14 de julho de 2021

O PODER


O poder não é um objeto natural, uma coisa; é uma prática social e, como tal. constituída historicamente. Os poderes se exercem em níveis variados e em pontos diferentes da rede social e neste complexo os micro-poderes existem integrados ou não ao Estado. O aparelho de Estado é um instrumento específico de um sistema de poderes que não se encontra unicamente nele localizado, mas o ultrapassa e complementa. Os poderes não estão localizados em nenhum ponto específico da estrutura social. Funcionam como uma rede de dispositivos ou mecanismos a que nada ou ninguém escapa, a que não existe exterior possível, limites ou fronteiras. Rigorosamente falando, o poder não existe; existem sim práticas ou relações de poder. O que significa dizer que o poder é algo que se exerce, que se efetua, que funciona. E que funciona como uma maquinaria, como uma máquina social que não está situada em um lugar privilegiado ou exclusivo, mas se dissemina por toda a estrutura social. Não é um objeto, uma coisa, mas uma relação. Não se explica inteiramente o poder quando se procura caracterizá-lo por sua função repressiva. O que lhe interessa basicamente não é expulsar os homens da vida social, impedir o exercício de suas atividades, e sim gerir a vida dos homens, controlá-los em suas ações para que seja possível e viável utilizá-los ao máximo, aproveitando suas potencialidades e utilizando um sistema de aperfeiçoamento gradual e contínuo de suas capacidades. Objetivo ao mesmo tempo econômico e político: aumento do efeito de seu trabalho, isto é, tornar os homens força de trabalho dando-lhes uma utilidade econômica máxima; diminuição de sua capacidade de revolta, de resistência, de luta, de insurreição contra as ordens do poder, neutralização dos efeitos de contra-poder, isto é, tornar os homens dóceis politicamente. Portanto, aumentar a utilidade econômica e diminuir os inconvenientes, os perigos políticos; aumentar a força econômica e diminuir a força política. O corpo só se torna força de trabalho quando trabalhado pelo sistema político de dominação característico do poder disciplinar.

Roberto Machado

Michel Foucault (Microfísica do Poder; págs: 10, 12, 13, 14, 16, 17)


De fato, o poder em seu exercício vai muito mais longe, passa por canais muito mais sutis, é muito mais ambíguo, porque cada um de nós é, no fundo, titular de um certo poder e, por isso, veicula o poder. O poder não tem por função única reproduzir as relações de produção. As redes da dominação e os circuitos da exploração se recobrem, se apóiam e interferem uns nos outros, mas não coincidem. (...) O poder não se dá, não se troca nem se retoma, mas se exerce, só existe em ação, como também da afirmação que o poder não é principalmente manutenção e reprodução das relações econômicas, mas acima de tudo uma relação de força. Questão: se o poder se exerce, o que é este exercício? em que consiste, qual é sua mecânica? (...) O poder deve ser analisado como algo que circula, ou melhor, como algo que só funciona em cadeia. Nunca está localizado aqui ou ali, nunca está nas mãos de alguns, nunca é apropriado como uma riqueza ou um bem. O poder funciona e se exerce em rede. Nas suas malhas os indivíduos não só circulam mas estão sempre em posição de exercer este poder e de sofrer sua ação; nunca são o alvo inerte ou consentido do poder, são sempre centros de transmissão. Em outros termos, o poder não se aplica aos indivíduos, passa por eles.

Michel Foucault (Microfísica do Poder; págs: 160, 175, 183)


Embora não haja dúvida de que o poder é uma motivação humana muito básica, também é inegável que se trata de uma força "relacional", no sentido de que implica inevitavelmente uma relação entre dois ou mais protagonistas. Portanto, não basta medir o poder usando indicadores indiretos, como quem tem o maior exército, as maiores fortunas, a maior população ou o maior número de eleitores ou fiéis. Ninguém circula por aí com uma quantidade fixa e quantificável de poder, porque na realidade o poder de qualquer pessoa ou instituição varia conforme a situação. Para que o poder seja exercido, é necessária uma interação ou um intercâmbio entre duas ou mais partes: senhor e escravo, governante e cidadão, chefe e empregado, pai e filho, professor e aluno, ou uma complexa combinação de indivíduos, partidos, exércitos, empresas, instituições, até mesmo nações. Conforme as partes implicadas passam de uma situação a outra, a capacidade que cada um tem de dirigir ou evitar as ações dos outros - em outras palavras, o seu poder - também varia.

Moisés Naím (O Fim do Poder; pág: 42)

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