28 de setembro de 2020

"MAS O QUE FOI MESMO QUE ELE TEVE?"

Ao ouvirem a notícia de morte de Ivan Ilitch, o primeiro pensamento de cada um dos que estavam reunidos no gabinete teve por objeto a influência que essa morte poderia ter sobre as transferências ou promoções tanto dos próprios juízes como dos seus conhecidos.

“Agora, certamente receberei o posto de Stábel ou de Vínikov - pensou Fiódor Vassílievitch. - Isto já me foi prometido há muito tempo, e esta promoção significa um aumento de oitocentos rublos, além da chancelaria.”
“Será preciso agora pleitear que meu cunhado seja transferido de Kalunga - pensou Piotr Ivânovitch -, minha mulher ficará muito contente. E não se poderá mais dizer que eu nunca fiz nada pelos parentes dela.”
- Bem que eu pensava que ele não se levantaria mais - disse Piotr Ivânovitch. - É pena.
- Mas o que foi mesmo que ele teve?

Além das considerações suscitadas em cada um por esta morte, sobre transferências e possíveis alterações no serviço, o próprio fato da morte de um conhecido tão próximo despertou como de costume, em cada um que teve dela conhecimento, um sentimento de alegria pelo fato de que morrera um outro e não ele. (...) Como se a morte fosse uma aventura inerente a Ivan Ilitch apenas, e de modo nenhum a ele também. 

Lev Tolstói (A Morte de Ivan Ilitch; págs: 8, 9 e 15)

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