18 de outubro de 2021

PORCOS-ESPINHOS E RAPOSAS

Ainda que, tomado em seu conjunto, o desempenho dos especialistas tenha deixado a desejar, Tetlock descobriu que alguns se saíram melhor do que outros. Entre os que tinham se mostrado piores estavam aqueles cujas previsões eram citadas com maior frequência na mídia. Quanto mais entrevistas haviam concedido à imprensa, descobriu Tetlock, piores tendiam a ser suas previsões. Outro subgrupo, contudo, saiu-se relativamente bem. Com sua formação em psicologia, Tetlock se interessara pelos estilos cognitivos dos especialistas, no modo como eles pensavam o mundo, e submeteu todos, então, a algumas perguntas extraídas de testes de avaliação da personalidade. Com base nesses resultados, Tetlock conseguiu dividir seus especialistas ao longo de um espectro entre o que chamou de porcos espinhos e de raposas. A referência aos animais vem do título de um ensaio de Isaiah Berlin sobre o romancista russo Leon Tolstoi, chamado O porco-espinho e a raposa. Berlin, por sua vez, extraiu seu título de um trecho atribuído ao poeta grego Arquíloco: "A raposa conhece muitas coisas menores, mas o porco-espinho conhece uma coisa só, uma coisa grande."

A menos que você seja um fã de Tolstói - ou de um estilo floreado - não há motivo para ler o ensaio de Berlin, mas sua ideia básica é que escritores e pensadores podem, grosso modo, ser divididos em duas categorias: Porcos-espinhos são personalidades de Tipo A, que acreditam em grandes ideias - ou seja, em certos princípios que regeriam o mundo com o rigor de leis da física e que sustentam praticamente todas as interações que ocorrem na sociedade. Pense em Karl Marx e na luta de classes ou em Sigmund Freud e o inconsciente. Ou em Malcolm Gladwell e o "ponto da virada".

Raposas, por outro lado, são criaturas afeitas a fragmentos, que acreditam numa infinidade de pequenas ideias e em adotar uma série de abordagens diferentes para um problema. Tendem a ser mais tolerantes em relação às nuances, à incerteza, à complexidade e as opiniões discordantes. Se os porcos-espinhos são caçadores e estão sempre em busca de uma grande presa, as raposas são animais coletores. Raposas, descobriu Tetlock, são muito melhores em fazer previsões de que porcos-espinhos. Em relação à União Soviética, por exemplo, seus prognósticos tinham chegado mais perto do alvo. Em vez de encarar a URSS de maneira altamente ideológica - como um "império do mal" ou como um exemplo relativamente bem-sucedido (e talvez até admirável) de um sistema econômico marxista -, viram-na, ao contrário, como aquilo que era uma nação que funcionava cada vez pior e sob risco de se desintegrar. Enquanto as previsões dos porcos-espinhos eram pouco melhores do que opções escolhidas aleatoriamente, as raposas demonstraram habilidade para prever. (...) Um pouco de conhecimento pode se tornar algo perigoso nas mãos de um porco-espinho com Ph.D. Uma das descobertas mais notáveis de Tetlock é o fato de que, embora as raposas tendam a fazer prognósticos cada vez melhores, o contrário pode ser dito a respeito dos porcos-espinhos: seus desempenhos tendem a piorar à medida que acumulam credenciais.

Tetlock acredita que quanto maior a quantidade de fatos com que os porcos-espinhos lidam, mais oportunidades eles têm para permutá-los e manipulá-los de modo que confirmem suas visões preconcebidas. (...) Ainda que tenha descoberto que porcos-espinhos de direita e de esquerda fazem prognósticos igualmente ruins, Tetlock também notou que as raposas de todas as posições políticas se mostravam mais imunes a esses efeitos. Raposas podem ser enfáticas em suas convicções a respeito de como o mundo deveria ser, mas normalmente conseguem separar essas percepções da sua análise sobre o modo como o mundo é, e como será num futuro próximo. Porcos-espinhos, ao contrário, têm maior dificuldade em distinguir sua análise dos ideais arraigados. Em vez disso, segundo Tetlock, eles criam "uma fusão indistinta entre fatos e valores, embolando todos juntos", e adotam uma visão preconcebida das evidências que examinam, enxergando o que desejam ver e não o que realmente existe.

Nate Silver (O Sinal e o Ruído; págs: 61, 62 e 65)

Nenhum comentário: