24 de fevereiro de 2021

OS SORRIDENTES

 

Mesmo aqueles cujas vidas pareciam mover-se imperturbavelmente sob o relógio de suas faces sorridentes estavam com frequência tentando, como eu, evoluir em direção a outros ritmos, com pausas mais criativas, mais ajustamento para suas necessidades individuais, e relacionamentos mais novos e vivos consigo próprios e com os outros.

A. Scott Berg (Lindbergh: uma biografia; pág: 608)

12 de fevereiro de 2021

RECONSTRUIR O PRESENTE

Acredito que o passado não deveria se tornar uma obrigação para o futuro; e cerimônias para celebrar eventos passados quase invariavelmente se tornam uma obrigação para aqueles que participam delas. Parece-me que o passado deveria ser usado para simplificar, e não para complicar, as nossas vidas. Neste momento, especialmente, existem muitos problemas sérios que exigem atenção concentrada, e não se justifica, portanto, que se passe muito tempo celebrando as conquistas de outro período.

A. Scott Berg (Lindbergh: uma biografia; pág: 453)


A melhor maneira de reescrever o passado é reconstruir o presente. Devemos retornar ao passado apenas para reciclá-lo, reorganizá-lo, mas não para nos fixarmos nele. Mas muitos têm um Eu saudosista, que se fixa nos fatos que já ocorreram, seja para se autopunir pela culpa, seja para reclamar o que perdeu. Reclamar e se culpar esgotam a energia do Eu, fragilizam-no como engenheiro do presente. Nada mais triste do que ser refém da história e nada tão prazeroso quanto ser um construtor de um novo tempo.

Augusto Cury (A Fascinante Construção do Eu; pág: 72)

 

Belchior (Velha Roupa Colorida, 2011)

9 de fevereiro de 2021

PESQUISA/ÍNDICE MUST-HAVE

Não pergunto se a pessoa está satisfeita com um produto, pois acho que isso não gera respostas muito relevantes; frustração é um indicador da fidelidade muito melhor do que satisfação.

Quão desapontado você ficaria se esse produto deixasse de existir amanhã?
a) Muito desapontado(a).
b) Um pouco desapontado(a).
c) Não ficaria desapontado(a) - na verdade, não o acho muito útil.
d) N/A (não se aplica) - já parei de usar esse produto há algum tempo.

É bem fácil interpretar os resultados. (...) Como já havia feito a mesma pesquisa em várias startups, sabia que, se mais de 40% dos entrevistados respondessem “Muito frustrado(a)”, o potencial de crescimento da empresa era alto; caso não atingisse esse limiar, a dificuldade para crescer seria grande (por causa da apatia dos usuários). (...) Se 40% ou mais das respostas foram “Muito desapontado(a)”, o produto atingiu um grau suficiente de necessidade, must-have - sinal verde para pisar com tudo no acelerador do crescimento. Muitos produtos, no entanto, não atingem a marca de 40%. Nesse caso, o time de crescimento deve, primeiro, buscar identificar por que o produto não está recebendo uma avaliação melhor. Se 25% a 40% dos entrevistados responderam “Muito desapontado(a)”, é preciso ajustar o produto ou a linguagem usada para descrevê-lo e como usá-lo. Se menos de 25% responderam “Muito desapontado(a)”, pode ser que o público que você atraiu não seja o mais adequado ou que o produto tenha de melhorar consideravelmente até ficar pronto para uma campanha de crescimento. Nessas situações, o questionário da pesquisa must-have tem outras perguntas para ajudá-lo a determinar os próximos passos:

O que você usaria no lugar do [nome do produto] se ele deixasse de existir?
a) Provavelmente não usaria nada no lugar.
b) Usaria o produto _________

Qual foi o maior benefício que você obteve com o [nome do produto]? 

Você recomendou o [nome do produto] para alguém?
a) Não.
b) Sim. (Por favor, explique como você o descreveu.)


Que tipo de pessoa você acha que se beneficiaria mais com o [nome do produto]?

Como podemos melhorar o [nome do produto] para torná-lo mais útil para você?

Podemos entrar em contato com você por e-mail para entendermos melhor uma ou mais de suas respostas?

A pergunta sobre outros produtos pode ajudar a identificar seus maiores concorrentes e até revelar que recursos os aspectos da experiência oferecida por essas marcas fazem com que os entrevistados tenham preferência por elas. Tal informação pode ser usada para indicar que recursos você deveria adicionar, melhorar, divulgar de maneira mais assertiva ou tornar mais visíveis para conquistar esses clientes. Respostas sobre o maior benefício podem ajudá-lo a descobrir que recurso acrescentar para garantir esse benefício; se, porém, o produto já tem o recurso, talvez seja preciso testar novas mensagens de marketing para comunicar melhor sua existência. Respostas à pergunta sobre se o produto foi recomendado a alguém são úteis para avaliar se o produto tem potencial na divulgação boca a boca e, caso tenha, o que fazer para tirar o máximo partido dele. Já as descrições sobre como a recomendação foi feita costumam revelar benefícios, recursos e até a linguagem a ser usada na campanha de promoção do produto. (...) Respostas à questão a respeito do tipo de pessoa que ganharia mais com o produto na opinião dos entrevistados podem ajudá-lo a se concentrar em um nicho de consumidores mais bem definido e mirar com mais eficácia esses potenciais clientes. (...) A questão sobre como melhorar o produto permite identificar tanto problemas flagrantes, que impedem a ampla adoção do produto, como oportunidades para aprimorá-lo. (...)

Se sua versão beta não tiver uma base de usuários suficientemente grande para chegar a esse número, é melhor apostar mais em entrevistas com clientes, pois um volume pequeno de respostas pode levá-lo a tirar conclusões falsas. (...) É melhor fazer a pesquisa com usuários ativos, e não com gente que deixou de utilizar o produto. (...) Se o crescimento já tiver engatado, não é boa ideia perguntar aos clientes como eles se sentiriam se o produto deixasse de existir, para que não lhes pareça que o produto corre o risco de sair de linha. (...) Uma empresa pode estar adquirindo um monte de usuários novos, mas também começando a perder parte daqueles que conquistou lá no início, e esse churn talvez seja encoberto pelo aumento de novos usuários. Ter uma taxa de retenção estável não deve ser visto como uma meta que, uma vez atingida, será esquecida e sairá do radar da equipe. O time precisa (...) trabalhar para sustentar a retenção e, sobretudo, melhorar a taxa. (...) Garantir (...) que o produto tem uma base de usuários que o considera digno de uso contínuo. (...) Um horizonte de tempo mais curto ajuda a determinar quantos usuários estão convertendo o uso do produto em hábito e quantos o estão utilizando apenas de maneira esporádica. Como taxas de retenção variam de acordo com a atividade empresarial e o tipo de produto, o ideal seria encontrar algum benchmark em seu setor um produto que deu certo e que é relativamente comparável - e, se possível, calcular uma taxa média de retenção para saber se seu produto está se saindo melhor o pior. (...) O essencial, aqui, é conversar com usuários (com um grau de profundidade maior do que o permitido pela pesquisa mencionada) para entender quais são as verdadeiras objeções e obstáculos ao sucesso do produto. Sem isso, o risco é você investir recursos e tempo limitadíssimos em algo sem futuro, como lançar um recurso que produz zero impacto. Aliás, embora acrescentar mais recursos pareça a solução mais óbvia para melhorar um produto, todo desenvolvedor precisa estar ciente do perigo do chamado "feature creep": ir adicionando mais e mais coisas que não trazem nenhum benefício real e que, em geral, só deixam o produto sobrecarregado e difícil de usar. Em certos casos, a solução é subtrair, e não somar.

Sean Ellis & Morgan Brown (Hacking Growth; págs: 8, 70, 71, 72, 73, 74 e 75)

7 de fevereiro de 2021

TRINTEI


Foto (Tim Oliveira)

 

É isso. #Trintei à uns dias atrás (22/01). E pensando em que pé me encontro à essa altura, vejo e revejo, entre as merecidas elucubrações, sob que arcabouço tenho calcado meus pés nessa caminhada que tem se mostrado em constante reformulação. Tento organizar aqui um pouco do que tenho percebido sobre o ato de planejar; o que é o destino e, perpassando por tudo isso, a difícil arte de lidar com o tempo. Don Corleone dizia que "todo homem tem apenas um destino", soa fatalista - ideia que me falta certa simpatia - mas parece haver algum sentido, vejamos: se a ideia é que não podemos ser tudo o que gostaríamos, ok.. Não dá pra ter todos os destinos, significa que uma série de caminhos, a rigor, se apagam das possibilidades, porque as escolhas necessariamente excluem outras. Esse jogo ganha importância, provavelmente, na medida em que nos conhecemos e descobrimos com isso o que podemos/queremos - ou não - ser. Mas no final de tudo, do presente para trás as pessoas carregam uma história e, ou, do passado para frente tiveram um destino. Em ambos os casos só é possível o contemplar depois de concretizado, ou seja, tarde demais para alterações, restarão, no melhor das hipóteses, apenas saudosismos. Embora saudades indiquem a memória de boas experiências, aqui me junto aos estoicos que dizem só valer a pena gastar energia no que se pode, ao menos, influir ou intervir, e que nos cabe, antes de mais nada, discernir o que podemos - ou não - controlar. Portanto, para todos os efeitos, o destino, no que importa agora, é feito em tempo real e em direção a um tempo que - quanto mais distante do agora - mais incerto é em relação ao futuro. E se tem uma coisa que assusta o homo sapiens, desde que o mundo é mundo, é ter que lidar com o que não se tem certeza. Nessas horas a criatividade para especular é interessante. A histeria diante de objetos estranhos formam esse caldo: raios já foram frutos da irá de Zeus, doenças a punição de outras forças, e a terra até já foi plana - ainda é para alguns.. - mas aí já é outra história. O que se revela no fundo mesmo é o desejo e a busca constante de compreender o que há no entorno e, por outro lado, o incômodo quando não se sabe. Enfim, uma aversão a imagem de se ver realmente ignorante. O vazio é um silêncio difícil de engolir. E aqui o planejamento parece ser um artifício que, não raras vezes, revela mais a incapacidade de controlar o futuro do que uma "organização eficaz da agonia" (L.F. Pondé). Ou é justamente isso.

Há uma dimensão especulativa no ato de planejar. Em alguma medida, planejar é apenas uma projeção pessoal na qual suas faculdades intelectuais acreditam estar em poder de prever os próximos acontecimentos. O esforço em montar hoje as expectativas sobre o porvir, parece, em muita das vezes, nos desviar, justamente, daquele limiar de tempo - impossível de ser no passado ou no futuro -, que nos cabe, efetivamente, fazer o que tem que ser feito: o presente. E quanto a vida, dela não podemos fazer nada no passado; porque já se foi e nem no futuro; porque não existe. Simples assim. No entanto - diferente do passado - o futuro é aberto e não resta outro espaço-tempo onde construí-lo que não no presente, seja lá o que isso signifique, uma vez que o tempo não para. Se o futuro a cada instante se torna passado, o que é o presente? Não sei exatamente.. Mas - de improviso - a  melhor definição que encontrei até agora é que o presente é uma espécie de estado de espírito, e os sinais apontam que a vida se dá nesse tal presente, esse lugar parece ser o centro do destino de cada um. É algo nebuloso, talvez, por isso mesmo, seja um dos segredos mais escondidos, embora gritantemente visível à todos o tempo todo. Tudo que nos desvie desse estado de espírito nos joga naquele limbo temporal - morada das fantasias e ilusões - na qual, na interseção desses mundos, se faz presente aquela faca de dois gumes, sempre disposta a cortar a tênue linha que separa a alienação da consciência, e vice-versa. Enfim, não faltam artifícios para negligenciar o presente. O grande conto do vigário de ver propósito em tudo presta papel semelhante - dependendo da narrativa que se acredita - que, não raras vezes, acaba por desvirtuar o presente, uma vez que propósito e fatalismo facilmente flertam um com o outro quando acredita-se que por trás de todos os acontecimentos do mundo há uma razão maior operando a favor de um determinado destino - o que por si destrói a essência do que é ser/estar presente. E sem possibilidade de potência no agora, mais difícil ainda será um planejamento dar conta de nos fazer ir adiante.

Planeja não é inútil, longe disso, é necessário, há espaço para planejar muita coisa, desde que não se mire muito longe no tempo, ou que você não seja muito burro sobre o que decide criar expectativas.. Afinal, a vida não é feita de reviravoltas a cada semana, é só uma questão de grau, uma vez que também não é razoável viver como se fosse o último dia. O ponto é que qualquer futuro que se busque, o que se faz exatamente agora tem um peso muito maior nas coisas que interessam do que até mesmo o plano mais detalhado. Um plano raramente é executado à risca, não só, as vezes, por falta de disciplina, mas pelas circunstâncias, o qual um conjunto de variáveis imprimem uma volatilidade incompatível com planos rígidos. Uma flexibilidade de fundo sempre faz com que as coisas avancem sobre as demandas que surgem. Como George Patton, um famoso comandante da Segunda Guerra Mundial, disse: "Um plano razoável executado hoje é melhor do que um plano perfeito executado amanhã". Enquanto isso.. - tic-tac - o tempo é escasso! Sempre foi, e como algo que está prestes a acabar, sua finitude se torna um convite a repensar o caminho - mais do que a chegada - o qual já está resolvida, selada entre você e sua própria condição e é, segundo à lenda - pasmem.. - que você irá morrer.. Eu sei.. Uma ideia indigesta e impopular, mas que as religiões estão aí pra dar uma força. Enquanto não se sabe exatamente o que implica morrer, seja lá o que isso for.. Até lá, "deixemos de coisa e cuidemos da vida".

"Brevíssima e demasiado angustiosa é a vida daqueles que se esquecem do passado, negligenciam o presente e temem o futuro." (Sêneca)

Demorei muito pra entender, e aceitar que por conta de tudo que nos forma e nos torna único, acabamos por seguir - não só - caminhos diferentes mas, também, tempos diferentes. Evolui-se num ponto, estagna-se em outro, retomamos uns, abandonamos outros. A consciência de todas essas idas e vindas, entre glórias e fracassos, me impele à uma versão minha num ponto em que a inércia perde seu poder de atração, e um jeito próprio se impõe como um traço genético que vem à tona, com mutações, mas pra melhor. O caráter contingencial do desenrolar das coisas parece, de tempos em tempos, nos colocar diante de um espelho em que não resta outra coisa que não se encarar. No reflexo vejo também que a origem de alguém é o conjunto daquelas variáveis - ou condicionantes - que não se escolheu: seus pais, sua geografia, sua época etc, mas que, no entanto, te formam. Isso parece apontar de onde se veem. E não é possível fugir da influência de tudo isso quando o objetivo é se conhecer, e se encontrar em meio a tantos universos possíveis. Como vou lidar, ou resolver algo que não consigo, minimamente, definir? Parece necessário uma assimilação e compreensão do seu próprio início e, então, reintegrar-se. Jamais negar sua história, mas, sim, incorporá-la visceralmente, e construí-la melhor daí pra frente, de dentro pra fora, com as rédeas que cabem nas próprias mãos e ir adiante rumo ao fim.

Falar em fim.. Chega desse ensaio de inspiração autobiográfica.. Já que ainda tenho - hipoteticamente - mais tempo pela frente pra viver do que já vivi até agora - o que é um belo consolo. E é de bom tom dizer o que permanece e sobrepõe à toda possível dimensão trágica que porventura o caminhar possa trazer à tona. Gostaria de expressar que, genuinamente, carrego um sentimento de gratidão por várias coisas (sem arriscar citar nomes sob pena de ser injusto.. Vou contar com a tese [que inventei agora] de que as pessoas sentem na alma o papel que decidem ter na vida alheia..). Sou grato pelas pessoas que tive a sorte de encontrar por aí, sobretudo, pelas que sei ainda estarem próximas; pelas equipes que tive a honra de fazer parte e à todas as emoções que apenas bons grupos vivem; pelos ídolos que pude conhecer pessoalmente e atemporalmente e a inspiração espelhada que deles emanam; à todo ato de generosidade que recebi; pelas músicas que posso apreciar e companhias desfrutar. E ao meu grande amor que - e mais importante - é feliz em existir e, quando necessário, se reinventar. Com você até as coisas mais triviais brilham à luz da eternidade.

Diego Cosmo

5 de fevereiro de 2021

HISTÓRIA ATROZ

 Pablo Picasso (Guernica, 1937)

Sua mente voltou para a visão dos corpos apodrecidos dos japoneses que havia descoberto nas cavernas de Biak e o monte de lixo que viu jogado sobre soldados mortos em uma cratera de bomba. Evocou rapidamente a sucessão de histórias que havia escutado sobre americanos metralhando prisioneiros em uma pista de pouso de Hollandia, sobre australianos empurrando japoneses cativos para fora de aviões de transporte, sobre soldados americanos profanando os cadáveres de soldados japoneses em busca de dentes de ouro, sobre as fotografias de Mussolini e sua amante pendurados pelos pés. “Quanto mais longe recuamos na história”, disse para si próprio, “mais encontramos essas atrocidades, cometidas não apenas na Alemanha com seus Dachau, Buchenwald e seus campos Dora; mas na Rússia, no Pacífico, nos motins e linchamentos nos Estados Unidos, nos levantes pouco alardeados das Américas Central e do Sul, nas crueldades da China, na guerra recente na Espanha, nas matanças de judeus do passado, na queima das bruxas na Nova Inglaterra, nas pessoas cortadas aos pedaços pelos instrumentos de tortura dos ingleses, nas perseguições em nome de Cristo e de Deus.”

A. Scott Berg (Lindbergh: uma biografia; pág: 578)

3 de fevereiro de 2021

GROWTH HACKING

A crescente capacidade de empresas de coletar, armazenar e analisar vastos volumes de dados de usuários e de monitorá-los em tempo real permitia que até startups testassem novos recursos, mensagens, branding e outras iniciativas de marketing a custo cada vez menor, a uma velocidade muito maior e com uma taxa de sucesso superior. (...) Esse novo método [growth hacking] para conquistar mercado e adquirir clientes - o qual trocava o velho modelo de grandes verbas de marketing e estratégias não científicas e não mensuráveis por iniciativas mais econômicas e eficazes, uniformes e movidas a dados. (...) Com pessoas com experiência em analytics, engenharia, gestão de produtos e marketing, o growth hacking possibilita a eficiente combinação de análise de dados, know-how técnico e conhecimento de marketing para a rápida geração de ações mais certeiras para turbinar o crescimento. Ao testar ideias promissoras em ritmo acelerado e avaliá-las com métricas objetivas, permite que se descubra muito mais depressa que ideias têm valor e quais não. (...) Esse método é o motor por trás do fenomenal sucesso (...) de muitos outros dos “unicórnios” que mais crescem no Vale do Silício, como Pinterest, BitTorrent, Uber e Linkedin. O mito popular é que essas empresas explodiram apenas porque tiveram uma ideia formidável - uma ideia tão genial e transformadora que tomou de assalto o mercado. Essa versão da história é claramente falsa. Para nenhuma delas foi fácil ou rápido conseguir a adoção em massa - longe disso. Não foi a concepção imaculada de um produto revolucionário, nem um lampejo isolado, um golpe de sorte ou uma jogada de mestre, que as levou ao êxito. Seu sucesso foi fruto, isso sim, de uma atividade célere e metódica de geração e teste de novas ideias para o desenvolvimento e o marketing do produto e também do uso de dados sobre o comportamento de usuários para chegar às grandes ideias que turbinaram o crescimento. (...) O growth hacking é um trabalho de equipe, que os grandes êxitos são fruto da combinação do know-how em programação com a experiência na análise de dados e no marketing e que pouquíssimos indivíduos são mestres em tudo isso. (...) O processo de growth hacking prevê uma série específica de atividades para encontrar novas oportunidades de crescimento e ampliar as já existentes. (...) O processo é um ciclo contínuo com quatro grandes etapas: (1) análise de dados e busca de insights; (2) geração de ideias; (3) priorização de experimentos; e (4) execução dos testes. Depois da quarta etapa, a equipe volta à primeira, para analisar resultados e definir os passos seguintes.

Sean Ellis & Morgan Brown (Hacking Growth; págs: 8, 10, 13, 14, 26 e 48)

2 de fevereiro de 2021

A SENSAÇÃO FUNCIONAL

Algumas campanhas dão errado por razões estranhas. Meu sócio, Ron Travisano, estava trabalhando na Marschalk quando a agência pegou a conta de uma mistura de bolo que era boa demais para o mercado. Para fazer um bolo, bastava acrescentar água, mas o produto encalhou. Fizeram pesquisas e mais pesquisas. Descobriram que a dona de casa comum detestava o produto porque, se não fizesse nada físico ao preparar o bolo, achava que estava sendo enganada. Se tudo quanto ela tinha de fazer era acrescentar água, ela achava que era um zero à esquerda como dona de casa e cozinheira. Simplesmente o produto era bom demais. Ele, então, foi retirado do mercado e repaginado de tal forma que, para preparar um bolo, você tinha de quebrar um ovo. As instruções diziam que, se você quebrasse um ovo e o pusesse nessa mistura junto com água, você ia fazer um bolo divino. Sem o ovo, esse produto não é nada. Deu certo. O simples fato de quebrar um ovo dizia à dona de casa que ela voltara a ser uma cozinheira. O produto deu certo, vendeu feito água.

Ron também se envolveu com um problema surgido com um creme de primeiros socorros, um produto da Johnson & Johnson. Essa coisa era um antisséptico indolor para cortes, arranhões, coisas desse tipo. Bom, a Johnson & Johnson, uma companhia boa à beça, vai lá e inventa um antisséptico que não faz você subir pelas paredes quando o usa. Ela faz uma pesquisa e ninguém compra o produto uma segunda vez. A companhia não consegue descobrir o que há de errado. Faz mais pesquisas e descobre que as pessoas têm de sentir dor para reconhecer o fato de estarem sendo tratadas. Têm de sentir a dor da queimadura. E o que há de errado com esse creme? É evidente que ele não deve servir pra nada, porque não dói quando você usa. Esquece o fato de o corte estar sarando: se não houver dor, é porque não está acontecendo nada. (...) Assim que foi posto álcool no creme, as vendas voltaram a aquecer outra vez. As pessoas queriam ter aquela sensação de queimadura porque ela significava que você estava sofrendo, e todo mundo sabe que você tem de sofrer para sarar. O pobre coitado do redator? Está lá sentado, criando a maior campanha de todos os tempos que diz que esse troço não dói - quando a dor é exatamente o que você precisa para vender o produto. De quando em quando, esse ramo não é nada fácil. (...)

Em geral, o redator e o diretor de arte nunca param de aprender. Você tem de conhecer tão bem produto com o qual vai trabalhar que poderia ir para rua e se tornar um vendedor do fabricante desse produto. (...) O que você tenta fazer é cristalizar o problema. Assim que você identifica o problema, o seu trabalho praticamente já terminou, porque a resolução do problema é moleza. A dor de cabeça é descobrir qual é o problema.

Jerry Della Femina (Mad Men - Comunicados do Front Publicitário; págs: 49, 50 e 181)


A Pepsodent criou um anseio. Hopkins não gasta nenhum espaço em sua autobiografia discutindo os ingredientes da Pepsodent, mas a receita listada no pedido de patente do creme dental e os registros da empresa revelam algo interessante: diferente de outras pastas da época, a Pepsodent continha ácido cítrico, bem como doses de óleo de hortelã e outras substâncias químicas. O inventor da Pepsodent usou esses ingredientes para fazer com que a pasta tivesse um sabor refrescante, mas eles também surtiram outro efeito imprevisto. São substâncias irritantes que criam uma sensação gelada e ardida na língua e gengiva. Depois que a Pepsodent começou a dominar o mercado, pesquisadores de empresas concorrentes quebraram a cabeça para entender por quê. O que descobriram foi que os consumidores diziam que, se esquecessem de usar Pepsodent, percebiam seu descuido, pois sentiam falta daquela sensação gelada e ardida na boca. Eles esperavam - ansiavam - por essa leve irritação. Se isso não estivesse presente, não sentiam que suas bocas estavam limpas. Claude Hopkins não estava vendendo dentes bonitos. Estava vendendo uma sensação. Uma vez que as pessoas passaram a ansiar por esse ardidinho gelado - uma vez que passaram a associar isso à limpeza -, escovar os dentes tornou-se um hábito. (...) O consumidor precisa de algum tipo de sinal de que um produto está funcionando. (...) A sensação ardida não faz o creme dental funcionar melhor. Só convence as pessoas de que ele está cumprindo sua função.

Charles Duhigg (O Poder do Hábito; págs: 74 e 75)

CHUNKING (AGRUPAMENTO)

Conforme cada rato aprendia a se orientar no labirinto, sua atividade mental diminuía. À medida que o caminho se tornava cada vez mais automático, os ratos começaram a pensar cada vez menos. (...) Ele não precisava escolher para que direção virar, portanto, os centros de tomada de decisão do cérebro ficavam em silêncio. (...) Quando um hábito surge, o cérebro para de participar totalmente da tomada de decisões. Ele para de fazer tanto esforço, ou desvia o foco para outras tarefas. (...) Este processo - em que o cérebro converte uma sequência de ações numa rotina automática - é conhecido como “chunking” (agrupamento) e está na raiz de como os hábitos se formam. Há dezenas - se não centenas - de blocos (chunks) comportamentais dos quais dependemos todos os dias. Alguns são simples: você automaticamente põe pasta de dente na escova antes de colocá-lo na boca. Alguns, tais como se vestir ou preparar o almoço das crianças, são um pouco mais complexos. (...) Uma vez que esse hábito começa a se desenrolar, nossa massa cinzenta está livre para ficar em silêncio ou dar sequência a outros pensamentos. (...) Os hábitos, dizem os cientistas, surgem porque o cérebro está o tempo todo procurando maneiras de poupar esforço. Se deixado por conta própria, o cérebro tentará transformar quase qualquer rotina num hábito, pois os hábitos permitem que nossas mentes desacelerem com mais frequência. Este instinto de poupar esforço é uma enorme vantagem. (...) Um cérebro eficiente também nos permite parar de pensar constantemente em comportamentos básicos, tais como andar e escolher o que comer, de modo que podemos dedicar energia mental para inventar lanças, sistemas de irrigação e, por fim, aviões e video games.

Charles Duhigg (O Poder do Hábito; págs: 32, 33, 34, 35 e 37)