4 de junho de 2021

PODER FRAGMENTADO


Os presidentes dos Estados Unidos e da China, os CEOs da J. P. Morgan ou da Shell Oil ou Microsoft, a diretora do The New York Times, a diretora do Fundo Monetário Internacional e o papa continuam detendo imenso poder. Mas bem menos do que tinham seus predecessores. As pessoas que ocuparam tais cargos antes não só precisaram enfrentar menos rivais e adversários mas também sofriam menos restrições - quer na forma de ativismo social, de mercados financeiros mundiais, do exame minucioso por parte da mídia ou da proliferação de rivais - na hora de utilizar esse poder. (...) O xadrez é, sem dúvida, uma metáfora clássica do poder. Mas o que ocorreu no xadrez foi a erosão, e em certos casos o desaparecimento, das barreiras que antes mantinham o mundo dos campeões restrito, impenetrável e estável. (...) É o quadro de um poder fragmentado entre um número crescente de atores novos e menores, de origem diversificada e inesperada. (...) Esses "pequenos atores", novos e cada vez mais importantes, são muito diferentes uns dos outros, como são também as áreas onde competem. Mas têm em comum o fato de não dependerem mais de porte, geografia, história ou de uma tradição arraigada para deixar sua marca. (...) Esses novos atores são os micropoderes mencionados antes. Seu poder tem outra característica: não é mais o poder massivo, esmagador e com frequência coercitivo das grandes organizações com muitos recursos e longa história, mas sim o poder de vetar, contrapor, combater e limitar a margem de manobra dos grandes atores. É negar "aos grandes de sempre" espaços de ação e influência que sempre foram dados como certos. (...) Mas o que leva a distribuição do poder a se alterar? Pode acontecer quando aparece alguém novo, rebelde e com talento, como Alexandre, o Grande, ou Steve Jobs, ou quando se produz uma inovação importante como o estribo, a imprensa, o circuito integrado ou o YouTube. (...) O colapso da União Soviética, a eclosão da Primavera Árabe, o declínio de antigos gigantes de imprensa como o The Washington Post e o repentino surgimento do Twitter como fonte de informação atestam a impossibilidade de saber que mudanças de poder estão espreitando logo ao dobrar a esquina.

Moisés Naím (O Fim do Poder; págs: 22, 26, 32, 37, 43 e 57)

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