Ela já sabia o que O’Brien ia dizer. Que o Partido não desejava o poder em benefício próprio, mas para o bem da maioria. Que precisava ter poder porque as massas eram compostas de pessoas frágeis e covardes que não aguentam a liberdade, não conseguem encarar a verdade e precisam ser governadas e iludidas sistematicamente por outras pessoas mais fortes do que elas. Que a humanidade deve optar entre liberdade, felicidade e que, para a esmagadora maioria da população, felicidade era o melhor. Que o Partido era o eterno guardião dos fracos, uma congregação dedicada que fazia o mal para que prevalecesse o bem, que sacrificava a própria felicidade em benefício da felicidade dos demais. (...) Tudo se justificava em função do propósito maior. Que se pode fazer, pensou Winston, contra um maluco que é mais inteligente do que você e presta atenção nos seus argumentos, mas que no fim não faz mais que persistir em sua loucura? (...) O Partido deseja o poder exclusivamente em benefício próprio. Não estamos interessados no bem dos outros; só nos interessa o poder em si. (...) Sabemos que ninguém toma o poder com o objetivo de abandoná-lo. Poder não é um meio, mas um fim. Não se estabelece uma ditadura para proteger uma revolução. Faz-se a revolução para instalar a ditadura. (...) Os socialistas da velha escola, treinados para lutar contra uma coisa chamada “privilégio de classe”, partiam do princípio de que o que não é hereditário não pode ser permanente. Não percebiam que a permanência de uma oligarquia não precisa ser física, nem paravam para pensar que as aristocracias hereditárias sempre foram de curta duração, ao passo que já aconteceu de organizações de adoção, como a igreja católica, durarem centenas e mesmo milhares de anos. A essência da regra oligárquica não é a hereditariedade de pai para filho, mas a persistência de determinada visão de mundo e de um certo estilo de vida impostos pelos mortos sobre os vivos. Um grupo dominante continua sendo um grupo dominante enquanto puder nomear seus sucessores. O partido não está preocupado com a perpetuação do seu sangue, mas com a perpetuação de si mesmo. Não importa quem exerce o poder, contanto que a estrutura hierárquica permaneça imutável.
George Orwell (1984; págs: 247, 306, 307 e 308)
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