Em todos os tempos e países, a multidão homicida e saqueadora acredita-se justiceira, e a justiça sumária que ela aplica lembra singularmente, pela natureza vingativa das penalidades, por sua crueldade inusitada, por seu próprio simbolismo - como demonstra a porção de feno na boca de Heuz -, a justiça dos tempos primitivos. A bem dizer, pode-se chamar de criminosa uma multidão transtornada pela persuação de que é traída, de que é reduzida à fome, de que querem exterminá-la? Em geral, o único criminoso aqui é o instigador ou o grupo de instigadores, o autor ou os autores das calúnias mortíferas. A grande escusa das multidões, em seus piores excessos, é sua prodigiosa credulidade, que lembra a do hipnotizado. A credulidade do público é bem menor e sua responsabilidade bem maior. Os homens reunidos são muito mais crédulos que cada um deles tomados à parte; pois o simples fato de sua atenção concentrar-se num único objeto, numa espécie de monoideísmo coletivo, os aproxima do estado de sonho ou de hipnose, em que o campo da consciência, singularmente retraído, é tomado por inteiro pela primeira idéia que se apresenta. De modo que, então, toda afirmação emitida por uma voz decidida e forte contém, por assim dizer, sua própria prova. (...) As multidões não são apenas crédula, são loucas. Várias das características que observamos nelas são as mesmas dos pacientes de nossos hospícios: hipertrofia do orgulho, intolerância, imoderação em tudo. Elas vão sempre, como os loucos, aos pólos extremos da excitação e da depressão, ora heroicamente furiosas, ora aniquiladas de pânico.
Gabriel Tarde (A Opinião e as Massas; págs: 50 e 51)
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