10 de agosto de 2016

AS CHAMAS DA LIBERDADE


- Olá, formosa dama. Linda noite, não? Perdoe-me a intromissão, talvez a senhorita pretendesse passear... Apenas desfrutar a paisagem. Não importa. Creio que é chegado o momento de uma breve conversa. Ahh, eu me esqueci de que não fomos apresentados. Eu não tenho um nome, mas pode me chamar de V. (...) Para ser sincero, outrora fui um admirador seu. Até imagino o que está pensando... O pobre rapaz tem uma queda por mim... Uma paixão juvenil. Desculpe, mas não é este o caso. Eu perguntava a meu pai: "Quem é aquela moça?", e ele respondia: "É a madame justiça". Ao que eu replicava: "Como ela é linda". Eu a admirava, apesar da distância. Ainda criança, passando pela rua, eu admirava sua beleza. Por favor, não pense que se trata apenas de atração física. Em absoluto. Eu a amava como pessoa, como ideal. Isso foi há muito tempo. Agora, confesso que há outra...
O quê? Que vergonha V! Traindo-me com uma meretriz de lábios pintados e sorriso vulgar!
Eu, madame? Permita-me uma correção. Foi a sua infidelidade que me arremessou nos braços dela! Ah! Ficou surpresa, não? Pensou que eu desconhecia suas escapadelas? Enganou-se. Eu sei de tudo. Na verdade, não me surpreendi quando soube que você flertava com homens de uniforme.
Uniforme? E-eu não sei do que está falando. Sempre foi você, V... O único em minha vi..
Mentirosa! Meretriz! Ousa negar que se deixou envolver por ele, com suas braçadeiras e botas? E então? O gato comeu sua língua? Foi o que pensei. Muito bem. A verdade foi revelada. Você não é mais minha justiça. É a dele. Recebeu outro em sua cama. Faça bom proveito de seu novo amante.
Snif! Snif! Q-quem é ela? Como se chama?
Seu nome é anarquia. E ela me ensinou mais como amante do que você imagina. Com ela, aprendi que não há sentido na justiça sem liberdade. Ela não faz promessas nem deixa de cumpri-las como você. Eu costumava me indagar por que jamais me olhou nos olhos. Agora eu sei. Por isso, adeus, cara dama. Nossa separação não me entristece, uma vez que não é mais a mulher que amei outrora. Eis um último presente, que deixo a seus pés. As chamas da liberdade. Que adorável. Quanta justeza, minha preciosa anarquia... Ó beldade, até hoje eu te desconhecia.

Alan Moore e David Lloyd (V de Vingança; págs: 41, 42 e 43)

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