2 de fevereiro de 2021

A SENSAÇÃO FUNCIONAL

Algumas campanhas dão errado por razões estranhas. Meu sócio, Ron Travisano, estava trabalhando na Marschalk quando a agência pegou a conta de uma mistura de bolo que era boa demais para o mercado. Para fazer um bolo, bastava acrescentar água, mas o produto encalhou. Fizeram pesquisas e mais pesquisas. Descobriram que a dona de casa comum detestava o produto porque, se não fizesse nada físico ao preparar o bolo, achava que estava sendo enganada. Se tudo quanto ela tinha de fazer era acrescentar água, ela achava que era um zero à esquerda como dona de casa e cozinheira. Simplesmente o produto era bom demais. Ele, então, foi retirado do mercado e repaginado de tal forma que, para preparar um bolo, você tinha de quebrar um ovo. As instruções diziam que, se você quebrasse um ovo e o pusesse nessa mistura junto com água, você ia fazer um bolo divino. Sem o ovo, esse produto não é nada. Deu certo. O simples fato de quebrar um ovo dizia à dona de casa que ela voltara a ser uma cozinheira. O produto deu certo, vendeu feito água.

Ron também se envolveu com um problema surgido com um creme de primeiros socorros, um produto da Johnson & Johnson. Essa coisa era um antisséptico indolor para cortes, arranhões, coisas desse tipo. Bom, a Johnson & Johnson, uma companhia boa à beça, vai lá e inventa um antisséptico que não faz você subir pelas paredes quando o usa. Ela faz uma pesquisa e ninguém compra o produto uma segunda vez. A companhia não consegue descobrir o que há de errado. Faz mais pesquisas e descobre que as pessoas têm de sentir dor para reconhecer o fato de estarem sendo tratadas. Têm de sentir a dor da queimadura. E o que há de errado com esse creme? É evidente que ele não deve servir pra nada, porque não dói quando você usa. Esquece o fato de o corte estar sarando: se não houver dor, é porque não está acontecendo nada. (...) Assim que foi posto álcool no creme, as vendas voltaram a aquecer outra vez. As pessoas queriam ter aquela sensação de queimadura porque ela significava que você estava sofrendo, e todo mundo sabe que você tem de sofrer para sarar. O pobre coitado do redator? Está lá sentado, criando a maior campanha de todos os tempos que diz que esse troço não dói - quando a dor é exatamente o que você precisa para vender o produto. De quando em quando, esse ramo não é nada fácil. (...)

Em geral, o redator e o diretor de arte nunca param de aprender. Você tem de conhecer tão bem produto com o qual vai trabalhar que poderia ir para rua e se tornar um vendedor do fabricante desse produto. (...) O que você tenta fazer é cristalizar o problema. Assim que você identifica o problema, o seu trabalho praticamente já terminou, porque a resolução do problema é moleza. A dor de cabeça é descobrir qual é o problema.

Jerry Della Femina (Mad Men - Comunicados do Front Publicitário; págs: 49, 50 e 181)


A Pepsodent criou um anseio. Hopkins não gasta nenhum espaço em sua autobiografia discutindo os ingredientes da Pepsodent, mas a receita listada no pedido de patente do creme dental e os registros da empresa revelam algo interessante: diferente de outras pastas da época, a Pepsodent continha ácido cítrico, bem como doses de óleo de hortelã e outras substâncias químicas. O inventor da Pepsodent usou esses ingredientes para fazer com que a pasta tivesse um sabor refrescante, mas eles também surtiram outro efeito imprevisto. São substâncias irritantes que criam uma sensação gelada e ardida na língua e gengiva. Depois que a Pepsodent começou a dominar o mercado, pesquisadores de empresas concorrentes quebraram a cabeça para entender por quê. O que descobriram foi que os consumidores diziam que, se esquecessem de usar Pepsodent, percebiam seu descuido, pois sentiam falta daquela sensação gelada e ardida na boca. Eles esperavam - ansiavam - por essa leve irritação. Se isso não estivesse presente, não sentiam que suas bocas estavam limpas. Claude Hopkins não estava vendendo dentes bonitos. Estava vendendo uma sensação. Uma vez que as pessoas passaram a ansiar por esse ardidinho gelado - uma vez que passaram a associar isso à limpeza -, escovar os dentes tornou-se um hábito. (...) O consumidor precisa de algum tipo de sinal de que um produto está funcionando. (...) A sensação ardida não faz o creme dental funcionar melhor. Só convence as pessoas de que ele está cumprindo sua função.

Charles Duhigg (O Poder do Hábito; págs: 74 e 75)

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