30 de junho de 2015

A BÍBLIA HEBRAICA (ANTIGO TESTAMENTO)

Como as obras de Homero, a Bíblia hebraica (Antigo Testamente) é ambientada em fins do segundo milênio AEC, mas foi escrita mais de quinhentos anos depois. Em contraste com as obras de Homero, porém, a Bíblia é venerada hoje por bilhões de pessoas, que a consideram sua fonte de valores morais. Publicação mais vendida no mundo, foi traduzido para 3 mil línguas e é encontrada nas mesas de cabeceira de hotéis do mundo todo. Os judeus ortodoxos beijam-na com seus xales de oração; testemunhas nos tribunais americanos prestam juramento com a mão sobre ela. Até o presidente faz isso no juramento da posse. E, no entanto, apesar de toda essa reverência, a Bíblia é uma longa celebração da violência. (...) A bíblia retrata um mundo que, aos olhos modernos, é de uma selvageria chocante. As pessoas escravizam, estupram e assassinam membros de sua família imediata. Chefes militares chacinam civis indiscriminadamente, inclusive crianças. Mulheres são compradas, vendidas e roubadas como brinquedos sexuais. E Jeová tortura e massacra pessoas às centenas de milhares por desobediências triviais ou mesmo sem razão alguma. Não são atrocidades isoladas nem obscuras. Elas envolvem todos os principais personagens do Antigo Testamento, aqueles que as crianças desenham com creiom na escolha dominical. E aparecem em uma linha contínua de um enredo que se estende por milênios, começando por Adão e Eva e passando por Noé, os patriarcas, Moisés, Josué, os juízes, Saul, Davi, Salomão e mais além.

Steven Pinker (Os Anjos Bons da Nossa Natureza; págs: 36 e 41)

OS CINCO DEMÔNIOS INTERIORES

Muitas pessoas acreditam implicitamente na Teoria Hidráulica da Violência, segundo a qual os seres humanos nutrem internamente um impulso de agressão (um instinto de morte ou sede de sangue), que se acumula e precisa ser descarregado periodicamente. Nada poderia estar mais distante da visão científica contemporânea da psicologia da violência. A agressão não é um motivo único, muito menos um impulso que se avolume. Ela é produto de vários sistemas psicológicos que diferem em seus desencadeadores ambientais, em sua lógica interna, em sua base neurobiológica e em sua distribuição social. (...) A violência predatória ou instrumental é simplesmente a violência usada como um meio prático visando a um fim. A dominância é a ânsia de autoridade, prestígio, glória e poder, seja na forma de uma postura agressiva entre indivíduos do sexo masculino, seja nas disputas por supremacia entre grupos raciais, étnicos, religiosos ou nacionais. A vingança alimenta o impulso moralista de retaliação, punição e justiça. O sadismo é o prazer obtido com o sofrimento de outro. E a ideologia é um sistema compartilhado de crença, geralmente envolvendo uma visão utópica, que justifica a violência ilimitada na busca pelo bem ilimitado.

Steven Pinker (Os Anjos Bons da Nossa Natureza; pág: 24)

O DECLÍNIO DA VIOLÊNCIA

Nossas faculdades cognitivas nos predispõem a acreditar que vivemos em uma época violenta, especialmente porque são alimentadas pela mídia, que segue o lema: "Se tem sangue, dá audiência". A mente humana tende a estimar a probabilidade de um evento com base na facilidade com que consegue recordar exemplos, e é mais provável que cenas de carnificina, e não imagens de pessoas morrendo de velhice, sejam transmitidas para as nossas casas e fiquem gravadas em nossa memória. Por menor que possa ser a porcentagem de mortes violentas, em números absolutos elas sempre serão bastantes para encher o noticiário à noite, e com isso as impressões das pessoas sobre a violência serão desvinculadas das verdadeiras proporções. Outro fator que distorce nosso senso de perigo é a psicologia moral. Ninguém jamais recrutou ativistas para uma causa anunciando que as coisas estão melhorando, e os portadores de boas notícias frequentemente são aconselhados a ficar de boca fechada para não tranquilizar demais as pessoas e torná-las acomodadas. Além disso, uma grande parcela da nossa cultura intelectual abomina admitir que a civilização, a modernidade e a sociedade ocidental podem ter algo de bom. Mas talvez a principal causa da ilusão da onipresença da violência derive justamente de uma das forças que levaram à diminuição da violência. O declínio do comportamento violento ocorreu paralelamente ao declínio de atitudes que toleram ou exaltam a violência, e as atitudes muitas vezes andam na vanguarda. (...) Podemos descobrir que determinado avanço em direção à paz ocorreu graças a empreendedores morais e seus movimentos. Mas também (...) que explicação é mais prosaica, como uma mudança na tecnologia, no modo de governar, no comércio ou no conhecimento.

O Leviatã, um Estado e poder judiciário que tem o monopólio do uso legítimo da força, pode desativar a tentação do ataque oportunista, inibir o impulso de vingança e contornar os vieses do interesse próprio que fazem todas as partes acreditarem estar do lado dos anjos. O comércio é um jogo de soma positiva no qual todos podem ganhar; à medida que o progresso tecnológico vai permitindo a troca de mercadorias e ideias por longas distâncias e entre grupos maiores de parceiros comerciais, as outras pessoas tornam-se mais valiosas vivas do que mortas, o que diminui a probabilidade de serem alvo de demonização e desumanização. A feminização é o processo no qual as culturas aumentaram seu respeito pelos interesses e valores das mulheres. Como a violência é um passatempo principalmente masculino, as culturas que dão voz ativa às mulheres tendem a afastar-se do enaltecimento da violência e a diminuir sua probabilidade de gerar perigosas subculturas de homens jovens sem raízes. As forças do cosmopolitismo, como a alfabetização, a mobilidade e os meios de comunicação de massa, podem levar as pessoas a assumir a perspectiva dos que são diferentes delas e a expandir seu círculo de afinidades para inseri-las. Finalmente, uma aplicação cada vez mais intensa do conhecimento e da racionalidade nos assuntos humanos - a escada rolante da razão - pode forçar as pessoas a reconhecer a futilidade dos ciclos de violência, a privilegiar menos seus próprios interesses quando isso prejudica os demais e a reinterpretar a violência como um problema a ser resolvido em vez de uma disputa a ser ganha.

Steven Pinker (Os Anjos Bons da Nossa Natureza; págs: 20, 21, 25 e 26)

A AMEAÇA DO SUBCONSUMO

Setenta por cento da atividade econômica dos EUA dependem do consumismo. (...) Mas de onde vem o poder aquisitivo para comprar todos esses produtos? Deve haver, no fim das contas, uma quantidade extra de dinheiro que alguém tem em algum lugar para permitir a compra. Senão, há uma falta de demanda efetiva, definida como necessidades, vontades e desejos, apoiados pela capacidade de pagar. O que se chama de crise de "subconsumo" ocorre quando não há suficiente demanda efetiva para absorver os produtos produzidos. Quando trabalhadores gastam seu salário, isso se configura numa fonte de demanda efetiva. Mas a massa salarial é sempre menor do que o capital total em circulação (senão, não haveria lucro), assim a compra dos bens de sobrevivência que sustentam a vida diária (mesmo com um estilo de vida suburbano) nunca é suficiente para a venda com lucro da produção total. Uma política de repressão salarial só aumenta a possibilidade de uma crise de subconsumo. (...). 
 
A acumulação tornar-se duplamente especulativa: baseia-se na crença de que a expansão de amanhã não vai encontrar barreiras, de tal forma que o excedente de hoje possa ser efetivamente realizado. Isso significa que as antecipações e expectativas, como Keynes bem entendeu, são fundamentais para a continuidade da circulação do capital. Qualquer queda nas expectativas de especulação gerará uma crise. Na Teoria geral de Keynes, as soluções técnicas de políticas monetária e fiscal ocupam apenas uma pequena parte do argumento em comparação com a psicologia das expectativas e antecipações. A fé no sistema é fundamental e a perda de confiança, como aconteceu em 2008, pode ser fatal. (...) Há uma tentação permanente das pessoas em relação a guardar seu dinheiro, precisamente porque é uma forma de poder social. Mas quanto mais as pessoas fazem isso, mais ameaçam a continuidade da circulação. Soltar o dinheiro novamente para a circulação para obter mais poder social é como um ato de fé, ou exige instituições seguras e confiáveis nas quais se possa colocar seu dinheiro pessoal à disposição de outra pessoa em busca de aventuras lucrativas (que é, claro, o que os bancos tradicionalmente fazem). A confiança no sistema torna-se crucial. Esquemas de Ponzi de qualquer tipo minam essa confiança. A perda de confiança nos símbolos do dinheiro (o poder do Estado para garantir estabilidade monetária) ou na qualidade de dinheiro (inflação) leva à possibilidade de escassez monetária e ao congelamento dos meios de pagamento, do tipo que ocorreu no outono de 2008. (...).
 
O problema da queda dos lucros e as desvalorizações devido à falta de demanda efetiva podem ser mitigados por um tempo por meio de maquinações no sistema de crédito. Em curto prazo, o crédito serve para suavizar muitos pequenos problemas, mas, em longo prazo, tende a acumular as contradições e tensões. Ele espalha os riscos, ao mesmo tempo que os acumula. O verdadeiro problema não é a falta de demanda efetiva, mas a falta de oportunidades para o reinvestimento lucrativo do excedente conquistado ontem na produção. O fato de essa ser a única conclusão a tirar-se deriva, deve-se notar, da condição da circulação do capital, que é essencial para a sobrevivência do capitalismo: a continuidade do fluxo deve ser mantida em todos os momentos. E isso (...) torna-se muito mais difícil de fazer quando nos movemos para o terreno de uma economia global de 55 trilhões de dólares, que deve dobrar nos próximos trinta anos.

David Harvey (O Enigma do Capital; págs: 92, 97, 98 e 99)

26 de junho de 2015

UM BOM ANÚNCIO

O que é um bom anúncio? Existem três escolas de pensamento. Os cínicos dizem que um bom anúncio é o que foi aprovado pelo cliente. Outra escola aceita a definição de Raymond Rubicam: "A melhor característica de um grande anúncio é que não só o público é fortemente impactado por ele, mas também que tanto o público quanto o mundo da publicidade se lembram dele por muito tempo como um trabalho admirável." Eu produzi minha cota de anúncios que vêm sendo lembrados pelo mundo da publicidade como trabalhos admiráveis. Mas pertenço à terceira escola - a que sustenta que um bom anúncio é aquele que vende o produto sem atrair a atenção para si mesmo. Ele deve fixar a atenção do leitor no produto. Em vez de dizer "Que anúncio inteligente!", o leitor diz: "Eu não sabia disso. Preciso experimentar esse produto".

David Ogilvy (Confissões de um Publicitário; pág: 144)

15 REGRAS PARA LIDAR COM UMA AGÊNCIA

Mad Men

(01) Livre sua agência do medo.
A maioria das agências trabalha assustada, a maior parte do tempo. Isso se deve, em parte, ao fato de que muitas das pessoas que gravitam em torno do negócio da agência são naturalmente inseguras e, em parte, porque muitos clientes tornam indubitavelmente claro que estão sempre à procura de uma nova agência. Pessoas amedrontadas são incapazes de produzir boa publicidade. (...) Se eu fosse um cliente, faria tudo ao meu alcance para libertar minhas agências do medo, até mesmo lhes dando contratos de longo prazo. (...) Meu amigo Clarence Eldridge. (...) Esse judicioso conhecedor das relações cliente-agência acredita que "existe uma palavra que caracteriza o relacionamento ideal: CONTINUIDADE... Se quisermos alcançar continuidade, ela deve estar nas mentes das partes desde o primeiro momento. Deve ser construída deliberada e conscientemente dentro do relacionamento." (...) Agências de publicidade servem como bodes expiatórios muito convenientes. É mais fácil despedir a agência que admitir para os acionistas que há algo errado com o seu produto ou com a sua administração. Portanto, antes de despachar sua agência, faça a si mesmo estas perguntas:

(A) A Procter & Gamble e a General Foods conseguem serviços superlativos de suas agências e jamais demitiram uma delas. Por que não?

(B) A indicação de uma nova agência resolverá o seu problema ou simplesmente o empurrará para debaixo do tapete? Quais são as raízes reais do seu problema?

(C) Terá o seu produto se tornado obsoleto em comparação com os competidores?

(D) Terá você imposto a publicidade pela qual culpa agora a agência?

(E) Você vem amedrontando a agência a ponto de torná-la covarde?

(F) Será o seu gerente de publicidade tão imbecil que rejeitaria os melhores cérebros de qualquer agência?

(G) Como você se sentirá se um dos seus competidores herdar os segredos que sua agência adquiriu trabalhando com você?

(H) Você se dá conta de que uma mudança de agência pode perturbar sua operação de marketing por doze meses ou mais?

(I) Você foi sincero com o diretor da sua agência? Se você lhe revelasse a sua insatisfação, ele certamente estaria habilitado a entregar-lhe canhões com maior poder de fogo do que os que você encontraria numa nova agência.

(J) Você já pensou que, quando dispensa uma agência, faz com que a maioria dos homens e mulheres que trabalham na sua conta perca o emprego? Não haverá uma forma de evitar essa tragédia humana? (...) Diga-lhes exatamente o que acha insatisfatório atualmente nos seus serviços. Tenho certeza de que eles irão pôr a casa em ordem.

(02) Antes de mais nada, selecione a agência certa.
Amadores fazem essa seleção convocando um grupo de agências a apresentarem campanhas gratuitamente, em concorrências especulativas. As agências que vencem esses concursos são aqueles que usam seus melhores cérebros na solicitação de contas novas; relegam seus clientes aos cérebros do segundo time. Se eu fosse um industrial, procuraria uma agência que não tivesse departamento de novos negócios. As melhores agências não necessitam deles. Conseguem tantos clientes quantos podem atender, sem fazer campanhas especulativas. A forma sensata de escolher uma agência é contratar um gerente de publicidade que saiba o suficiente sobre o mundo da publicidade para fazer um julgamento bem informado. Peça-lhe que exiba anúncios e comerciais representativos das três ou quatro agências que considere as mais qualificadas para a sua conta. Então, ligue para alguns dos clientes delas. Isso pode ser particularmente revelador quando você liga para anunciantes como a Procter & Gamble, Lever, Colgate, General Foods e Bristol-Myers, que usam várias agências; eles podem lhe dar referências seguras sobre a maioria das agências importantes. Então, convide o executivo-chefe de cada uma das principais contendoras a trazer dois de seus executivos para jantar em sua casa. Deixe que as línguas se soltem. Observe se são discretos sobre os segredos de seus atuais clientes. Observe se têm fibra para discordar quando você diz alguma bobagem. Observe o relacionamento mútuo: eles são colegas profissionais ou politiqueiros briguentos? Eles prometem a você resultados obviamente exagerados? Eles parecem vulcões extintos ou estão vivos? São bons ouvintes? São intelectualmente honestos?

Acima de tudo, descubra se você gosta deles. O relacionamento entre cliente e agência tem que ser íntimo e pode virar um inferno se a química pessoal for azeda. Não cometa o erro de pressupor que sua conta será negligenciada numa grande agência. Os jovens nas funções operacionais das grandes agências são frequentemente mais capazes e mais empenhados que os altos figurões. Por outro lado, não assuma que uma grande agência pode dar-lhe mais serviço que uma pequena. O número de pessoas empregadas em sua conta será aproximadamente o mesmo na pequena ou na grande agência. Cerca de nove pessoas para cada milhão de dólares que você investe.

(03) Informe a sua agência ampla e profundamente.
Quanto mais a sua agência souber sobre sua companhia e seu produto, melhor serviço dará a você. Quando a General Foods contratou nossa agência para anunciar o café Maxwell, deram-se ao trabalho de nos ensinar tudo sobre o negócio de café. Dia após dia, sentávamos junto aos seus peritos, ouvindo preleções sobre café verde, misturas, torrefação, preços e sobre os mistérios econômicos da indústria. Alguns gerentes de publicidade são por demais preguiçosos ou ignorantes para brifar suas agências convenientemente. Nesses casos, temos que mergulhar nos fatos por nossa conta. O atraso que isso causa à produção da primeira campanha desmoraliza todos os envolvidos.

(04) Não compita com sua agência na área criativa.
Para que ter um cachorro e latir você mesmo? Palpites constantes vindos do banco do passageiro liquidam com os melhores homens de criação. Se você agir assim... Deus o proteja. Torne claro ao seu gerente de publicidade que a responsabilidade pela criação das campanhas não é dele, mas da agência. E proíba-o de diluir essa responsabilidade. (...) Em algumas agências é permitido aos executivos de contas mandar no pessoal criativo. (...) Isso cria uma atmosfera que inibe os redatores, e o cliente acaba recebendo publicidade de segunda classe. Em outras agências, os executivos de contas são pouco mais que garçons que levam as confecções dos criadores para os clientes. (...) Virando meninos de recado. (...) Deploro ambos os sistemas. (...) Os executivos de contas são suficientemente maduros para administrar todas as situações de suas contas sem desafiar a soberania final do criador. É um equilíbrio delicado. (...) Não ensinaram aos homens de negócios americanos que é pecado aborrecer os seus semelhantes. (...)

(05) Afague a galinha dos ovos de ouro.
A mais importante operação a que as agências são convocadas talvez seja a preparação da campanha para um novo produto que ainda não saiu do laboratório. Isso nos exige a criação de uma imagem total ab ovo. (...) Exige imaginação viva, temperada por argúcia em marketing. (...) Se investissem no trabalho criativo de lançamento de novos produtos metade do que investem no trabalho técnico de desenvolvimento do produto, veriam abortar um número menor de suas concepções.

(06) Não submeta sua publicidade a demasiados níveis de julgamento.
Conheço um anunciante que faz suas agências aprovarem as campanhas por cinco diferentes escalões da companhia, cada escalão tendo o poder de discussão e de veto. Isso tem graves consequências. Pode causar o vazamento de informações secretas. Prende homens úteis numa série interminável de reuniões desnecessárias. Complica a límpida simplicidade das apresentações originais e, pior que tudo, envenena a atmosfera com "políticas de criação". Os criadores aprendem a conquistar votos atendendo aos caprichos de diferentes executivos. Quando um redator se torna um político, qualifica-se para a descrição de John Webster: "Um político imita o demônio, assim como o demônio imita um canhão: onde quer que ele chegue para fazer uma maldade, chega com o traseiro virado para você" (The White Devil, c. 1608). A maioria dos comerciais confusos que você vê na televisão, hoje em dia, é fruto do trabalho de comitês. Comitês podem criticar anúncios, mas não deveriam jamais ser autorizados a criá-los. A maioria das campanhas que levaram marcas à fama e à fortuna surgiu da parceria entre dois homens: um redator talentoso trabalhando lado a lado com um cliente inspirador. (...) Clientes de sete cabeças apresentam problemas insolúveis.

(07) Assegure-se de que a sua agência tenha lucro.
Sua conta compete com todas as outras contas da agência. Se ela não for lucrativa, é pouco provável que a administração da agência coloque a seu serviço os melhores profissionais. E, cedo ou tarde, eles irão em busca de uma conta lucrativa para substituir a sua. (...) A experiência ensinou-me que os anunciantes conseguem melhores resultados quando pagam à agência um fee determinado. O sistema convencional de comissão de 15% é um anacronismo, particularmente nas contas de produto de largo consumo, em que se espera que a agência dê conselhos objetivos sobre a divisão das despesas de marketing entre publicidade comissionada e promoções não comissionadas. Não é realista esperar que a agência seja imparcial quando seus interesses particulares repousam totalmente no incremento da publicidade comissionada. Parece-me que o relacionamento cliente-agência é mais satisfatório quando os ganhos da agência não estão relacionados com o tamanho da verba que ela possa convencer seus clientes a gastar em publicidade. Prefiro ficar numa posição que me permita aconselhar meus clientes a gastar mais sem que suspeitem dos meus motivos. E gosto de estar na posição de aconselhar meus clientes a gastar menos sem incorrer na ira dos meus próprios acionistas.

Não temo uma guerra de preços entre agências. Um período de competição de preços fortaleceria as boas e poria as ruins para fora do negócio. O padrão geral de performance das agências melhoraria. As boas agências deveriam ser pagas com valores mais altos que as más. (...) Durante trinta anos essa augusta sociedade [Associação Americana de Agências de Publicidade] conseguiu fixar o preço dos serviços das agências em 15%, e minha participação na associação dependia da firme obediência a essa regra. Em 1956, o Governo dos Estados Unidos interveio para proibir essa coação, mas a tradição permaneceu. Qualquer agência de publicidade que rejeitasse o valor convencional da comissão era vista como uma malfeitora. Profetizo que a opinião da Madison Avenue mudará. Aliás, espero ser lembrado como o herege que foi o pioneiro numa atitude que confere status profissional aos agentes de publicidade.

(08) Não pechinche com a sua agência.
Se você tolerar que os chicaneiros do seu staff regateiem com sua agência sobre o pagamento de suas contas, estará cometendo um erro. Se, por exemplo, você for mesquinho no orçamento de pesquisa, acabará sem pesquisa suficiente. A agência será forçada a voar às cegas. Isso poderá custar a você sua própria companhia. Se, por outro lado, você se propuser a pagar pré-testes de comerciais, ou a publicação segmentada de anúncios experimentais e todo o aparato de pesquisa publicitária, você estará tornando financeiramente viável que sua agência se dedique à busca contínua de publicidade mais lucrativa. Não espere que a agência pague por todos os poços secos que ela perfurar a seu serviço. Se, por exemplo, ela produz um comercial de televisão que não funciona tão bem quanto o storyboard prometia, peça-lhe que tente outra vez, às suas custas. A televisão é um meio infernalmente difícil de usar. (...)

(09) Seja sincero e encoraje a sinceridade.
Se você acha que sua agência está tendo um desempenho ruim ou se você pensa que um determinado anúncio é fraco, não faça rodeios. Exponha a sua opinião alto e bom som. Podem ocorrer consequências desastrosas quando um cliente não usa a franqueza nas relações do dia a dia com sua agência. Não estou sugerindo que você faça ameaças. Não diga: "Você é um amador incompetente, e eu contratarei outra agência a menos que você volte amanhã com um grande anúncio!" Tal brutalidade só servirá para paralisar as tropas. É melhor dizer: "O que você acaba de me mostrar não está à altura de seus altos padrões habituais. Por favor, faça uma nova tentativa." Ao mesmo tempo, você deve explicar exatamente o que acha inadequado naquilo que foi apresentado. Não deixe que a agência tenha que adivinhar. Esse tipo de sinceridade encorajará a agência a ser igualmente sincera com você, e nenhuma parceria pode frutificar sem sinceridade de ambas as partes.

(10) Estabeleça altos padrões.
Combata a mediocridade. Deixe claro que você espera que sua agência atinja as estrelas - e derrame elogios quando eles o conseguem. Muitos clientes acham cômodo culpar a agência quando as vendas caem, mas são mesquinhos em dar o crédito para a agência quando as vendas crescem. Isso mata o estímulo. Mas nunca deixe que sua agência descanse sobre os seus lauréis. Continue incitando-os a buscarem maiores altitudes. Pode ser que você tenha uma boa campanha no ar. No dia seguinte da aprovação, peça à agência que comece a criar uma melhor. Tão logo você encontre uma campanha que os testes mostrem ser melhor que sua campanha atual, mude para ela. Mas nunca abandone uma campanha só porque você se cansou dela; as donas de casa não veem seus anúncios tão frequentemente quanto você. O melhor de tudo é conseguir uma grande campanha e mantê-la por muitos anos. O problema é encontrar a grande campanha. (...)

(11) Teste tudo.
A palavra mais importante no vocabulário da publicidade é TESTE. Se você pré-testar o seu produto com os consumidores e pré-testar sua publicidade, terá sucesso no mercado. (...) Teste sua promessa. Teste sua mídia. Teste seus títulos e ilustrações. Teste o tamanho dos seus anúncios. Teste a frequência. Teste o nível de investimento. Teste os comerciais. Nunca pare de testar, e sua publicidade nunca irá parar de melhorar.

(12) Apresse-se.
Muitos jovens nas grandes corporações se comportam como se o lucro não dependesse do tempo. Quando Jerry Lambert conquistou sua primeira vitória espetacular com Listerine, ele acelerou o processo inteiro de marketing, dividindo o tempo em meses. Em vez de amarrar-se a planos anuais, Lambert revisava sua publicidade e seus lucros mês a mês. O resultado foi que ele faturou 25 milhões de dólares em oito anos, o que exigiria doze vezes mais tempo da maioria das pessoas. Nos tempos de Jerry Lambert, a Lambert Pharmacal Company se regulava pelos meses e não pelos anos. Recomendo esse ritmo a todos os anunciantes.

(13) Não perca tempo com crianças-problema.
A maioria dos anunciantes e suas agências gastam tempo demais preocupando-se em reviver produtos em dificuldade e tempo de menos preocupando-se em fazer um produto de sucesso ter um sucesso maior ainda. Na publicidade, a marca da bravura de um homem está em olhar cara a cara os resultados desfavoráveis de um teste, cortar as perdas e seguir em frente. Nem sempre é preciso descontinuar o produto. Algumas vezes é possível fazer grandes lucros fora das vacas leiteiras. Pouquíssimos mercadólogos sabem como tirar o leite de marcas moribundas. É como entrar com mão fraca no jogo do pôquer. Concentre seu tempo, seu cérebro e a verba de publicidade em seus sucessos. Reconheça o sucesso quando ele surge e incremente sua publicidade. Apoie seus vitoriosos e abandone seus perdedores.

(14) Tolere o gênio.
Conan Doyle escreveu  que "a mediocridade não conhece nada melhor que ela mesma". Tenho observado que os homens medíocres reconhecem o gênio, ressentem-se dele e sentem-se compelidos a destruí-lo. Existem poucos homens de gênio nas agências de publicidade. Mas precisamos de todos os que pudermos encontrar. Quase sem exceção, eles são desagradáveis. Não os destruam. Eles põem ovos de ouro.

(15) Não gaste de menos.
Diz Charlie Mortimer, presidente da General Foods e ex-gerente de publicidade da companhia: "A maneira mais segura de gastar demais em publicidade é não gastar o suficiente para fazer um trabalho bem-feito. É como comprar três quartos de uma passagem para a Europa; você gastou menos dinheiro, mas não chega lá." Sou levado a pensar que nove entre dez orçamentos de publicidade são muito pequenos para cumprir a missão que lhes é destinada. Se a sua marca gera menos de dois milhões de dólares por ano para publicidade, não tente uma campanha nacional contínua. Puxe as rédeas. Concentre o dinheiro que você tem nos seus mercados mais lucrativos. Ou enfoque sua publicidade para um determinado grupo de renda. Ou abandone completamente a publicidade. Odeio admiti-lo, mas existem outros caminhos para a fortuna.

David Ogilvy (Confissões de um Publicitário; págs: 119, 120, 122, 123, 124, 125, 126, 127, 128, 129, 130, 131, 132, 133, 134, 135, 136, 138, 139, 140, 141 e 142)

24 de junho de 2015

EU PENSAVA QUE TUDO ERA O QUE ERA

ela amava você?
somente como uma extensão de si mesma.
o que mais pode ser o amor?
o senso comum de querer muito alguma coisa muito boa. não se precisa estar relacionado por laços de sangue. pode ser uma bola de praia vermelha ou uma fatia de torrada com manteiga.
você está querendo dizer que você pode AMAR uma fatia de torrada com manteiga?
somente algumas, senhor. em determinadas manhãs. sob determinados raios de sol. o amor chega e vai embora sem avisar.
é possível amar um ser humano?
é claro, especialmente se você não os conhece muito bem. eu gosto de olhar para eles através da minha janela, caminhando na rua.
Stirkoff, você é um covarde?
é claro, senhor.
qual é a sua definição de covarde?
um homem que pensaria duas vezes antes de lutar com um leão com as mãos nuas.
e qual é a sua definição de um homem corajoso?
um homem que não sabe o que é um leão.
qualquer homem sabe o que é um leão.
qualquer homem pensa que sabe.
e qual é a sua definição de um tolo?
um homem que não se dá conta que o tempo, a Estrutura e a Carne em sua maior parte se desgastam.
então quem é que é sábio?
não existe nenhum sábio, senhor.
então não pode haver nenhum tolo. se não existe noite não pode existir dia; se não existe branco não pode existir preto.
sinto muito, senhor. eu pensava que tudo era o que era, não dependendo de qualquer outra coisa.

Charles Bukowski (Notas de um Velho Safado; pág: 233 e 234)

23 de junho de 2015

REVOLUCIONÁRIOS

 
O que esses malditos revolucionários que ficam zanzando ao redor do meu apartamento bebendo a minha cerveja e comendo a minha comida e exibindo as suas mulheres precisam aprender é que a coisa deve vir de dentro pra fora. não se pode dar a um homem um novo governo como um novo chapéu e esperar um homem diferente dentro desse chapéu. (...) e aí com o que é que você termina: um governo ACIMA do povo. um novo ditador com vestes de ovelha; a ideologia era apenas para a manutenção das armas. (...) revolução soa muito romântico, vocês sabem. mas não é. é sangue, culhão e loucura; é menininhos mortos que ficam no caminho, menininhas que não entendem porra nenhuma do que está acontecendo. é a sua puta, a sua mulher rasgada na barriga por uma baioneta e depois estuprada no cu enquanto você olha. é homens torturando homens que costumavam rir com as histórias do Mickey Mouse. antes de você entrar na coisa, decida onde está o espírito e onde ele estará quando a coisa tiver terminado. (...) antes de você matar qualquer coisa certifique-se se tem alguma coisa melhor para pôr no lugar; alguma coisa melhor do que oportunismo político e críticas rancorosas nos parques públicos. se você vai pagar um custo tão elevado arranje algo melhor do que uma garantia de 36 meses. até agora eu não tenho visto nada além dessa vontade emocional e romântica pela Revolução; não vi nenhum líder sólido nem nenhuma plataforma realista para se assegurar CONTRA a traição que tem, até o presente momento, se seguido. (...) uma coisa é falar da Revolução enquanto sua barriga está cheia de cerveja de um outro homem e você está viajando com uma garota de dezesseis anos de Grand Rapids que fugiu de casa; uma coisa é falar sobre a Revolução enquanto três escritores imbecis de fama internacional lhe convidam pra dançar o jogo do OOOOOOOOOOMMM; outra coisa é a sua realização, outra coisa é fazer a coisa acontecer. (...).

e a maconha. eles sempre equacionam maconha com Revolução. a maconha não é assim tão boa. pelo amor de Deus, se eles legalizarem a maconha a metade das pessoas parariam de fumá-la. a proibição cria mais bêbados que berrugas de avó. é só aquilo que você não pode fazer que você tem vontade de fazer. (...) mas os Revolucionários queimarão o museu. eles acham que o incêndio resolve tudo. queimariam a sua avó se ela não conseguisse correr o suficientemente rápido. (...) e descobrirão quantos ratos moram na cidade (...) e descobrirão que os ratos são as últimas coisas a se afogar, a queimar, a morrer de fome; que eles são as primeiras coisas com capacidade de achar comida e água porque estiveram fazendo isso durante séculos sem nenhuma ajuda. os ratos são os verdadeiros revolucionários; os ratos são os verdadeiros undergrounds, (...) não estou dizendo desistam. sou pelo verdadeiro espírito humano onde quer que ele esteja, onde quer que ele tenha se escondido, o que quer que ele seja. mas cuidado com os caubóis que fazem a coisa soar tão boa e deixam você num platô com 4 tiras da pesada e oito ou nove rapazes da guarda nacional e apenas o seu umbigo como uma última prece. os rapazes berrando pelo seu sacrifício nos parques públicos são geralmente os que estão mais longe quando o tiroteio começa. eles querem viver para escrever as suas memórias.

Charles Bukowski (Notas de um Velho Safado; págs: 83, 84, 85, 86, 87 e 88)

"SE UM HOMEM MORRE NA CAMA NO MEIO DE UMA FODA, O RESTO DE NÓS VAI TER QUE PARAR DE COPULAR?"

Sou avisado pelos tementes-a-Deus que pequei porque nasci como um ser humano e que certa vez alguns seres humanos fizeram alguma coisa a um certo Jesus Cristo. eu não matei Cristo ou Kennedy e o Gov. Reagan também não. isso faz com que nós fiquemos no mesmo plano de igualdade e não ele o único a ficar por cima. eu não vejo nenhuma razão para perder nenhuma liberdade civil ou espiritual, por menores que elas já andem agora. quem está fazendo quem de bobo? se um homem morre na cama no meio de uma foda, o resto de nós vai ter que parar de copular?

Charles Bukowski (Notas de um Velho Safado; pág: 62)

SUA PRESENTE SITUAÇÃO

Vou dizer apenas o seguinte, fora dum pano de fundo de fábricas, bancos de praça, subempregos, péssimas mulheres, mau tempo de Vida - a razão pela qual o tipo médio de pessoa que frequenta as corridas é que acabou se fodendo na volta do parafuso -, pela cara enlouquecida do chefe de seção, pela mão do proprietário, pelo sexo morto do amante; imposto, câncer, depressões; roupas que se destroçam na terceira vestida, água que tem gosto de mijo, médicos que dirigem congressos e consultórios indecentes, hospitais sem coração, políticos com crânios repletos de buce... e poderíamos seguir adiante mas seríamos acusados de sermos amargos e dementes, mas é o mundo que faz de todos nós loucos e loucas, e até mesmo os santos estão dementes nada está a salvo. (...) A razão pela qual a maioria das pessoas está nas pistas de corrida é que elas estão agoniadas, é isso ai, e estão tão desesperadas que se arriscarão a mais uma outra agonia ao invés de encarar sua presente situação (?) perante a vida. agora, os figurões não chegam a ser nem a metade tão bundões quanto nós pensamos que eles sejam. (...) Nós somos fisgados, esbofeteados e cortados em pedacinhos estupidamente. tão estupidamente que alguns de nós acabam finalmente amando nossos atormentadores porque eles estão lá para nos atormentar de acordo com linhas lógicas de tortura. e isto parece assim tão razoável, porque não há nada melhor pintando. tem que estar certo porque é tudo que existe.

Charles Bukowski (Notas de um Velho Safado; págs: 54 e 55)

FREUD ANALISA CHAPLIN

Felizmente, Freud registrou uma viva análise das conexões entre o trabalho de Chaplin e a psicologia: (...) Ele, indubitavelmente, é um grande artista; certamente, sempre retrata uma única e a mesma figura: somente o jovem fraco, pobre, desamparado e desajeitado, para quem, no entanto, tudo acaba bem. Agora, você acha que ele se esqueceu de seu próprio ego para esse papel? Pelo contrário, ele interpreta sempre a si mesmo, em sua juventude sombria. Ele não pode se livrar daquelas impressões e até hoje obtém compensação pelas frustrações e humilhações de seu passado. Ele é, por assim dizer, um caso excepcionalmente simples e transparente. A ideia de que as realizações dos artistas estão intimamente ligadas com suas memórias, impressões, repressões e desapontamentos infantis já nos trouxe muita compreensão, e, por isso, se tornou muito preciosa para nós.

David Robinson (CHAPLIN - uma biografia definitiva; pág: 445)

"COMO UMA COBRA QUE SOLTA A PELE DE VEZ EM QUANDO"

Chaplin disse a Burke:

"Deus, você se sente como se fosse um morto voltando à vida. Cheirar aquele cheiro do refeitório, e lembrar que era ali que você sentava, e que foi você quem fez aquela marca no pilar. Só que não era você. Era você em outra vida - sua alma gêmea -, algo que você foi e que não é mais. Como uma cobra que solta a pele de vez em quando. É uma das peles que você largou, mas ainda há o seu cheiro nela".

David Robinson (Chaplin - uma biografia definitiva; pág: 432)

COMO CHAPLIN FEZ BONS FILMES


Tínhamos uma ideia básica da história, então, repetíamos o mesmo incidente todos os dias. Nós filmávamos por três ou quatro dias, depois parávamos por duas semanas e reescrevíamos, aperfeiçoávamos, ensaiávamos e refinávamos. Charlie tinha uma paciência de Jó. Nada era trabalho demais. Um perfeccionista de verdade. Trabalhando nessa base, levaríamos cerca de um ano para rodar o filme, porque Charlie tinha outra teoria, na qual ele realmente acreditava. Ele dizia: "eu filmo uma sequência e, se não ficar completamente satisfeito com ela, filmo de novo no dia seguinte. Isso só me atrasa um dia na programação." Bem, ele não se importava em atrasar um dia todos os dias. Esse era o modo como trabalhávamos e foi assim que ele fez bons filmes, porque podia pagar por isso e era um grande perfeccionista.

David Robinson (CHAPLIN - Uma biografia definitiva; pág: 316)

CHAPLIN E SEUS FILMES


Chaplin - cujo arquivo do FBI tem mais de 1900 páginas - exerce uma fascinação patente sobre Hoover [J. Edar Hoover]. Na raiz disso, sem dúvida, estava o fato de que os filmes de Chaplin eram sobre os mendigos, os desempregados e os pobres - os marginalizados da sociedade. Para Hoover, isso queria dizer perigo, em uma época na qual a América capitalista era assombrada pelo espectro latente da agitação trabalhista, resultado da redução de salários, aumento de preços e do desemprego crescente.

David Robinson (Chaplin - uma biografia definitiva; pág: 304)

NO FIM É SÓ VOCÊ

Não há nada mais belo que fazer as pessoas esquecerem seus ovos e bacon do café da manhã, nada como a admiração do mundo - isso não vale nada -, pois, no final, só há você mesmo a agradar: você faz tudo aquilo porque significa algo pra você. Você trabalha porque tem uma superabundância de energia vital. Você descobre que, além de fazer filhos, também pode se expressar de outros modos. No fim, é você - só você -, seu trabalho, seu pensamento, sua concepção do belo, sua felicidade, sua satisfação. Seja corajoso o bastante para encarar o véu e levantá-lo, e veja e conheça o vazio que ele esconde, e fique diante desse vazio e saiba que, dentro de você, está o seu mundo [...]

Charles Chaplin

David Robinson (CHAPLIN - uma biografia definitiva; pág: 294)

19 de junho de 2015

A BUSCA DA FELICIDADE EM NÓS COM OS OUTROS

A resposta de Chaplin a Hetty, datada de 18 de julho de 1918 (...). É um misto de entusiasmo e reserva, de prazer e constrangimento:
 
Querida Hetty,
 
É sempre o inesperado que acontece, tanto nos filmes quanto na vida real. Você pode imaginar que prazer inesperado foi para mim quando descobri sua carta em minha mesa esta manhã. (...) Receber notícias justamente de você, depois de tantos anos! Certamente fiquei emocionado, e ainda tinha alguma esperança de que você me escrevesse algum dia por causa dos interessantes eventos que aconteceram em nossas vidas; e, acima de tudo, porque ter notícias de velhos amigos é sempre um prazer. (...) Logicamente, o ambiente e as amizades podem ter aperfeiçoado seu ponto de vista, porém, sua encantadora personalidade é evidente - a qual, a meu ver, é o maior bem das pessoas. Em sua carta você me perguntou como eu vou, etc... Bem, fisicamente estou perfeito. Moralmente? Bem, sou tudo o que se podia desejar para um jovem de 29 anos. Ainda estou solteiro, mas isso não é culpa minha. E agora, falando filosoficamente  - do mesmo modo que você, meu ambiente tem me dado um panorama particular da vida. Suponho que eu tenha chegado à época pessimista da juventude, mas ainda há esperança, pois tenho a inestimável qualidade de ser curioso sobre a vida e sobre as coisas que atiçam meu entusiasmo. Você lembra, Hetty, uma vez eu lhe disse que o dinheiro e o sucesso não eram tudo? Naquele tempo, eu não tinha a experiência de nenhum deles, mas sentia que era assim, e agora já experimentei ambos. E descobri que a busca da felicidade pode acontecer somente dentro de nós mesmos e no interesse de outros. Mas basta de filosofia.

David Robinson (CHAPLIN - uma biografia definitiva; págs: 276 e 277)

OS ASTROS SOB CONTROLE

As companhias de cinema estavam planejando uma estratégia para pôr fim nos salários astronômicos que os maiores astros podiam, àquela altura, exigir. A ideia, e eles preconizaram corretamente, era organizar uma grande fusão das maiores companhias produtoras e um monopólio dos pontos de distribuição, dessa maneira, colocando novamente os astros sob controle.

David Robinson (CHAPLIN - Uma biografia definitiva; pág: 267)

EM MEMÓRIAS DO MUT


Aparentemente, ele tinha ficado tão apegado ao dono que definhou durante sua ausência, recusando-se a comer e morreu. Ele foi enterrado no terreno do estúdio, sob um pequeno memorial composto de refugos arranjados artisticamente, com o epitáfio: "Mut, falecido em 29 de abril - de coração partido". Seu único papel em um filme garantiu-lhe sua pequena dose de imortalidade.

David Robinson (Chaplin - uma biografia definitiva; pág: 239)







PEQUENO TRUQUE

Um deles estava assobiando enquanto Charlie tentava trabalhar, ao que Chaplin se virou furiosamente para Robinson, acusando-o de ser ele o assobiador. Mais tarde, Robinson perguntou-lhe se ele realmente achava que era o culpado. Charlie respondeu: "Oh! Claro que não. Mas eu tive que usar esse pequeno truque. Não podia eu mesmo repreender meu convidado; e assim, fiz com que fosse sua responsabilidade!".

David Robinson (CHAPLIN - Uma biografia definitiva; pág: 201)

SE HÁ UM TIPO HUMANO QUE TODO MUNDO QUER VER SE DAR MAL, É O POLICIAL


Se há um tipo humano que todo mundo quer ver se dar mal, é o policial. Logicamente, o policial não pode ser culpado pelo preconceito do público pelo uniforme - apenas é da natureza humana se revoltar contra qualquer tipo de autoridade. Porém, essas mesmas pessoas amam ver o "tira" morrer. Então, para começar, eu me previno, deixando meus amigos entenderem que não sou um policial de verdade, exceto no sentido de que fui designado para um serviço especial - de maltratar um valentão. Claro que meu trabalho foi talhado para lidar com um problema assim, e a simpatia da plateia está comigo, mas eu também tenho o elemento de suspense, que é incalculável em um enredo de cinema. A suposição natural é a de que o policial vai ser prejudicado, e há um grande interesse em como vou me sair no combate, aparentemente desequilibrado, com o "valentão" Campbell. Há mais contraste entre o ritmo da minha comédia e a comédia em geral e a concepção popular de dignidade que se supõe resguardar o oficial de polícia.

Reflexões de Charles Chaplin acerca do filme Rua da Paz.

David Robinson (Chaplin - Uma Biografia Definitiva; pág: 192)

A GRAÇA DA DIGNIDADE

Mais engraçado que um homem que fez papel ridículo é o homem que, tendo algo engraçado lhe acontecido, recusa-se a admitir que algo fora do comum tenha ocorrido, tentando manter a dignidade. Talvez o melhor exemplo seja o homem embriagado que, embora denunciado pelo seu falar e andar, tenta, dignamente, nos convencer de que está sóbrio. Ele é ainda mais engraçado que o homem que, tremendamente hilário, está francamente bêbado e não dá a mínima se alguém sabe disso. Os personagens bêbados no teatro são quase sempre "ligeiramente bêbados", e tentam manter a dignidade, porque os gerentes teatrais aprenderam que essas tentativas de dignidade são engraçadas.

Artigo de Charlie Chaplin na American Magazine.

David Robinson (Chaplin - Uma Biografia Definitiva; págs: 172 e 173)

CONTRAOFERTA


Chaplin disse que queria mil dólares por semana por mais um ano de contrato, ao que Sennett protestou dizendo que era mais do que ele mesmo ganhava. Chaplin o lembrou que não era por causa do nome de Sennett que o público fazia filas nos cinemas, mas por causa dele. Sennett argumentou dizendo Ford Sterling já tinha se arrependido da decisão de sair da Keystone, ao que Chaplin respondeu que tudo o que ele precisava para fazer uma comédia era um parque, um policial e uma garota bonita. Sennett, aparentemente, pediu conselhos a Kessel e Baumann, e retornou com uma contraoferta. Ele ofereceu um ano de contrato, com salário de 500 dólares por semana no primeiro ano, 750 dólares por semana no segundo ano e 1500 dólares no terceiro ano de contrato. Chaplin disse que concordaria se os termos fossem invertidos: 1500 dólares no primeiro ano, 750 no segundo e 500 no terceiro ano de contrato. Evidentemente perplexo com a percepção econômica de Chaplin, Sennett deixou o assunto morrer.

David Robinson (CHAPLIN - Uma biografia definitiva; págs: 128 e 129)

O PONTO CRUCIAL DA COMÉDIA DE CHAPLIN

O ponto crucial da comédia de Chaplin não é a ocorrência cômica em si, mas a relação e a atitude de Chaplin para com essas ocorrências. No estilo Keystone, bastava trombar com uma árvore para ser engraçado. Quando Charlie tromba com uma árvore, no entanto, não é a trombada que é engraçada, mas o fato de ele tirar o chapéu para a árvore em um gesto reflexo de desculpas.

David Robinson (Chaplin - Uma Biografia Definitiva; pág: 112)

O MATERIAL DA COMÉDIA

América do início do século XX. Era um mundo de ruas selvagens e poeirentas, com casas de madeira de um só aposento; de armazéns e lojas de ferragens, dentistas e saloons; restaurantes e salões de beleza; vestíbulos de hotéis baratos; dormitórios com camas de ferro e lavatórios raquíticos; estradas de ferro e automóveis angulosos que estavam tomando o lugar dos cavalos e das charretes; homens com chapéus-coco e grandes suíças; senhoras com chapéus emplumados e saias balonê; crianças mimadas e cachorros perdidos. O material da comédia era a caricatura severa das alegrias e terrores ordinários da vida cotidiana.

David Robinson (Chaplin - Uma Biografia Definitiva; págs: 105 e 106)

18 de junho de 2015

O HUMOR ESTÁ NO INESPERADO

Bill Gates (1998)

Uma fala lenta podia ser, geralmente, mais efetiva que um discurso rápido, mas que, de qualquer modo, o ritmo devia variar para evitar a monotonia; que o humor está no inesperado, então, é mais engraçado se um homem não está esperando aquela torta que é jogada em sua cara.

David Robinson (Chaplin - Uma Biografia Definitiva; pág: 88)

O DRAMATURGO

Gillette [William Gillette (1855-1937)]. Ele dizia que o dramaturgo não deve estudar dramaturgia, e sim o público. Sustentava que o drama devia se originar da observação da vida, e não de preocupações com gramática, dicção e estética. Segundo o seu princípio norteador, o ator deve sempre tentar convencer seu público de que está fazendo aquilo pela primeira vez.

David Robinson (CHAPLIN - Uma biografia definitiva; pág: 64)

UM OTIMISMO PESSIMISTA

Frequentemente, os melhores momentos na vida são quando a gente não está fazendo nada, só meditando, ruminando. Quer dizer, a gente pensa que todo o mundo é sem sentido, aí vê que não pode ser tão sem sentido assim se a gente percebe que é sem sentido, e essa consciência da falta de sentido já é quase um pouco de sentido. Sabe como é? Um otimismo pessimista.

Charles Bukowski (Pulp; pág: 131)

9 de junho de 2015

DEUS NÃO É PERFECCIONISTA

No livro de Gênesis, na poesia da criação, há um refrão que o Criador repete de boca cheia ao contemplar a obra que havia feito: “Bom. Bom. Muito bom!”. A frase traduz muito mais um deleite, uma gratidão – festa da memória – do que uma constatação de ter alcançado a perfeição, o definitivo, o acabado. Reflita. O Criador conseguiria ou não aperfeiçoar os mares, o sol, as estrelas? Melhorar um pêssego? Se sim, as estrelas, o sol, os mares, o pêssego não são perfeitos, apesar de serem maravilhosos! Mas para Deus já estava bom. Não estava perfeito, mas Deus deu por encerrada a sua obra. E com gratidão. Lembre-se também da frustração de Deus com as decisões livres dos homens e mesmo assim sua estima, gratidão e esperança pela humanidade não se cansam. Quem sofre com o perfeccionismo não se deleita porque não consegue terminar o que está fazendo. Nunca se dá por satisfeito porque nunca alcança a perfeição. “Bom” para um perfeccionista é muito ruim. Para ele tem que ser perfeito. Daí seus dias são marcados pela ansiedade, frustração, desgaste emocional e azedume. O Criador soube terminar, parar. Certamente tinha mais criatividade para fazer outras coisas, mas escolheu um momento para quietude e deleite! A paz reside muitas vezes em sabermos “terminar” as coisas, respeitarmos as etapas, respeitarmos a dinâmica do nosso corpo, a saúde e qualidade de vida. É compreensível que num mundo de concorrência onde nós somos medidos por resultados, fiquemos sempre com a sensação de que estamos devendo algo, que estamos ficando para trás, de que o que fizemos não foi bom. Mas isso é um ácido que corrói a nossa existência. Precisamos de outra medida de tempo que não seja o relógio. O que marcava o tempo/período na criação de Deus não era o relógio, o calendário, as estações, mas a gratidão na boca do Criador “bom, muito bom!”. Era esse o refrão que pontuava os “dias” de Deus. Nossos dias e dinheiro são medidos pelo tempo, nossa capacidade também. Chronos é um deus terrível que devora seus adoradores impiedosamente. A única chance que nós temos de não sermos devorados por esse deus (tempo) é o exercício da gratidão, do olhar gracioso para a nossa caminha que, apesar de não ter sido perfeita ou obtido o êxito que esperávamos, foi boa. Nesse período onde mais um ciclo se fecha, escolha pontuar com gratidão e doçura e não com o relógio, com os números, com os sucessos. Olhe com ternura e tolerância para a sua história. Talvez você tenha conhecido a frustração de não ver seus sonhos realizados, a decepção com as metas do ano, o inconformismo de ter se dado tanto e ter alcançado tão pouco, não ter conseguido atender às expectativas suas e de outros, mas se você foi decente e honesto no seu ofício já valeu à pena. Se você foi verdadeiro, íntegro e trabalhou: isso já é bom! Lembre-se que muitas coisas não dependem de você. Há muitas outras forças que concorrem com os nossos desejos como o acaso, a autonomia da natureza e a liberdade humana. Pare um pouco, veja quanta coisa boa já lhe aconteceu. Quanta vida você já viveu, como sua vida tem sido interessante. Cultive um coração grato pela vida, por aquilo que conseguiu realizar, por ter se mantido fiel/leal às suas ideias, pelo amigo Deus, pela sua família e amigos. E para que esse exercício seja também solidário e inclusivo, use da mesma tolerância e doçura com o próximo. Ele é muito parecido com você! Que você possa chegar ao final do ano e dizer “foi bom!”.

3 de junho de 2015

APRESENTAÇÃO PARA CLIENTES

Em minha agência, ensaiamos sempre nossas apresentações perante nosso Comitê de Planejamento, onde têm assento os nossos senadores mais experientes. Eles são críticos mais severos que qualquer cliente que eu já tenha conhecido. E suas críticas são expressas em linguagem mais dura. Uma vez que uma campanha tenha passado pelo seu exame rigoroso, ela será boa. Mas (...) coisas horríveis podem acontecer na apresentação. Se ela começa cedo, de manhã, talvez o cliente esteja de ressaca. Numa ocasião, cometi o erro de apresentar uma nova campanha para Sam Bronfman, da Seagram, depois do almoço. Ele caiu em sono profundo, e despertou com um humor tão venenoso que rejeitou a campanha em que vínhamos trabalhando havia vários meses. (...) A atenção da plateia será menos dispersa se apenas um homem fizer todo o discurso. Ele deve ser o advogado mais persuasivo disponível e estar tão profundamente envolvido no assunto que possa enfrentar o mais minucioso dos exames. Faço mais apresentações do que a maioria dos presidentes de agências, em parte porque me julgo um bom advogado, em parte porque acredito que não existe melhor forma de mostrar ao cliente que o chefe da agência está pessoalmente envolvido em seus assuntos. (...) Vale a pena dedicar muito esforço na preparação dos planos que se apresentam aos clientes. Eles devem ser escritos com o máximo de clareza e o mínimo de maneirismo. Eles devem ser amarrados com fatos irrefutáveis. (...) "No fim, os clientes são gratos aos publicitários que lhes dizem a verdade." (...) Pode parecer trivial, mas é crucial para o sucesso da apresentação: Quando você lê em voz alta, nunca fuja uma só palavra do texto escrito que está sendo exibido. O truque está em atacar a sua plateia simultaneamente através de seus olhos e de seus ouvidos. Se eles enxergam um conjunto de palavras e ouvem outro, ficam confusos e perdem a atenção. (...) Abro com axiomas que ninguém pode contestar. Depois que o auditório se acostuma com meu sotaque, lanço-me a dar opiniões mais controversas.

David Ogilvy (Confissões de um Publicitário; págs: 114, 115, 116, 117 e 118)

RELACIONAMENTO FÁCIL

O líder de uma agência tem tanto o que fazer que só consegue se encontrar com os seus clientes em tempos de crise. Isso é um erro. Se você criar o hábito de visitar o cliente quando o clima é de bonança, estabelecerá um relacionamento fácil, que poderá salvar sua vida quando surgir uma tempestade. É importante admitir seus erros, e fazê-lo antes que seja acusado deles. Muitos clientes estão cercados por gente de caráter fraco, que pratica a fina arte de culpar a agência por suas próprias falhas. Eu aproveito a primeira oportunidade para assumir a culpa. (...) Não vou admitir que o meu pessoal seja torturado por tiranos e não publicarei uma campanha ditada por um cliente, a menos que acredite em sua validade. Quando você permite essas coisas, expõe ao perigo a reputação criativa da sua agência, que deve ser seu patrimônio mais valioso. (...) Não vale a pena curvar-se aos clientes em assuntos de alta estratégia. (...) Também dispenso contas que não são lucrativas para a minha agência. (...) Também abro mão de contas quando perco a confiança no produto. É flagrantemente desonesto um publicitário incitar os consumidores a comprarem um produto que ele não deixaria sua própria esposa comprar.

David Ogilvy (Confissões de um Publicitário; págs: 108, 109, 111 e 112)

A ÚNICA SEREIA DA SUA PRAIA

Jovens ansiosos e ambiciosos frequentemente têm a brilhante ideia de combinar dois de seus clientes numa operação conjunta. Podem sugerir que um cliente monte um concurso e ofereça o produto de outro como prêmio; ou que dois clientes compartilhem o mesmo anúncio de revista. Essas dobradinhas podem ser perigosas para a agência; quase sempre um dos clientes vai achar que ficou com a parte ruim da fruta. Quando você tenta arbitrar disputas entre clientes, acaba com um olho inchado. Eu me eduquei para manter meus clientes isolados. (...) Nunca digo a um cliente que não posso comparecer à sua convenção de vendas porque tenho um compromisso já agendado com outro cliente; o êxito da poligamia depende de fingir para cada esposa que ela é a única sereia de sua praia. Se um cliente me pergunta que resultados a campanha de um outro cliente está obtendo, mudo de assunto. Isso talvez o aborreça, mas, se eu lhe der a informação que pretende, provavelmente concluirá que eu seria igualmente indiscreto com os segredos dele. Uma vez que um cliente perde a confiança em sua discrição, você está perdido. (...) Clientes mais razoáveis parecem considerar nosso dever alertá-los quando detectamos um elo fraco na corrente de comunicação entre sua alta administração e a nossa. Certa vez, fui repreendido por um cliente por não tê-lo avisado de que nosso executivo de atendimento era quem escrevia os planos de marketing de seu gerente de produtos. Clientes não hesitam em "queimar" nossos executivos de contas. Às vezes, eles têm razão; às vezes, estão errados. Em qualquer caso, é melhor para todos os envolvidos que a vítima seja transferida para outro trabalho, e fazê-lo antes que a fumaça se transforme em chamas e destrua todo o relacionamento cliente-agência.

David Ogilvy (Confissões de um Publicitário; págs: 104 e 105)

PARA REDUZIR A ROTATIVIDADE

Existem certas medidas que você pode tomar para reduzir a rotatividade. A primeira, e mais importante, é dedicar seus melhores cérebros ao serviço de seus clientes, em vez de desviá-los para a perseguição de clientes novos. Sempre proibi meus executivos de contas de caçar novos clientes, porque isso os corrompe, como se apostassem nos cavalos. Começam a negligenciar seus clientes atuais, e a porta da rua começa a se abrir. Segundo, você pode evitar a contratação de executivos instáveis e inclinados à discussão. (...) Conheço homens brilhantes que perderam todas as contas que caíram em suas mãos. E conheço indivíduos comuns e sem importância que possuíam o talento para criar relacionamentos calmos e estáveis entre a agência e seus clientes. Terceiro, você pode evitar a conquista de clientes que costumam demitir suas agências a intervalos curtos. Pode até pensar que será capaz de curá-los da sua instabilidade, mas as probabilidades estão contra você, assim como quando você casa com uma mulher que já se divorciou muitas vezes. Quarto, você deve manter contato com todos os escalões de seus clientes. Mas isso está se tornando mais e mais difícil, uma vez que os grandes anunciantes empilham nível sobre nível - assistentes de gerentes de produto reportando-se aos gerentes de produtos, que se reportam aos chefes de divisão, que se reportam a vice-presidentes de marketing, que se reportam a vice-presidentes executivos, que se reportam a presidentes, que se reportam a chairmen, com uma bateria de consultores, comitês e pessoal de staff atormentando a agência por todos os lados. Tornou-se moda para a maioria dos chairmen e presidentes de corporações se isolarem de qualquer contato com suas agências.

Saiba que eles ainda tomam as mais importantes decisões com respeito à sua publicidade, mas nunca encontram o pessoal da agência cara a cara, e seus lacaios são, em geral, incompetentes para servir como intermediários. Frequentemente ouço gerentes de publicidade citarem seus presidentes como tendo expressado tolices que eu sei que estes jamais teriam dito. E não tenho dúvida de que os mesmo presidentes ouvem dizer que eu expressei algumas rematadas bobagens. Você é dispensado sem saber por quê. Isso me traz à memória uma história contada durante a Primeira Guerra Mundial. Um major de brigada mandou uma mensagem verbal da linha de frente para seu quartel-general. A mensagem era: "Mande reforços, que nós vamos avançar." Quando chegou ao quartel-general, repetida de boca em boca por todos os níveis, ela estava assim: "Mande uns moços, que nós vamos dançar." (...) Outra coisa que você pode fazer para reduzir o risco de perder contas é adotar minha política de geladeira. Tão logo o cliente aprove uma nova campanha, comece a criar uma outra e a coloque em mercado-teste. Assim, você estará preparado, com uma bala na agulha, se a sua primeira campanha fracassar ou cair no desagrado da diretoria do cliente por qualquer razão mais subjetiva. Essa preparação incansável de posições de reserva diminuirá seus lucros e enervará seus criadores, mas prolongará a permanência de suas contas.

David Ogilvy (Confissões de um Publicitário; págs: 101, 102, 103 e 104)

MESMO AS MELHORES AGÊNCIAS PERDEM CLIENTES

Mesmo as melhores agências perdem clientes. Às vezes, isso acontece porque os clientes vendem as suas companhias; em outras, contratam tiranos para administrar sua publicidade, e eu me nego sempre a servir tiranos. (...) Stanley Resor (...) em seu primeiro ano como líder da J. Walter Thompson, abriu mão de cem contas, anõezinhos não lucrativos. Esse foi seu primeiro passo no processo de tornar a J. Walter Thompson a maior agência do mundo. (...) Rejeitei contas que não se adequavam às nossas qualificações, apenas para descobrir que o ato de rejeição inflamara o desejo dos clientes de contratar nossa agência. Quando um famoso fabricante de relógios da Suíça nos ofereceu sua conta, declinamos, porque sua publicidade tinha que ser aprovada não apenas pelo quartel-general na Suíça, mas também pelo importador americano. E nenhuma agência de publicidade pode servir a dois senhores. Mas, em vez de declinar diretamente, eu disse que aceitaríamos a conta se nos pagassem 25% em vez da comissão habitual de 15%. O cliente prontamente concordou. Às vezes, um fabricante em busca de nova agência informa à imprensa o nome das que está considerando. Sempre que nossa agência foi revelada como uma das concorrentes, abandonei a disputa; não é inteligente arriscar-se a ser derrotado publicamente. Gosto de vencer em público, mas de fracassar em segredo. Evito concorrências em que mais de quatro outras agências estão envolvidas. O ritual do namoro competitivo requer uma série de longas reuniões. Uma agência "quente" acaba entrando na lista de compras de quase todos os prospects, e é muito fácil queimar dessa forma o tempo do seu melhor pessoal. Temos outros peixes para fritar, os peixes dos nossos clientes atuais.

David Ogilvy (Confissões de um Publicitário; págs: 95 e 96)

1 de junho de 2015

OS 10 CRITÉRIOS PARA ATENDER UMA CONTA

01 - O produto deve ser algo que nos orgulhemos de anunciar. Nas raras ocasiões em que anunciamos produtos de que particularmente não gostávamos, fracassamos. Um advogado pode ser capaz de defender um assassino que sabe ser culpado; um cirurgião pode sentir-se capaz de operar um homem de quem não gosta; mas a isenção profissional não funciona na publicidade. Um certo grau de comprometimento pessoal é exigido para que um redator possa vender um produto.

02 - Nunca aceito uma conta a menos que acredite que podemos fazer um trabalho melhor que o da agência anterior. Quando o New York Times nos convidou para cuidar de sua publicidade, declinei, porque não achava que pudéssemos produzir anúncios melhores que aqueles, tão brilhantes, que vinham sendo publicados.

03 - Procuro ficar longe de produtos cujas vendas venham caindo por um período prolongado, pois isso quase sempre significa que existe uma fraqueza intrínseca no produto, ou que a administração da campainha é incompetente. Não há boa publicidade, em qualquer volume, que possa consertar qualquer dessas deficiências. Não importa quão esfomeada possa estar uma nova agência, ela deve ter autocontrole para rejeitar contas moribundas. Um cirurgião com uma clínica estabelecida pode permitir-se que, ocasionalmente, um paciente morra na mesa de operações, mas toda a carreira de um jovem cirurgião pode ser arruinada por tal infortúnio. Eu vivia apavorado com a possibilidade de uma de nossas contas morrer na nossa mesa de operações.

04 - É importante descobrir se o seu cliente em perspectiva quer que a sua agência tenha lucro. Tive a péssima experiência de ajudar clientes a se tornarem multimilionários, enquanto perdia minha última camisa no seu serviço. O lucro médio realizado pelas agências de publicidade é hoje de menos da metade de 1%. Caminhamos sobre um fio de navalha colocado entre superservir nossos clientes e ir à falência ou subservi-los e sermos despedidos.

05 - Se a conta não tem condições de ser lucrativa, dará ela a chance de criar publicidade notável? Nunca tivemos muito lucro com a Guinness ou com a Rolls-Royce, mas elas nos deram oportunidades de ouro para demonstrar nossa excelência criativa. Não há meio mais rápido para colocar uma nova agência no mapa. O único perigo é que isso lhe dê uma reputação de desequilíbrio. O mundo dos negócios assume que, se uma pequena agência demonstra talento para criar grandes anúncios, deve ser fraca em pesquisa e em marketing. Dificilmente as pessoas acreditam que, se você estabelece altos padrões num departamento, também está preparado para estabelecê-los em todos os outros.

(O principal problema enfrentado pela maioria das agências é o de produzir boas campanhas. É fácil encontrar redatores, diretores de arte, produtores de televisão, mas o número de homens que podem orientar todo o resultado criativo de uma agência - talvez uma centena de novas campanhas cada ano - pode ser contado nos dedos de uma mão. Esses fenômenos raros, esses "cisnes que canram" devem ter capacidade para inspirar um bando heterogêneo de escritores e artistas; eles têm de ser julgadores seguros de campanhas para uma grande variedade de produtos. Devem ser bons apresentadores e têm de ter uma disposição colossal para trabalhar noite adentro. Espalhou-se o rumor de que eu era uma dessas "aves raras", e ocorreu a diversas grandes agências que deveriam me contratar, mesmo que, para ter-me, fosse preciso absorver minha agência inteira. Ao longo de três anos recebi ofertas desse tipo da J. Walter Thompson, McCann Erickson, BBDO, Leo Burnett e de cinco outras agências. Se tivesse ocorrido a alguma delas acenar-me com ouro eu teria sucumbido. Mas todas elas cometeram o erro de achar que eu estava mais interessado no "desafio criativo", seja lá o que for isso.)

Uma reputação de "viés criativo" desqualifica uma agência para a conquista de grandes contas. Mas é um risco que você deve assumir, caso queira fugir do anonimato. Só depois que Esty Stowell se juntou a nós, em 1957, nossa agência começou a adquirir a reputação de ser forte em todos os departamentos. Ele fora vice-presidente executivo da Benton & Bowles, amplamente reconhecida como a melhor das agências na área de marketing. Ele era o símbolo de que precisávamos para contrastar com minha reputação de simples redator; e era também um homem muito competente. Com um suspiro de alívio. passei-lhe a administração de todos os departamentos da agência - exceto os criativos. Daí por diante, nossa agência começou a crescer em índices maiores.

06 - O relacionamento entre um empresário e sua agência de publicidade é quase sempre tão íntimo quanto o relacionamento entre um paciente e seu médico. Assegure-se de que você pode conviver feliz com o seu cliente em perspectiva, antes de aceitar a sua conta. Quando um prospect vem visitar-me pela primeira vez, começo tentando descobrir por que ele quer mudar de agência. Se eu vejo razão para suspeitar que ele tenha sido dispensado, procuro um amigo em sua agência anterior. Recentemente, descobri na última hora que um prospect tinha sido mandado embora: sua agência anterior contou-me que ele precisava mais de um psiquiatra que de uma agência.

07 - Evito clientes para quem a publicidade é apenas um fator marginal do marketing mix. Eles têm uma desagradável tendência a lançar mão dos seus orçamentos de publicidade toda vez que precisam de dinheiro para outros propósitos. Prefiro clientes para quem a publicidade é sopro da vida. Sentimo-nos, então, operando no coração indispensável do negócio dos nossos clientes, e não em sua periferia supérflua. Em geral, as contas mais lucrativas são as de produtos de baixo preço unitário, uso universal e compra frequente. Eles geram grandes orçamentos e mais oportunidades para testes do que os produtos duráveis de alto preço.

08 - Nunca pego novos produtos antes que tenham saído do laboratório, a menos que estejam incluídos num grupo com outro produto que já tenha alcançado distribuição nacional. Sai mais caro para uma agência conduzir um produto através dos mercados-teste do que manejar um produto desenvolvido e oito entre cada vez novos produtos morrem nos mercados-teste. Com uma margem de lucro de meio por cento, não podemos nos arriscar.

09 - Se você aspira produzir grande publicidade, nunca aceite associações como clientes. Há alguns anos, fomos convidados a participar da concorrência pela conta da Associação dos Fabricantes de Raiom. Apresentei-me pontualmente em sua sede e fui conduzido a uma imponente sala de reuniões.
"Mr. Ogilvy", disse o chairman, "estamos entrevistando algumas agências. Temos exatamente 15 minutos para ouvir a sua exposição. Então, eu tocarei esta campainha e o representante da outra agência, que já está esperando lá fora, irá sucedê-lo".

Antes de entrar na minha proposta, fiz três perguntas: "Quantos usuários finais de raiom devem ser cobertos por sua campanha?" Resposta: "Pneus para automóveis, fabricantes de móveis, produtos industriais, roupas femininas, roupas masculinas."

"Qual é a verba disponível?" Resposta: "600.000 dólares."

"Quantas pessoas devem aprovar os anúncios?" Resposta: "Os doze membros do comitê, representando doze fabricantes."

"Toque a campainha", eu disse, e dei o fora.

Estas são as condições que prevalecem na maioria das contas de associações: muitos patrões, muitos objetivos, muito pouco dinheiro.

10 - Às vezes, um prospect lhe oferece o negócio, com a condição de que você contrate um indivíduo que ele acredita ser indispensável para a administração de sua publicidade. Agências que entram nesse jogo acabam com uma tripulação de politiqueiros que debocham de seu grupo de planejadores, ignoram seu diretor de criação e chantageiam sua administração. Algumas vezes, já contratei profissionais competentes com a condição de que não trouxessem consigo as contas que controlavam.

Por mais cuidadoso que você seja na investigação de seus prospects, é quase impossível descobrir como eles se qualificam em todos esses itens, até que você os encontre face a face. Então você se percebe numa posição delicada, ao mesmo tempo vendendo sua agência e extraindo do prospect informação suficiente sobre ele mesmo e o seu produto, para decidir se você quer mesmo a conta. É mais proveitoso escutar do que falar.

David Ogilvy (Confissões de um Publicitário; págs; 86, 87, 88, 89, 90, 91, 92 e 93)