É incrível como existe no mundo (nas escolas, nas universidades, nos institutos de pesquisa, nas grandes empresas, entre os grupos de amigos) uma espécie de ideologia de que alguns poucos eleitos nasceram para o sucesso, a fama e as grandes conquistas, enquanto os demais devem se contentar com a "média". Ocorre que pessoas bem sucedidas não possuem nada além daquelas que vivem uma vida "regular". Digo, não existe um gene do sucesso, ou uma força maior que beneficie alguns poucos eleitos. Na verdade, somos todos iguais, temos habilidades e limitações, sentimos alegria e tristeza, temos coragem para algumas coisas e somos covardes para outras, mas o que realmente muda de uma pessoa para outra é o modo como cada uma trabalha suas habilidades.
É difícil se acostumar com a ideia de que, desconsiderando fatores econômicos, nascemos todos com perspectivas muito parecidas de conseguir sucesso em diversas atividades, especialmente quando nos deparamos com pessoas que parecem ter habilidades sobrenaturais. Sim, todo mundo conhece alguém que nos faz lembrar diariamente das nossas limitações. Para alguns pode ser o músico famoso, a atriz bem sucedida, o empresário rico, o gênio da ciência e até mesmo aquelas crianças prodígios (alguns aqui lembrarão diretamente dos asiáticos).
Um exemplo de criança prodígio costumeiramente citado é Wolfgang Amadeus Mozart, que, aos 3 anos, começou a tocar piano, aos 5 já compunha, aos 6 se apresentava para o rei da Bavária de olhos vendados, e aos 12 terminou sua primeira ópera. Para muitos, isso tudo poderia indicar um talento de nascença, um presente dado apenas a alguns escolhidos. Mas, se analisarmos com mais detalhes, a história não é bem assim. O talento desenvolvido por Mozart não surgiu do nada. Como filho de um professor de música e irmão de uma pianista, foi educado desde cedo, passando boa parte (várias horas) dos dias na frente do piano quando era criança. Suas primeiras composições não eram obras-primas (continham muitas repetições e melodias que já existiam). Na verdade, estudiosos de música consideram que a primeira obra realmente genial de Mozart foi um concerto de 1777, quando já tinha 21 anos de idade. Ou seja, apesar de ter começado muito cedo, Mozart só compôs algo digno de gênio depois de 15 anos de treino.
A REGRA DAS 10 MIL HORAS
Daí surge uma teoria que muitos já podem ter ouvido falar, a Regra das 10 mil horas. Segundo o difusor dessa ideia, se você quer realmente ser muito bom em algo, passe 10 mil horas praticando, número fictício pensado com base no que grandes especialistas de várias áreas fizeram. Assim, se você se dedicar a aprender/praticar algo 1h por dia, exigirá 27 anos de esforço, se utilizar 3h por dia, precisará de 10 anos de esforço, e se dedicar 8h por dia, demandará 3,5 anos de trabalho. Ou seja, com dedicação e trabalho é possível se tornar um expert em muitas coisas.
É claro que nem tudo é apenas treino, já que determinadas habilidades exigirão algumas outras aptidões biológicas. Para um atleta, por exemplo, a constituição física tem bastante relevância para o sucesso, mas não podemos dizer que é o fato mais importante ou é um fator absolutamente limitante. A prática, o treino, os exercícios se tornam absolutamente imprescindíveis para competir em alto nível, especialmente se partirmos da premissa de que os demais atletas qualificados possuem uma constituição biofísica semelhante. Mitos como essa costumam ser alimentados pela mídia dos heróis. Chamo de mídia dos heróis aquela que busca mostrar para os telespectadores que é necessário dar ibope para determinada pessoa porque ela é melhor do que as outras em função de um verdadeiro dom e, por isso, acaba sendo um gênio. Lembro bem de uma reportagem feita pelo Fantástico falando do Michael Phelps, o nadador recordista de medalhas olímpicas, falando que seu corpo tinha a constituição perfeita para a natação. É claro que eles falaram as várias horas e do treinamento duro do Phelps, mas se importaram em registrar com muita ênfase que o corpo ideal que ele tinha uma importância fora do comum no sucesso dele.
Aqui, eu gostaria de tentar quebrar um pouco desse mito. Não dizendo que determinadas características biológicas não sejam importantes, mas sim que elas não são determinantes. Eu, você e qualquer outro que se disponha a praticar e se dedicar, é capaz de fazer coisas tidas como inimagináveis ou geniais, mas que, na verdade, são frutos de muita abnegação e suor. Aquilo que alguns costumam chamar de "talento natural para liderança" ou "aptidão nata para os esportes" não tem grande relação com a nossa genética. Anders Ericsson, professor de psicologia da Universidade da Flórida que há 20 anos estuda por que algumas pessoas são mais bem-sucedidas do que outras, defende que não há evidência de que exista uma causa genética para o sucesso ou o talento de alguém. Ou seja, não existe, como alguns pensam, um gene para o sucesso que justifique aquilo que alguns dizem quando se referem a alguém bem sucedido: "esse tem um talento natural, tudo o que faz dá certo".
98% TRABALHO DURO
Numa pesquisa feita em 1992, pesquisadores decidiram estudar pessoas consideradas talentosas para entender o que as diferenciava das demais. Começaram investigando pianistas profissionais em comparação com pessoas que apenas começaram a estudar, mas desistiram pouco depois (nesse caso, pianistas são excelentes para o estudo porque seu talento é mensurável: ou eles sabem executar a música ou não sabem). Dentre as 257 pessoas estudadas, os cientistas não conseguiram achar ninguém com habilidades sobrenaturais - todos eram igualmente dotados. Entre os dois grupos, a diferença encontrada é que os pianistas "fracassados" tinham passado muito menos tempo estudando do que os bem-sucedidos. Quer dizer, não é que faltou talento para os amadores virarem mestres - faltou dedicação. O grande mérito da pesquisa não foi perceber o que já se tornou um dito popular: "a prática leva à perfeição". A novidade do estudo foi medir o tempo necessário de estudo para alguém se destacar internacionalmente em alguma área: 10 mil horas. Assim, observando os grandes talentos das mais diversas áreas, Anders Ericsson chegou a esse número. Pessoas bem-sucedidas, do campeão de xadrez Kasparov ao Steve Jobs, ficaram esse tempo todo aperfeiçoando seu ofício. E não se trata aqui de exercícios leves. O que realmente faz alguém ficar bom em algo é treino duro, dolorido, no limite do executável. No fim das contas, é treino tão difícil que modifica seu cérebro. (Só para constar: estima-se que aos 6 anos Mozart já tivesse estudado piano 3.500 horas. Quer dizer, ele não era talentoso, era assustadoramente dedicado).
AUTOCONTROLE E PERSISTÊNCIA
Se treino é responsável por boa parte do sucesso das pessoas que chegaram ao ponto mais alto do pódio (outros fatores virão), é preciso entender o que as levou a se esforçar tanto. "Quem passa 10 mil horas da vida se dedicando a qualquer coisa que seja tem pelo menos uma característica muito ressaltada: o autocontrole". É isso o que permite que a pessoa não se lembre que seria muito mais legal dormir ou estar no bar do que trabalhando.
"O teste do marshmallow", feito na Universidade Stanford na década de 1960, é o melhor exemplo que se tem sobre a ocorrência de autocontrole. Psicólogos ofereciam a crianças um grande marshmallow e davam a elas a opção de comê-lo imediatamente ou esperar um tempinho enquanto os psicólogos saíssem da sala. Se as crianças esperassem, ganhariam de recompensa um segundo marshmallow. Apenas um terço das crianças aguentava esperar, o resto comia o doce afoitamente. (Há um video na internet desse teste feito nos dias de hoje. As imagens das crianças tentando resistir à tentação são de partir o coração). Depois, os pesquisadores acompanharam o desempenho dessas crianças nas décadas seguintes. Aquelas que haviam esperado pelo segundo doce tinham tirado notas mais altas no vestibular e tinham mais amigos. Depois de anos estudando esse grupo de voluntários, concluiu-se que a capacidade de manter o autocontrole previa com muito mais precisão a ocorrência de sucesso e ajustamento - era mais eficiente do que QI ou condição social, por exemplo. Por isso, tente sempre atrasar as gratificações - passe vontade e não faça sempre o que der na telha: o segredo para o sucesso pode estar ai".
A questão agora é entender por que algumas pessoas abrem mão do prazer imediato em troca do trabalho duro. e por que outras preferem sempre sair mais cedo do escritório. O processo mental, na verdade, é muito simples: para ter autocontrole, é preciso não ficar pensando na tentação e focar naquilo que é realmente importante no momento - por exemplo, terminar o serviço. É possível que esses traços tenham uma origem genética (alguns podem falar aqui de quem sofre de TDAH), mas é mais provável que a diferença esteja em outro ponto importante para entender o sucesso: motivação. Quem está motivado para ganhar uma medalha olímpica ou fazer um bom trabalho também abre mão da soneca da tarde com mais facilidade.
Motivação e ambição, contudo, são um negócio meio misterioso. Não funciona para todos da mesma maneira. "A maioria das pessoas sonha com um emprego estável, um salário aceitável, um chefe legal. Nem todo mundo tem ambição e quer crescer o tempo todo", diz Marcelo Ribeiro, professor do departamento de psicologia social e do trabalho da USP. Por isso, entender o que te motiva é fundamental. Dinheiro também não é a resposta para tudo. Nem sempre ele funciona como um bom motivador (mas não deixe seu chefe ler isso, se você estiver querendo um aumento). Num estudo da Universidade Clark, nos EUA, que testava a capacidade de voluntários de resolver problemas de lógica, o dinheiro só atrapalhou. Quem era recompensado financeiramente para chegar à solução levava muito mais tempo para resolver o problema. Os outros, sem a pressão do dinheiro, se deram melhor. Em muitos casos, acreditar que você está fazendo algo relevante é mais eficiente para motivação do que um salário maior. Não é à toa, então, que empresas que esperam resultados inovadores têm horários e cobranças flexíveis - para esses funcionários, fazer a diferença e a sensação de liberdade pode valer mais do que ganhar muito.
FATORES EXTERNOS
Não é demais lembrar que sucesso depende também de uma boa quantidade de sorte. Estar na hora e no lugar certos é muito importante - às vezes até mais do que as horas de treino. "Um estudo feito na Universidade do Kansas mostrou que crianças que crescem em classes sociais mais baixas ouvem, em média, 32 milhões de palavras a menos nos primeiros 4 anos de vida do que seus colegas abastados. Além disso, elas são expostas a um vocabulário menos variado e não são incluídas nas conversas de 'adulto'. Isso pode não ter consequências diretas na inteligência das crianças, mas tem na maneira como elas se relacionam com as pessoas."
Ter habilidades sociais, aliás, é fator determinante para ser bem-sucedido. E é esse o elemento que foge das estatísticas da ciência. Em áreas em que os mais talentosos geralmente são bem recompensados, como nos esportes, a regra das 10 mil horas e a importância da persistência fazem mais sentido. Mas, em ambientes onde a competição é velada, como nos escritórios, o talento pode facilmente ficar em segundo plano - e perder importância para as famosas "afinidades". De acordo com Timothy Judge, especialista em carreira e personalidade da Universidade da Flórida, "a personalidade de uma pessoa afeta não só a escolha do trabalho mas, mais importante, quão bem-sucedida ela vai ser na carreira". Timothy revisou 3 estudos longitudinais de personalidade que acompanharam a carreira de mais de 500 pessoas e chegou a conclusões interessantes. Pessoas autoconscientes, racionais e que pensam antes de agir costumam ganhar mais e subir mais cargos. Já quem é extrovertido e emocionalmente estável é mais feliz. Para o pesquisador, depois de anos observando as pesquisas, subir de status pode ser importante, mas o fator mais determinante para o sucesso ainda é sentir-se realizado. "Se a pessoa está infeliz no trabalho, tem de descobrir o que está atrapalhando. Senão o sucesso não vem mesmo." E para você, o que é sucesso? Você se considera bem-sucedido no que faz?
Fontes:
- A genialidade do jovem Mozart - Estação Musical
- As metamorfoses no mundo do trabalho - Marcelo Ribeiro
- Como pensar sobre grandes ideias - Mortimer J. Adler
- De onde vêm as boas ideias - Steven Johnson
- Fora de série (Outliers) - Malcolm Gladwell
- How do experts learn? - Anders Ericsson
- Inteligência emocional - Daniel Goleman
- O código do talento - Daniel Coyle
- O poder do hábito - Charles Duhigg
- O segredo do sucesso - Superinteressante
- On the value of aiming high: The causes and consequences of ambition - Timothy Judge
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