28 de março de 2016

PECADO

Por que ela, há tanto e tão longo tempo, conseguia permanecer nessa situação sem enlouquecer, se não tinha forças para se atirar n'água? Claro, ele compreendia que a situação de Sônia era obra do acaso na sociedade, embora, infelizmente, nem de longe fosse única e exclusiva. Mas esse mesmo acaso, esse nível avançado e toda a vida pregressa dela podiam, parece, matá-la de uma só vez ao primeiro passo por esse caminho abominável. O que então a mantinha? Não era a perversão! Toda essa ignomínia, pelo visto, só a tocava mecanicamente; em seu coração ainda não havia penetrado nenhuma gota da verdadeira perversão. (...) "Ela tem três saídas - pensava ele -: atirar-se no canal, ir para um manicômio ou... ou... finalmente entregar-se à perversão, que entorpece a razão e petrifica o coração." A última ideia era a mais abominável para ele; mas ele já era cético, era jovem, dado a abstrações e, portanto, cruel, e por isso não podia deixar de crer que a última saída, ou seja, a perversão, fosse a mais provável. "Mas será que isso é verdade - exclamou ele de si para si -, será possível que até essa criatura, que ainda conserva a pureza de espírito, acabe afundando conscientemente nesse fosso abominável, fétido? Será possível que esse afundamento já tenha começado e ela só conseguiu aguentar-se até agora porque o vício já não lhe parece tão abominável? Não, não, isso não pode ser! - exclamou ele como há pouco o fizera Sônia. - Não, o que a impediu até agora de atirar-se no canal foi a ideia do pecado, e elas, aquelas... Se ela até agora não enlouqueceu... Mas quem disse que ela já não enlouqueceu? Estará em sã consciência? Por acaso pode-se falar do jeito que ela fala? Por acaso pode-se racionar em sã consciência como raciocina ela? Por acaso é possível viver à beira da perdição, em cima mesmo de um fosso fétido que já está arrastando-a e dar de ombros, e tapar os ouvidos aos avisos do perigo? O que há com ela, estará esperando por um milagre? Na certa está. Por acaso tudo isso não são indícios de loucura?

Fiódor Dostoiévski (Crime e Castigo; págs: 333 e 334)

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