15 de março de 2016

JÁ QUE TROUXE ESSE CÁLICE AOS LÁBIOS...

Bukowski

Se eu não acreditasse na vida, se perdesse a confiança na mulher querida, se perdesse a confiança na ordem das coisas, se me convencesse até de que tudo, ao contrário, é uma desordem, um caos maldito e talvez até demoníaco, mesmo que todos os horrores da frustração humana me atingissem, ainda assim eu teria vontade de viver, e já que trouxe esse cálice aos lábios não o afastaria de mim enquanto não o esvaziasse! Pensando bem, aí por volta dos trinta anos certamente largarei o cálice mesmo sem esvaziá-lo e me afastarei... não sei para onde. Mas até os trinta ano, disso estou firmemente certo, minha mocidade vencerá tudo - qualquer frustração, qualquer aversão à vida. Muitas vezes fiz a mim mesmo esta pergunta: se existirá no mundo um desespero que vença em mim essa sede frenética e talvez indecente de viver, e decidi que tal coisa parece não existir, ou, reiterando, não existe antes dos trinta anos, porque depois eu mesmo já não vou querer, assim me parece. Frequentemente uns moralistas tísicos e ranhosos, principalmente os poetas, chamam de torpe essa sede de viver. (...) mas por que é torpe? Ainda existe um volume colossal de força centrípeta em nosso planeta, Aliócha. Tenho vontade de viver e vivo, ainda que contrariando a lógica. Vá que eu não acredite na ordem das coisas, mas a mim me são caras as folhinhas pegajosas que desabrocham na primavera, me é caro o céu azul, é caro esse ou aquele homem de quem, não sei se acreditas, às vezes a gente não sabe porque gosta, me é caro um ou outro feito humano no qual a gente talvez tenha até deixado de acreditar há muito tempo e mesmo assim, movido pela lembrança antiga, o respeita de coração. (...) Aí não se trata de inteligência, nem de lógica, aí se ama com as entranhas, aí se gosta com o ventre, aí se ama com as primeiras forças da juventude...

Fiódor Dostoiévski (Os Irmãos Karamázov; págs: 317 e 318)

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