30 de junho de 2015

O DECLÍNIO DA VIOLÊNCIA

Nossas faculdades cognitivas nos predispõem a acreditar que vivemos em uma época violenta, especialmente porque são alimentadas pela mídia, que segue o lema: "Se tem sangue, dá audiência". A mente humana tende a estimar a probabilidade de um evento com base na facilidade com que consegue recordar exemplos, e é mais provável que cenas de carnificina, e não imagens de pessoas morrendo de velhice, sejam transmitidas para as nossas casas e fiquem gravadas em nossa memória. Por menor que possa ser a porcentagem de mortes violentas, em números absolutos elas sempre serão bastantes para encher o noticiário à noite, e com isso as impressões das pessoas sobre a violência serão desvinculadas das verdadeiras proporções. Outro fator que distorce nosso senso de perigo é a psicologia moral. Ninguém jamais recrutou ativistas para uma causa anunciando que as coisas estão melhorando, e os portadores de boas notícias frequentemente são aconselhados a ficar de boca fechada para não tranquilizar demais as pessoas e torná-las acomodadas. Além disso, uma grande parcela da nossa cultura intelectual abomina admitir que a civilização, a modernidade e a sociedade ocidental podem ter algo de bom. Mas talvez a principal causa da ilusão da onipresença da violência derive justamente de uma das forças que levaram à diminuição da violência. O declínio do comportamento violento ocorreu paralelamente ao declínio de atitudes que toleram ou exaltam a violência, e as atitudes muitas vezes andam na vanguarda. (...) Podemos descobrir que determinado avanço em direção à paz ocorreu graças a empreendedores morais e seus movimentos. Mas também (...) que explicação é mais prosaica, como uma mudança na tecnologia, no modo de governar, no comércio ou no conhecimento.

O Leviatã, um Estado e poder judiciário que tem o monopólio do uso legítimo da força, pode desativar a tentação do ataque oportunista, inibir o impulso de vingança e contornar os vieses do interesse próprio que fazem todas as partes acreditarem estar do lado dos anjos. O comércio é um jogo de soma positiva no qual todos podem ganhar; à medida que o progresso tecnológico vai permitindo a troca de mercadorias e ideias por longas distâncias e entre grupos maiores de parceiros comerciais, as outras pessoas tornam-se mais valiosas vivas do que mortas, o que diminui a probabilidade de serem alvo de demonização e desumanização. A feminização é o processo no qual as culturas aumentaram seu respeito pelos interesses e valores das mulheres. Como a violência é um passatempo principalmente masculino, as culturas que dão voz ativa às mulheres tendem a afastar-se do enaltecimento da violência e a diminuir sua probabilidade de gerar perigosas subculturas de homens jovens sem raízes. As forças do cosmopolitismo, como a alfabetização, a mobilidade e os meios de comunicação de massa, podem levar as pessoas a assumir a perspectiva dos que são diferentes delas e a expandir seu círculo de afinidades para inseri-las. Finalmente, uma aplicação cada vez mais intensa do conhecimento e da racionalidade nos assuntos humanos - a escada rolante da razão - pode forçar as pessoas a reconhecer a futilidade dos ciclos de violência, a privilegiar menos seus próprios interesses quando isso prejudica os demais e a reinterpretar a violência como um problema a ser resolvido em vez de uma disputa a ser ganha.

Steven Pinker (Os Anjos Bons da Nossa Natureza; págs: 20, 21, 25 e 26)

Nenhum comentário: