16 de outubro de 2020

A ORIGEM DO CULTO RELIGIOSO

Falta, em geral, todo conceito de causalidade natural. Quando se rema, não é o remar que move o navio, mas remar é somente um cerimonial mágico pelo qual se força um demônio a mover o navio. Todas as doenças, a própria morte, são resultado de intervenções mágicas; no adoecer e morrer as coisas nunca se passam naturalmente; falta toda representação do “curso natural”. (...) Uma pedra que subitamente rola é o corpo em que um espírito está agindo; se jaz charneca solitária um bloco, se parece impossível pensar em força humana que o tenha trazido, a pedra deve ter movido a si mesma, isto é: deve albergar um espírito. (...) A natureza inteira, na representação de homens religiosos, é uma soma de ações de seres dotados de consciência e vontade, um complexo descomunal de arbitrariedade. (...) A meditação do homem que acredita na magia e no milagre visa impor à natureza uma lei -: e, dito concisamente, o culto religioso é o resultado dessa meditação. (...) Por súplica e oração, por submissão, pelo compromisso de prestar tributos e oferendas regulares, por glorificações lisonjeiras, é possível, pois, exercer também sobre as potências da natureza uma coação, atraindo para si sua afeição: amor liga e é ligado. (...) É uma espécie de coação mais poderosa, por magia e feitiçaria. (...) O sentido do culto religioso é determinar e confiar a natureza em proveito do homem, portanto, imprimir-lhe uma legalidade que de antemão ela não tem. (...) Em suma, o culto religioso repousa nas representações da feitiçaria entre homem e homem; e o feiticeiro é mais antigo do que o padre.

Friedrich Nietzsche (Humano, Demasiado Humano - Um Livro Para Espíritos Livres [Vol. 01]; págs: 79, 80 e 81)

Nenhum comentário: