30 de junho de 2015

A AMEAÇA DO SUBCONSUMO

Setenta por cento da atividade econômica dos EUA dependem do consumismo. (...) Mas de onde vem o poder aquisitivo para comprar todos esses produtos? Deve haver, no fim das contas, uma quantidade extra de dinheiro que alguém tem em algum lugar para permitir a compra. Senão, há uma falta de demanda efetiva, definida como necessidades, vontades e desejos, apoiados pela capacidade de pagar. O que se chama de crise de "subconsumo" ocorre quando não há suficiente demanda efetiva para absorver os produtos produzidos. Quando trabalhadores gastam seu salário, isso se configura numa fonte de demanda efetiva. Mas a massa salarial é sempre menor do que o capital total em circulação (senão, não haveria lucro), assim a compra dos bens de sobrevivência que sustentam a vida diária (mesmo com um estilo de vida suburbano) nunca é suficiente para a venda com lucro da produção total. Uma política de repressão salarial só aumenta a possibilidade de uma crise de subconsumo. (...). 
 
A acumulação tornar-se duplamente especulativa: baseia-se na crença de que a expansão de amanhã não vai encontrar barreiras, de tal forma que o excedente de hoje possa ser efetivamente realizado. Isso significa que as antecipações e expectativas, como Keynes bem entendeu, são fundamentais para a continuidade da circulação do capital. Qualquer queda nas expectativas de especulação gerará uma crise. Na Teoria geral de Keynes, as soluções técnicas de políticas monetária e fiscal ocupam apenas uma pequena parte do argumento em comparação com a psicologia das expectativas e antecipações. A fé no sistema é fundamental e a perda de confiança, como aconteceu em 2008, pode ser fatal. (...) Há uma tentação permanente das pessoas em relação a guardar seu dinheiro, precisamente porque é uma forma de poder social. Mas quanto mais as pessoas fazem isso, mais ameaçam a continuidade da circulação. Soltar o dinheiro novamente para a circulação para obter mais poder social é como um ato de fé, ou exige instituições seguras e confiáveis nas quais se possa colocar seu dinheiro pessoal à disposição de outra pessoa em busca de aventuras lucrativas (que é, claro, o que os bancos tradicionalmente fazem). A confiança no sistema torna-se crucial. Esquemas de Ponzi de qualquer tipo minam essa confiança. A perda de confiança nos símbolos do dinheiro (o poder do Estado para garantir estabilidade monetária) ou na qualidade de dinheiro (inflação) leva à possibilidade de escassez monetária e ao congelamento dos meios de pagamento, do tipo que ocorreu no outono de 2008. (...).
 
O problema da queda dos lucros e as desvalorizações devido à falta de demanda efetiva podem ser mitigados por um tempo por meio de maquinações no sistema de crédito. Em curto prazo, o crédito serve para suavizar muitos pequenos problemas, mas, em longo prazo, tende a acumular as contradições e tensões. Ele espalha os riscos, ao mesmo tempo que os acumula. O verdadeiro problema não é a falta de demanda efetiva, mas a falta de oportunidades para o reinvestimento lucrativo do excedente conquistado ontem na produção. O fato de essa ser a única conclusão a tirar-se deriva, deve-se notar, da condição da circulação do capital, que é essencial para a sobrevivência do capitalismo: a continuidade do fluxo deve ser mantida em todos os momentos. E isso (...) torna-se muito mais difícil de fazer quando nos movemos para o terreno de uma economia global de 55 trilhões de dólares, que deve dobrar nos próximos trinta anos.

David Harvey (O Enigma do Capital; págs: 92, 97, 98 e 99)

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