Quando o rico toma do pobre um bem (por exemplo, o príncipe toma do plebeu a amada), nasce no pobre um erro; ele pensa que aquele tem de ser totalmente celerado para tomar dele o pouco que ele tem. Mas aquele não sente tão profundamente o valor de um único bem, porque está habituado a ter muitos: assim, não pode se pôr na alma do pobre e está longe de fazer tanta injustiça quanto este acredita. Ambos têm, um do outro, uma falsa representação. A injustiça do poderoso, a que mais revolta na história, está longe de ser tão grande como parece. Já o sentimento herdado de ser um ser superior com direitos superiores torna devidamente frio e deixa a consciência tranquila: nós mesmos, quando a diferença entre nós e um outro ser é muito grande, não sentimos mais nada de injustiça e matamos uma mosca, por exemplo, sem nenhum remorso na consciência. (...) Aquele que é cruel não é cruel na medida em que o acredita o maltratado; a representação da dor não é o mesmo que o padecimento dela. Assim também se passa com o juiz injusto, com o jornalista que com pequenas deslealdades induz em erro a opinião pública. (...) E no entanto se pressupõe involuntariamente que o que age e o que sofre pensam e sentem igual, e, em conformidade com esse pressuposto, se mede a culpa de um segundo a dor do outro.
Friedrich Nietzsche (Humano, Demasiado Humano - Um Livro Para Espíritos Livres [Vol. 01]; págs: 77 e 78)
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