14 de fevereiro de 2015

AMBIGUIDADE MORAL

Outra distinção da dinâmica das forças, aquela entre causar e deixar, permeia profundamente nosso raciocínio moral. A diferença fica evidente no problema do vagão, um famoso experimento mental proposto pela filósofa Philippa Foot que é há muito tempo assunto de debates entre filósofos da moral. Um vagão em disparada e sem controle avança na direção de cinco funcionários da ferrovia, que não o vêem se aproximar. Você está no controle de um desvio e pode mandar o vagão para outro trilho, embora lá ele vá matar um único trabalhador, que também não sabe do perigo. Deveria você salvar cinco vidas à custa de uma desviando o vagão? A maioria das pessoas diz que sim - não apenas leitores de revistas filosóficas balançando a cabeça em sinal de aprovação, mas, num experimento colossal comandado por Marc Hauser, quase 90% das 150 mil pessoas em mais de cem países, que se ofereceram como voluntários para pensar no dilema e compartilhar suas intuições na página dele na internet.

Imagine agora que você está numa ponte sobre os trilhos e viu que o vagão descontrolado avança na direção dos cinco trabalhadores. Agora o único jeito de contê-lo é jogar um objeto pesado em seu caminho. E o único objeto pesado ao alcance é um homem gordo que está perto de você. Deveria você jogar o homem ponte abaixo? Os dois dilemas apresentam a opção de sacrificar uma vida para salvar cinco e, assim, sob certo aspecto, são equivalentes em termos morais. Mas a maioria das pessoas pelo mundo discorda. Embora elas acionassem o desvio no primeiro dilema, não arremessariam o homem gordo no segundo. (...) Joshua Greene, que é filósofo e neurocientista da cognição, sugere que as pessoas são equipadas com uma repulsa moldada pela evolução a maltratar um ser humano inocente, e que isso supera qualquer cálculo utilitarista que contabilize vidas salvas ou perdidas. O impulso contra o uso de violência contra uma pessoa explicaria outros exemplos em que as pessoas se recusam a matar um para salvar muitos, como fazer eutanásia num paciente para coletar seus órgãos e salvar cinco pacientes moribundos que dependem de transplantes, ou sufocar um bebê num esconderijo de guerra para evitar que seu choro atraia soldados que matariam todos os ocupantes, incluindo o próprio bebê. Para sustentar essa idéia, Greene, junto com o neurocientista da cognição Jonathan Cohenfez imagens dos cérebros das pessoas enquanto elas analisavam vários dilemas. Eles descobriram que os dilemas que requeriam matar uma pessoa com as próprias mãos ativavam áreas do cérebro associadas à emoção, junto com outras áreas cerebrais envolvidas na resolução de conflitos.

Vemos aqui, portanto, a marca inconfundível de uma visão de mundo movida pela dinâmica das forças, na ponderação de um profundo dilema moral. Um cenário em que o ator é um antagonista e sua vítima sacrificial (o homem gordo) é um agonista - o significado prototípico dos verbos causativos - evoca uma emoção que supera nossa consciência sobre o número de vidas salvas e perdidas, enquanto o cenário alternativo, em que o ator é um mero possibilitador do antagonista (o trem), não faz a mesma coisa. Isso significa que nossa visão do mundo movida pela dinâmica das forças nos torna irracionais na arena moral? Será que a visível diferença entre causar e possibilitar contamina nossa ética e torna nossas instituições pouco confiáveis? Não necessariamente. Valorizamos as pessoas não apenas pelo que elas fazem, mas pelo que são. E uma pessoa que é capaz de arremessar um homem ponte abaixo ou de tampar a boca de um bebê até ele parar de respirar é provavelmente capaz de outros atos horrendos que não venham acompanhados de uma redução redentora no número de vítimas. Mesmo deixando de lado a frieza que seria necessária para realizar tais ações, o tipo de pessoa que escolhe seus atos apenas pelo custo-benefício previamente calculado (cálculos que ele deixa só por sua conta) pode distorcer o total a seu favor sempre que as chances e a recompensa não forem determináveis, coisa que sempre acontece na vida real.

Steven Pinker (Do que é Feito o Pensamento; págs: 266 e 267)

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