Depois há a rotina, que pode ser física, mental ou emocional. Finalmente, há uma recompensa, que ajuda seu cérebro a saber se vale a pena memorizar este loop específico para o futuro. (...) As deixas podem ser quase qualquer coisa, desde um estímulo visual, como um doce ou um comercial de tevê, até certo lugar, uma hora do dia, uma emoção, uma sequência de pensamentos, ou a companhia de pessoas específicas. As rotinas podem ser incrivelmente complexas ou fantasticamente simples (alguns hábitos, como aqueles relacionados a emoções, são medidos em milissegundos). As recompensas podem variar desde comida ou drogas que causam sensações físicas, até compensações emocionais, tais como os sentimentos de orgulho que acompanham os elogios ou as autocongratulações. (...) É assim que novos hábitos são criados: juntando uma deixa, uma rotina e uma recompensa, e então cultivando um anseio que movimente o loop.

Charles Duhigg (O Poder do Hábito; págs: 15, 24, 36, 38, 42, 43 e 66)

15 de julho de 2021

SOMOS TODOS CAPAZES DE SERMOS NAZISTAS

Stanley Milgram

Talvez a demonstração mais famosa da reação humana a sistemas tenha sido o experimento de Milgram sobre obediência a figuras de autoridade, realizado no início da década de 1960 na Universidade Yale. O experimento era simples e, aos olhos modernos, um tanto cruel. Também era devastador e poderoso, e é ensinado no primeiro ano de todas as faculdades de psicologia. O Dr. Stanley Milgram, professor de Yale, tinha uma pergunta que era um bocado pertinente naquela época. Três meses antes de os testes começarem, Adolf Eichmann, o arquiteto do Holocausto, foi a julgamento. Uma das questões mais perenes a respeito do Holocausto é como tantos milhões de pessoas poderiam ser cúmplices solícitos de tal horror. Será que os alemães eram fundamentalmente repreensíveis do ponto de vista moral? Havia algo intrinsecamente mau na constituição cultural deles? Ou será que eles estavam de fato apenas cumprindo ordens? É muito fácil olhar para crimes contra a humanidade e culpar os indivíduos por suas ações. É a coisa certa a se fazer, não é? No entanto, a pergunta a que Milgram queria responder é: os americanos comuns são tão diferentes assim dos alemães? Será que eles teriam reagido de maneira diferente na mesma situação? E a resposta desconfortável é não, os americanos não teriam reagido de modo distinto. Na verdade, se levarmos em conta quantos países e quantas culturas replicaram o experimento, ninguém teria. Na situação propícia, somos todos capazes de sermos nazistas.

A experiência funcionava da seguinte maneira: alguém usando um jaleco branco (que dava um verniz de autoridade científica) dizia ao sujeito, uma pessoa comum, para administrar choques elétricos cada vez mais fortes a um terceiro indivíduo, um ator, que estava em outra sala. O sujeito ouvia o ator, mas não conseguia vê-lo. Conforme os choques aumentavam, o ator começava a gritar e implorar. Em dado momento, o ator (que em algumas versões do experimento dizia ao sujeito que tinha um problema cardíaco) começava a bater na parede, berrando para que o experimento fosse interrompido. Por fim, ele ficava em silêncio. Algumas pessoas paravam em 135 volts, enquanto o ator gritava, e perguntavam sobre o propósito do experimento. Quase todas continuavam depois que lhes asseguravam que elas não seriam responsabilizadas. Alguns sujeitos começavam a rir nervosamente ao ouvirem os uivos de agonia vindos da sala ao lado. Quando o sujeito queria parar, o "cientista" simplesmente dizia: "Por favor, continue." E, se o sujeito não quisesse continuar, o cientista falava: "O experimento requer que você continue." Se ainda assim não houvesse nenhum movimento, o cientista acrescentava: "É fundamental que você continue." Quase todos os sujeitos pareciam estar sob alto nível de estresse e suavam muito. Apresentavam pulso e temperatura elevados conforme o instinto de "luta ou fuga" assumia o comando. Então, se ainda assim não apertassem o botão, o cientista tentava uma última vez. "Você não tem outra escolha. Precisa continuar."

Quase todos iam em frente, dando o último choque em alguém que estivera gritando e então se calara. No artigo "The Perils of Obedience" [Os perigos da obediência], de 1974, Milgram resumiu as implicações do estudo da seguinte forma:

Pessoas comuns, simplesmente fazendo seu trabalho, e sem qualquer hostilidade pessoal específica, podem se tornar agentes de um terrível processo destrutivo. Além disso, mesmo quando os efeitos destrutivos de seu trabalho se tornam evidentes e pedem que elas executem ações incompatíveis com padrões morais fundamentais, relativamente poucas pessoas têm os recursos necessários para resistir à autoridade.

Quando esse experimento é debatido em sala de aula, em geral destaca-se para os alunos que o culpado é o sistema dentro do qual as pessoas comuns agiram, e não os próprios indivíduos. Mas internalizar essa lição é uma tarefa difícil, porque, se aceitarmos que é verdadeira, o que ela diz sobre você?

Jeff Sutherland & J.J. Sutherland (Scrum: a arte de fazer o dobro do trabalho na metade do tempo; págs: 68, 69 e 70)

14 de julho de 2021

SCRUM

Chamei de “Scrum” essa estrutura de trabalho em equipe. O termo vem do rúgbi, e se refere à maneira como um time se une para avançar com a bola pelo campo. (...) O Scrum pergunta por que tanto tempo e esforço são gastos na realização de uma tarefa, e por que somos tão ruins em prever o tempo e o esforço que as atividades vão exigir. (...) O Scrum acolhe a incerteza e a criatividade. Cria um alicerce para o aprendizado, permitindo que as equipes avaliem o que já criaram e de que forma o criaram. (...) Na essência, o Scrum se baseia em uma ideia simples: quando começamos um projeto, por que não verificar a intervalos regulares se ele está indo no caminho certo e se aquilo é realmente o que as pessoas querem? E por que não se perguntar se é possível aprimorar a forma como você está trabalhando para obter resultados melhores e mais rápidos, e o que poderia estar impedindo você de fazer isso? O nome disso é ciclo de “inspeção e adaptação”.

Jeff Sutherland & J.J. Sutherland (Scrum: a arte de fazer o dobro do trabalho na metade do tempo; págs: 16 e 17)

O PODER


O poder não é um objeto natural, uma coisa; é uma prática social e, como tal. constituída historicamente. Os poderes se exercem em níveis variados e em pontos diferentes da rede social e neste complexo os micro-poderes existem integrados ou não ao Estado. O aparelho de Estado é um instrumento específico de um sistema de poderes que não se encontra unicamente nele localizado, mas o ultrapassa e complementa. Os poderes não estão localizados em nenhum ponto específico da estrutura social. Funcionam como uma rede de dispositivos ou mecanismos a que nada ou ninguém escapa, a que não existe exterior possível, limites ou fronteiras. Rigorosamente falando, o poder não existe; existem sim práticas ou relações de poder. O que significa dizer que o poder é algo que se exerce, que se efetua, que funciona. E que funciona como uma maquinaria, como uma máquina social que não está situada em um lugar privilegiado ou exclusivo, mas se dissemina por toda a estrutura social. Não é um objeto, uma coisa, mas uma relação. Não se explica inteiramente o poder quando se procura caracterizá-lo por sua função repressiva. O que lhe interessa basicamente não é expulsar os homens da vida social, impedir o exercício de suas atividades, e sim gerir a vida dos homens, controlá-los em suas ações para que seja possível e viável utilizá-los ao máximo, aproveitando suas potencialidades e utilizando um sistema de aperfeiçoamento gradual e contínuo de suas capacidades. Objetivo ao mesmo tempo econômico e político: aumento do efeito de seu trabalho, isto é, tornar os homens força de trabalho dando-lhes uma utilidade econômica máxima; diminuição de sua capacidade de revolta, de resistência, de luta, de insurreição contra as ordens do poder, neutralização dos efeitos de contra-poder, isto é, tornar os homens dóceis politicamente. Portanto, aumentar a utilidade econômica e diminuir os inconvenientes, os perigos políticos; aumentar a força econômica e diminuir a força política. O corpo só se torna força de trabalho quando trabalhado pelo sistema político de dominação característico do poder disciplinar.

Roberto Machado

Michel Foucault (Microfísica do Poder; págs: 10, 12, 13, 14, 16, 17)


De fato, o poder em seu exercício vai muito mais longe, passa por canais muito mais sutis, é muito mais ambíguo, porque cada um de nós é, no fundo, titular de um certo poder e, por isso, veicula o poder. O poder não tem por função única reproduzir as relações de produção. As redes da dominação e os circuitos da exploração se recobrem, se apóiam e interferem uns nos outros, mas não coincidem. (...) O poder não se dá, não se troca nem se retoma, mas se exerce, só existe em ação, como também da afirmação que o poder não é principalmente manutenção e reprodução das relações econômicas, mas acima de tudo uma relação de força. Questão: se o poder se exerce, o que é este exercício? em que consiste, qual é sua mecânica? (...) O poder deve ser analisado como algo que circula, ou melhor, como algo que só funciona em cadeia. Nunca está localizado aqui ou ali, nunca está nas mãos de alguns, nunca é apropriado como uma riqueza ou um bem. O poder funciona e se exerce em rede. Nas suas malhas os indivíduos não só circulam mas estão sempre em posição de exercer este poder e de sofrer sua ação; nunca são o alvo inerte ou consentido do poder, são sempre centros de transmissão. Em outros termos, o poder não se aplica aos indivíduos, passa por eles.

Michel Foucault (Microfísica do Poder; págs: 160, 175, 183)


Embora não haja dúvida de que o poder é uma motivação humana muito básica, também é inegável que se trata de uma força "relacional", no sentido de que implica inevitavelmente uma relação entre dois ou mais protagonistas. Portanto, não basta medir o poder usando indicadores indiretos, como quem tem o maior exército, as maiores fortunas, a maior população ou o maior número de eleitores ou fiéis. Ninguém circula por aí com uma quantidade fixa e quantificável de poder, porque na realidade o poder de qualquer pessoa ou instituição varia conforme a situação. Para que o poder seja exercido, é necessária uma interação ou um intercâmbio entre duas ou mais partes: senhor e escravo, governante e cidadão, chefe e empregado, pai e filho, professor e aluno, ou uma complexa combinação de indivíduos, partidos, exércitos, empresas, instituições, até mesmo nações. Conforme as partes implicadas passam de uma situação a outra, a capacidade que cada um tem de dirigir ou evitar as ações dos outros - em outras palavras, o seu poder - também varia.

Moisés Naím (O Fim do Poder; pág: 42)

MAIS, MOBILIDADE E MENTALIDADE

Três categorias de transformações revolucionárias, que a meu ver definem nossa época: a revolução do Mais, que se caracteriza pelo aumento e abundância em tudo: no número de países, no tamanho das populações, em padrões de vida, índices de alfabetização, melhoria na saúde e na quantidade de produtos, partidos políticos e religiões; a segunda categoria é a revolução da Mobilidade: temos mais de tudo e, além disso, esse "mais" (gente, produtos, tecnologia, dinheiro) se movimenta com uma intensidade inédita e com um custo menor, chegando a todos os cantos do planeta, inclusive alguns que havia pouco eram inacessíveis; e a revolução da Mentalidade, que reflete as grandes mudanças nos modos de pensar, nas expectativas e nas aspirações, que vêm acompanhando essas transformações.

Moisés Naím (O Fim do Poder; pág: 35)

13 de julho de 2021

REGRESSÃO, FACEBOOK E A CAMBRIDGE ANALYTICA


O jornal Guardian descobriu que, com o financiamento da SCL, uma empresa criada por Alex coletou dados do Facebook e respostas de questionários de 200.000 cidadãos americanos. E isso representa apenas o número de pessoas que eles entrevistaram diretamente. Como a forma com que a plataforma do Facebook operava na época permitia o acesso às “curtidas” dos amigos das pessoas que se voluntariaram para o estudo e que consentiram o acesso aos dados de seus amigos, a SCL tinha no total dados de mais de 30 milhões de pessoas. Esse era um conjunto de dados imenso que fazia, potencialmente, um retrato da personalidade política de muitos americanos. O CEO da Cambridge Analytica, Alexander Nix, (...) explicou como, em vez de selecionar pessoas com base em raça, gênero ou formação socioeconômica, sua companhia conseguia “prever a personalidade de cada um dos adultos nos Estados Unidos da América.” A eleitores bastante conscienciosos e neuróticos poderia ser direcionada a mensagem de que “a segunda emenda era uma apólice de seguros”. Eleitores tradicionais e cordatos seriam informados de como “o direito de portar armas era importante e deveria ser transmitido de pai para filho”. Ele afirmou que conseguia usar “centenas e milhares de pontos de dados individuais em nossas audiências selecionadas para compreender exatamente quais mensagens teriam afinidade com quais audiências” e sugeriu que os métodos que ele havia descrito estavam sendo utilizados na campanha de Trump.

A origem da Cambridge Analytica apresenta todos os ingredientes de uma história de conspiração moderna. Ela envolve Ted Cruz, Donald Trump, 'segurança de dados, psicologia da personalidade, o Facebook, trabalhadores mal pagos do Turco Mecânico, Big Data, acadêmicos da Universidade de Cambridge, o populista de direita 'Steve Bannon, que faz parte da diretoria, o financiador de direita Robert Mercer, que é um dos seus maiores investidores, o ex-conselheiro de segurança nacional Michael Flynn, que já atuou como consultor, e (em uma versão menos confiável desta história) trolls financiados pela Rússia. (...). 

Quando me concentrei nos detalhes dos modelos usados para prever padrões de voto, percebi que um ingrediente importante estava faltando: o algoritmo. Eu queria conferir se as afirmações de Nix sobreviveriam ao escrutínio. Não tenho acesso aos dados coletados por Alex Kogan, (...) mas Michal Kosinski e seus colegas criaram um pacote tutorial que permite a estudantes de psicologia praticar a criação de modelos de regressão em um banco de dados anônimo de 20.000 usuários do Facebook. Eu baixei o pacote e o instalei no meu computador. Apenas 4.744 dos 19.742 usuários do Facebook residentes nos Estados Unidos no banco de dados expressou a preferência por democratas ou republicanos. Destes, 31% eram republicanos. Na ocasião da coleta de dados, entre 2007 e 2012, os democratas se destacavam no Facebook. Usei os dados para ajustar um modelo de regressão com as 50 dimensões do Facebook como input. O resultado do modelo de regressão é a probabilidade de que uma pessoa seja republicana.

Após ajustar o modelo aos dados, o próximo passo é testar sua performance. Uma boa maneira de testar a acurácia de um modelo de regressão é selecionar duas pessoas aleatoriamente, um democrata e um republicano, e pedir ao modelo que preveja qual dos dois é o republicano a partir do seu perfil do Facebook. Esta é uma medida intuitiva de acurácia. Imagine que você encontrasse essas duas pessoas e pudesse fazer-lhes algumas perguntas sobre seus gostos e hobbies, e, a partir das respostas, você tivesse que determinar qual pessoa apoiava qual partido político. Com que frequência você acha que acertaria?

A acurácia de um modelo de regressão baseado nos dados do Facebook é muito boa. Em oito de nove tentativas o modelo de regressão identificou corretamente as visões políticas do usuário do Facebook. O principal grupo de curtidas que identifica um democrata inclui o casal Barak e Michelle Obama, a Rádio Pública Nacional, TED Talks, Harry Potter, a página da internet I Fucking Love Science e shows de variedades atuais liberais como The Colbert Report e The Daily Show. Os republicanos curtem George W. Bush, a bíblia, música country e acampar. Não é nenhuma surpresa que os democratas curtam os Obama e The Colbert Report ou que muitos republicanos curtam George W. Bush e a bíblia. Então, eu tentei ver se conseguia quebrar o modelo de regressão retirando algumas das “curtidas” óbvias do modelo e executar uma nova regressão. Para meu espanto, o modelo continuou funcionando com 85% de acurácia, com apenas uma ligeira redução em performance. Agora ele utilizava combinações de curtidas para determinar as filiações políticas. Por exemplo, alguém que curta Lady Gaga, Starbucks e música country se encaixa mais provavelmente como republicano, mas um fã de Lady Gaga que também gosta de Alicia Keys e Harry Potter se encaixa mais provavelmente como um democracia. É aí que a compreensão multidimensional, obtida com a utilização de muitas “curtidas”, produz resultados inesperados e úteis.

Este tipo de informação poderia ser bastante útil para um partido político. Em vez de os democratas direcionarem sua campanha apenas para a média liberal tradicional, eles poderiam se dedicar a obter os votos dos fãs de Harry Potter. Os republicanos poderiam alvejar pessoas que bebem café na Starbucks e pessoas que acampam. Os fãs de Lady Gaga deveriam ser tratados com cautela por ambas as partes. Apesar de ser difícil fazer uma comparação direta, a acurácia de um modelo de regressão baseado no Facebook parece vencer os métodos tradicionais. (...)  Mas, antes de nos empolgar, vamos olhar com mais atenção para as limitações. Em primeiro lugar, há uma limitação fundamental nos modelos de regressão. Lembre-se de que o resultado de algoritmos não é binário. (...) Não podemos esperar que um modelo revele suas visões políticas com 100% de certeza. (...) O melhor que os analistas conseguem fazer é usar um modelo de regressão que atribui uma probabilidade sobre você ter uma visão em particular.

Enquanto os modelos de regressão funcionam muito bem para democratas ou republicanos convictos, (...) as predições sobre estes eleitores não são particularmente úteis em uma campanha política. Os votos dos simpatizantes partidários são mais ou menos garantidos, e não é preciso tê-los como alvo. Na verdade, o modelo de regressão que ajustei com os dados do Facebook não revelam nada sobre os 76% das pessoas que não registraram sua fidelidade política. Se, por um lado, os dados nos mostram que os democratas tendem a gostar de Harry Potter, por outro lado, eles não necessariamente nos dizem que outros fãs de Harry Potter gostam dos democratas. Este é o problema clássico inerente a todas as análises estatísticas; de uma possível correlação confusa, sem causa. Uma segunda limitação diz respeito ao número de "curtidas" necessárias para se fazer uma predição. O modelo de regressão só funciona quando uma pessoa deu mais de 50 "curtidas" e, para que esta predição seja realmente confiável, algumas centenas de "curtidas" são necessárias. No conjunto de dados do Facebook, apenas 18% dos usuários "curtiram" mais de 50 páginas. Após a coleta desses dados, o Facebook conseguiu aumentar o número de páginas que seus usuários "curtem", exatamente para que possa melhorar o direcionamento da propaganda. Mas ainda há muitas pessoas, inclusive eu, que não "curtem" muito no Facebook. (...) Não importa quão boa seja uma técnica de regressão, um modelo não consegue funcionar sem dados.

David Sumpter (Dominados Pelos Números; págs: 52, 53, 54, 55 e 56)

23 de junho de 2021

A FINALIDADE DA VIDA É UMA AÇÃO

São duas as causas naturais das ações: idéias e caráter. E dessas ações se origina a boa ou má fortuna das pessoas. A fábula é imitação da ação. Chamo fábula a reunião das ações; por caráter entendo aquilo que nos leva a dizer que as personagens possuem tais ou tais qualidades; por idéias, refiro-me a tudo o que os personagens dizem para manifestar seu pensamento. (...) A tragédia não é imitação de pessoas e sim de ações, da vida, da felicidade, da desventura; mas felicidade e desventura estão presentes na ação, e a finalidade da vida é uma ação, não uma qualidade. Os homens possuem diferentes qualidades, de acordo com o caráter, mas são felizes ou infelizes de acordo com as ações que praticam. (...) Caráter é aquilo que revela determinada deliberação; ou, em situações dúbias, a escolha que se faz ou que se evita. Por esse motivo, falta caráter às falas da personagem quando esta não revela a finalidade que se quer obter ou recusar.

Aristóteles (Poética; págs: 43, 44 e 45)

A ARTE DE PREVENIR

Tomar em consideração não só os obstáculos presentes, mas também os futuros, e tratar com cuidado de opor-se a estes. Quem impedi os males com bastante antecedência pode, sem grande esforço, dar-lhes remédio; quem espera, porém, que eles se aproximem, inutilmente tentará enfraquece-los; a doença tornou-se incurável. (...) O mesmo se dá com os negócios do estado. (...) tendo passado despercebidos, se desenvolvem até o ponto de serem visíveis de todos, já não há como combatê-los.

Nicolau Maquiavel (O Príncipe; págs: 45 e 46)

15 de junho de 2021

O PODER E A TECNOLOGIA DA INFORMAÇÃO

Josan Gonzalez

A degradação do poder não se deve à internet nem à tecnologia da informação em geral. É inegável que a internet, as redes sociais e outras ferramentas estão transformando a política, o ativismo, os negócios e, é claro, também o poder. Mas com excessiva frequência esse papel fundamental é supervalorizado e malcompreendido. As novas tecnologias de informação são ferramentas e para terem impacto, tais ferramentas precisam de usuários, que por sua vez têm metas, direção e motivação. Facebook, Twitter e mensagens de texto foram fundamentais para fortalecer os manifestantes na Primavera Árabe. Mas os manifestantes e as circunstâncias que os motivaram a ir às ruas são movidos por fatores dentro e fora de seus países que não têm nada a ver com Twitter ou Facebook. (...) O primeiro e mais importante motor dos protestos foi a realidade demográfica de jovens em países como Tunísia, Egito e Síria - pessoas mais saudáveis e instruídas do que seus predecessores, mas que também estão desempregadas e profundamente frustradas. Além do mais, as mesmas tecnologias de informação que dão maior poder ao cidadão comum também abriram novas vias para a vigilância, repressão e controle governamental - por exemplo, ajudaram o Irã a identificar e prender os participantes da sua abortada "Revolução Verde".

Moisés Naím (O Fim do Poder; págs: 38 e 39)

PROBLEMA DE SECRETÁRIA

Mad Men

A primeira menção explícita com o nome de "problema de secretária" parece ser num trabalho de 1964, e em algum momento ao longo do processo esse nome pegou. (...) Em sua busca por uma secretária, há duas maneiras de você falhar: parando de procurar cedo demais e parando tarde demais. Quando você para cedo demais, a melhor candidata acaba não sendo descoberta. Quando para tarde demais, você ficou esperando por uma melhor candidata, que não existe. A estratégia ótima requer, claramente, que se encontre o equilíbrio certo entre as duas atitudes, na corda bamba entre procurar demais e não procurar o bastante. Se seu objetivo é achar a melhor candidata, sem se satisfazer com nada menos que isso, está claro que durante as entrevistas você sequer deve considerar contratar alguém que não seja a melhor candidata encontrada até aquele momento. No entanto, ser simplesmente a melhor até aquele momento não é suficiente para se fazer uma oferta de emprego - a primeira candidata, por exemplo, terá sido por definição a melhor até então. Mais genericamente, parece lógico que a incidência de encontrar "a melhor que você viu até agora" vai diminuir à medida que as entrevistas continuam. Por exemplo, a segunda candidata tem uma probabilidade de 50/50 de ser a melhor que já vimos até então, mas a quinta entrevistada tem uma probabilidade de um para cinco de ser a melhor até então; a sexta, uma probabilidade de um para seis, e assim por diante. Como resultado, se a última entrevista revelou a melhor candidata até então, ela será a mais impressionante à medida que as entrevistas continuam (novamente, por definição, ela será melhor do que todas as que a antecederam) - mas a possibilidade de que isso aconteça será cada vez menos frequente. (...) Intuitivamente, há algumas estratégias potenciais. Por exemplo, oferecer o emprego na terceira vez - ou talvez na quarta vez - em que uma candidata superar todas as que a antecederam até então. Ou, talvez, oferecê-lo à primeira candidata melhor até então que aparecer após uma longa "seca", isto é, uma longa série de candidatas sem essa qualificação.

Mas acontece que nenhuma dessas estratégias relativamente intuitivas é a melhor. Em vez disso, a solução ótima se configura no que chamamos de Regra de Olhar-e-Depois-Saltar. Você preestabelece certo tempo para "olhar" - isto é, explorar suas opções, coletar dados -, durante o qual, categoricamente, não escolhe ninguém, não importa quão qualificada seja a candidata. Passado esse ponto, você entra na fase do "salto", preparado para eleger de forma instantânea a primeira que supere a melhor candidata que encontrou na fase de "olhar". (...) Acrescente uma terceira candidata, e subitamente as coisas ficam interessantes. As chances de acerto, se nossa decisão for aleatória, são de um terço, ou 33%. Com duas candidatas, não poderíamos fazer melhor do que nos propiciam as probabilidades. E com três, poderíamos? Pelo visto, sim, e isso depende do que fizermos com a segunda entrevistada. Quando entrevistamos a primeira, não dispomos de informação - ela sempre parecerá ser a melhor até então. Ao entrevistarmos a terceira candidata, não temos alternativa - temos de lhe propor o emprego porque dispensamos as outras. Mas quando entrevistamos a segunda candidata, temos um pouco de ambos, sabemos se ela é melhor ou pior do que a primeira, e temos a alternativa de ou contratá-la ou dispensá-la. O que acontece quando a contratamos, se for melhor do que a primeira candidata, e quando a demitimos, se não for? Essa acaba sendo a melhor estratégia possível quando se trata de trés candidatas. Usando esse método, é possível, surpreendentemente, sair-se tão bem no problema das três candidatas quanto no caso de duas, escolhendo a que foi a melhor candidata durante pelo menos metade do tempo.

A aplicação desse cenário ao caso de quatro candidatas nos mostra que ainda devemos dar o salto na segunda candidata; com cinco candidatas no grupo, não se deve dar o salto antes da terceira. À medida que cresce o número de candidatas, o lugar exato onde traçar a linha divisória entre olhar e saltar localiza-se no ponto que representa 37% do grupo, o que resulta na Regra dos 37%: olhe os primeiros 37% de candidatas, sem escolher nenhuma, depois esteja pronto para saltar para qualquer uma que for melhor do que todas que viu até então. (...) Em doze casas decimais: qualquer valor entre 35% e 40% resulta num índice de sucesso muito próximo do máximo.

Brian Christian e Tom Griffiths (Algoritmos para Viver; págs: 25, 26, 27 e 28)

9 de junho de 2021

A BELEZA RESIDE NA MAGNITUDE E NA ORDEM

A beleza reside na magnitude e na ordem, e por esse motivo um organismo exageradamente pequeno jamais poderia ser chamado de belo (pois a visão se confunde quando o tempo de exposição a ela é quase imperceptível). Pela mesma razão, tampouco o exageradamente grande pode ser considerado belo (pois à vista dos espectadores escaparia a unidade e o todo; suponha-se, por exemplo, um animal de milhares de estádios). Assim como os seres viventes e as coisas precisam ter um tamanho adequado, para que permitam à visão abarcá-los por inteiro, assim também as fábulas precisam ter uma extensão que a memória possa apreender por inteiro.

Aristóteles (Poética; pág: 46)

8 de junho de 2021

SAVINGS CATCHER


O Savings Catcher, aplicativo do Walmart que nasceu da análise do comportamento do consumidor quanto à política da empresa de cobrir preços da concorrência. Para tirar proveito da explosão dessa estratégia, o time de crescimento do Walmart pediu aos engenheiros que criassem um aplicativo que permitisse ao consumidor usar a câmera do celular para digitalizar a nota fiscal da compra e receber do Walmart um reembolso automático caso algum concorrente tivesse anunciado por menos um artigo comprado na loja. Além disso, o pessoal da engenharia viu que podia casar os dados que a empresa vinha obtendo no programa de cobertura de preços com campanhas publicitárias feitas por equipes de buscas pagas, economizando muito publicidade ao fazer lances pesados somente para artigos em que seu preço era claramente o melhor.

Sean Ellis & Morgan Brown (Hacking Growth; págs: 22 e 23)

UPROAR

Uma modalidade de publicidade inédita: permitir que sites de terceiros colocassem games da Uproar de graça em suas páginas. Com isso, esses sites dariam algo interessante a seus visitantes e a Uproar ganharia exposição àquele público. O fundador aprovou a ideia. Em poucas semanas, o pessoal da engenharia e eu criamos um novo game, para um só jogador, que podia ser inserido em qualquer site com apenas um trecho de código - um dos primeiros widgets integráveis a sites de terceiros. Os donos dos sites seriam afiliados da Uproar e receberiam a bagatela de US$ 0,50 a cada novo jogador que a Uproar adquirisse por meio do site. O custo era baixo para nós e, como o jogo era bacana, os afiliados gostavam de tê-lo. (...) De lá para cá, muitas organizações usaram essa estratégia. O exemplo mais famoso é o do YouTube, que cresceu como louco ao permitir que sites de terceiros incorporassem seu player, o que espalhou vídeos do YouTube por toda a internet e transformou o vídeo online em verdadeiro fenômeno.

Sean Ellis & Morgan Brown (Hacking Growth; pág: 5)

7 de junho de 2021

OS PODEROSOS

Temos de considerar os poderosos sob dois aspectos principais: ou procedem de forma que por suas ações ficam completamente ligados ao destino do príncipe, ou não. Os primeiros, desde que não sejam vorazes, devemo-los honrar e amar. Quanto aos segundos, cumpre-nos distinguir: há os que assim procedem por covardia e desânimo, e neste caso devemos servir-nos deles, sobretudo quando são bons conselheiros, para que nos queiram bem na prosperidade e não tenhamos de receá-los na adversidade; mas há também os que, não ligando o seu destino ao do príncipe, o fazem por cálculo e por ambição, sinal de que pensam mais em si do que nele. Contra estes, o príncipe que se acautele. Tema-os como se fossem inimigos declarados, porque no infortúnio contribuirão sempre para causar-lhe a ruína.

Nicolau Maquiavel (O Príncipe; págs: 100 e 101)

5 de junho de 2021

AS GRANDES HISTÓRIAS NUNCA TERMINAM


- É, é isso mesmo - disse Sam. - E de modo algum estaríamos aqui se estivéssemos mais bem informados antes de partir. Mas suponho que seja sempre assim. Os feitos corajosos das velhas canções e histórias, St. Frodo: aventuras, como eu as costumava chamar. Costumava pensar que eram coisas à procura das quais as pessoas maravilhosas das histórias saíam, porque as queriam, porque eram excitantes e a vida era um pouco enfadonha, um tipo de esporte, como se poderia dizer. Mas não foi assim com as histórias que realmente importaram, ou aquelas que ficam na memória. As pessoas parecem ter sido simplesmente embarcadas nelas, geralmente - seus caminhos apontavam naquela direção, como se diz. Mas acho que eles tiveram um monte de oportunidades, como nós, de dar as costas, apenas não o fizeram. E, se tivessem feito, não saberíamos, porque eles seriam esquecidos. Ouvimos sobre aqueles que simplesmente continuaram - nem todos para chegar a um final feliz, veja bem; pelo menos não para chegar àquilo que as pessoas dentro de uma história, e não fora dela, chamam de final feliz. O senhor sabe, voltar para casa, descobrir que as coisas estão muito bem, embora não sejam exatamente iguais ao que eram - como aconteceu com o velho Sr. Bilbo. Mas essas não são sempre as melhores histórias de se escutar, embora possam ser as melhores histórias para se embarcar nelas! Em que tipo de história teremos caído?

- Também fico pensando - disse Frodo. - Mas não sei. E é assim que acontece com uma história de verdade. Pegue qualquer uma de que você goste. Você pode saber, ou supor, que tipo de história é, com final triste ou final feliz, mas as pessoas que fazem parte dela não sabem. E você não quer que elas saibam.

- Não, senhor, claro que não. Veja o caso de Beren: ele nunca pensou que ia pegar aquela Silmaril da Coroa de Ferro em Thangorodrim. E apesar disso ele conseguiu, e aquele lugar era pior e o perigo era mais negro que o nosso. Mas é uma longa história, é claro, e passa da alegria para a tristeza e além dela - e a Silmaril foi adiante e chegou a Eärendil. E veja, senhor, eu nunca tinha pensado nisso antes! Nós temos - o senhor tem um pouco da luz dele naquela estrela de cristal que a Senhora lhe deu! Veja só, pensando assim, estamos ainda na mesma história! Ela está continuando. Será que as grandes histórias nunca terminam?

- Não, nunca terminam como histórias - disse Frodo. - Mas as pessoas nelas vem e vão quando seu papel termina. Nosso papel vai terminar mais tarde - ou mais cedo. 

J.R.R. Tolkien (O Senhor Dos Anéis; págs: 750 e 751)

4 de junho de 2021

A REGRA DOS 37% [parada ótima]

Se você quer ter as maiores probabilidades de conseguir o melhor apartamento, empregue 37% de sua busca a um apartamento (onze dias, se você se concedeu um mês para isso) explorando opções sem se comprometer. Deixe o talão de cheques em casa; você está apenas calibrando. Mas uma vez atingido esse ponto, prepare-se para se comprometer de imediato - com depósito e tudo - com o primeiro lugar visitado que for melhor do que qualquer um dos outros que já foi. Isso não é apenas um compromisso intuitivamente satisfatório entre o olhar e o salto. É a solução provavelmente ótima. Sabemos disso porque o problema de encontrar um apartamento pertence à classe de problemas matemáticos conhecidos como problemas de "parada ótima". A Regra dos 37% define uma série simples de passos - que os cientistas da computação chamam de "algoritmo" - para resolver esses problemas. Como acaba se demonstrando, a procura por apartamento é apenas um dos modos pelos quais essa parada ótima se manifesta na vida cotidiana. Comprometer-se com uma opção ou deixar passar uma sucessão de opções constitui uma estrutura que surge na vida repetidas vezes, em encarnações ligeiramente diferentes. Quantas voltas dar no quarteirão antes de se decidir onde estacionar? Até que ponto arriscar a sorte num negócio incerto antes de pegar a sua parte e cair fora? Quanto tempo aguardar por uma oferta melhor por uma casa ou um carro? (...) O terapeuta lhes diz que encontrem o equilíbrio certo e confortável entre a impulsividade e a reflexão. O algoritmo lhes diz que esse equilíbrio é 37%.

Brian Christian e Tom Griffiths (Algoritmos para Viver; págs: 11 e 12)

PODER FRAGMENTADO


Os presidentes dos Estados Unidos e da China, os CEOs da J. P. Morgan ou da Shell Oil ou Microsoft, a diretora do The New York Times, a diretora do Fundo Monetário Internacional e o papa continuam detendo imenso poder. Mas bem menos do que tinham seus predecessores. As pessoas que ocuparam tais cargos antes não só precisaram enfrentar menos rivais e adversários mas também sofriam menos restrições - quer na forma de ativismo social, de mercados financeiros mundiais, do exame minucioso por parte da mídia ou da proliferação de rivais - na hora de utilizar esse poder. (...) O xadrez é, sem dúvida, uma metáfora clássica do poder. Mas o que ocorreu no xadrez foi a erosão, e em certos casos o desaparecimento, das barreiras que antes mantinham o mundo dos campeões restrito, impenetrável e estável. (...) É o quadro de um poder fragmentado entre um número crescente de atores novos e menores, de origem diversificada e inesperada. (...) Esses "pequenos atores", novos e cada vez mais importantes, são muito diferentes uns dos outros, como são também as áreas onde competem. Mas têm em comum o fato de não dependerem mais de porte, geografia, história ou de uma tradição arraigada para deixar sua marca. (...) Esses novos atores são os micropoderes mencionados antes. Seu poder tem outra característica: não é mais o poder massivo, esmagador e com frequência coercitivo das grandes organizações com muitos recursos e longa história, mas sim o poder de vetar, contrapor, combater e limitar a margem de manobra dos grandes atores. É negar "aos grandes de sempre" espaços de ação e influência que sempre foram dados como certos. (...) Mas o que leva a distribuição do poder a se alterar? Pode acontecer quando aparece alguém novo, rebelde e com talento, como Alexandre, o Grande, ou Steve Jobs, ou quando se produz uma inovação importante como o estribo, a imprensa, o circuito integrado ou o YouTube. (...) O colapso da União Soviética, a eclosão da Primavera Árabe, o declínio de antigos gigantes de imprensa como o The Washington Post e o repentino surgimento do Twitter como fonte de informação atestam a impossibilidade de saber que mudanças de poder estão espreitando logo ao dobrar a esquina.

Moisés Naím (O Fim do Poder; págs: 22, 26, 32, 37, 43 e 57)

2 de junho de 2021

PERMITIR, NÃO PROIBIR

Uma pesquisa publicada pela Cisco Systems, em 2010, feita entre empresas de médio e grande porte em dez países, descreve a situação claramente sobre o que de fato acontece com organizações que impõem restrições de acesso no local de trabalho, onde os colaboradores fazem as coisas por conta própria: Metade admite que acessa programas proibidos uma vez por semana e mais de 25% admite mudar as configurações dos seus equipamentos para obter acesso e "poder fazer seu trabalho". Um pouco mais da metade (52%) das organizações proíbe o uso de aplicativos de mídias sociais, ou similares, no trabalho. Metade (50%) dos usuários finais admite ignorar as regras da empresa que proíbem o uso das mídias sociais pelo menos uma vez por semana, e 27% admitem mudar as configurações nos equipamentos da empresa para acessar plataformas proibidas. (...) Envolva os colaboradores na criação de diretrizes (...) para que fique bem claro a todos o que é permitido e o que não é. Não é difícil gerenciar as mídias sociais. O grande desafio para os tomadores de decisão nas organizações é lutar contra o medo do desconhecido, o medo de abrir mão do controle sobre a informação, e de esclarecer sobre as expectativas de cada um. As empresas que usam mídias sociais em prol dos negócios, e que desenvolveram um programa de treinamento eficiente e publicaram as diretrizes - que podem ser chamadas de regras, política da empresa, dicas ou o que for mais conveniente - têm colaboradores que defendem seus serviços e produtos, e que se tornam verdadeiros embaixadores da marca. As pessoas vão querer trabalhar nessa empresa porque há uma demonstração de confiança mútua. Tome decisões com base em informações. Não é simples?

Christer Holloman (MBA das Mídias Sociais; págs: 27 e 28)

1 de junho de 2021

CAPITAL INTELECTUAL

Da esquerda pra direita: Tony Fadell, Jon Rubinstein, Jony Ive, Steve Jobs e Phil Schiller

O conhecimento é mais valioso e poderoso do que os recursos naturais, ativos financeiros ou imobilizados. As corporações mais bem-sucedidas são as que detém as informações mais privilegiadas e que sabem controlá-las de maneira mais eficaz. O capital intelectual é intangível, basicamente ele representa a soma do conhecimento de todos os colaboradores dentro de uma organização. (...) O diferencial entre as empresas não são mais as máquinas utilizadas no processo produtivo da Era Industrial, mas sim o conhecimento coletivo gerado e adquirido, as habilidades criativas, os valores, atitudes e motivação das pessoas que as integram, o grau de satisfação dos clientes e a quantidade de informação gerada e compartilhada. (...) Thomas A. Stewart, no livro Capital Intelectual: a Nova Vantagem Competitiva das Empresas trata deste assunto com muita competência e divide o Capital Intelectual em três vertentes:

Capital Humano: é a fonte de inovação e renovação. As pessoas geram capital para a empresa por meio de sua competência, sua atitude e sua capacidade para inovar. Constitui o capital humano o conhecimento acumulado, a habilidade e experiências dos funcionários para realizar as tarefas do dia a dia, os valores, a cultura, a filosofia da empresa, e diversos ativos intangíveis, ou seja, as pessoas que são os ativos humanos da empresa. A principal estratégia da empresa será de atrair, reter, desenvolver e aproveitar ao máximo o talento humano;

Capital Estrutural: compreende os ativos intangíveis relacionados com a estrutura e os processos de funcionamento interno e externo da organização que apoiam o capital humano, ou seja, tudo o que permanece na empresa quando os empregados vão para casa. O capital estrutural pertence à empresa, portanto é constituído de tecnologias, invenções, dados, publicações. Uma rápida distribuição do conhecimento, o aumento do conhecimento coletivo, menores tempos de espera, profissionais mais produtivos, estes são os motivos para se gerenciar o capital estrutural. Os bancos de dados de conhecimento são uma das melhores formas de aumentar o capital estrutural ao acumular lições aprendidas, checklists do que deu certo e do que deu errado;

Capital do Cliente: é definido como o valor dos relacionamentos contínuos da empresa com as pessoas e organizações para as quais vende. O conhecimento é o principal ingrediente do capital do cliente. Um dos princípios da gerência do capital intelectual é o fato de que, quando a informação é poder, o poder flui na direção do cliente em benefício deste. Por isso, toda inovação bem-sucedida deve se direcionar ao relacionamento com os clientes.

Da mesma forma que a informação e o conhecimento se tornaram peças-chave para estabelecer vantagens competitivas para empresas, a regra também se aplica a pessoas e instituições. Obviamente em um âmbito mais restrito, o capital Intelectual pode e deve ser utilizado por empreendedores e profissionais que desejam se destacar no mercado. A produção intelectual é a ponta visível do iceberg do conhecimento e deve ser tanto potencializada quanto bem compartilhada para que o capital intelectual seja percebido e, assim, proporcione autoridade a seu detentor.

Tércio Strutzel (Presença Digital; págs: 50, 51 e 52)