31 de março de 2015

UNIVERSALIZAÇÃO


Da invenção da escrita decorrem as exigências muito especiais da descontextualização dos discursos. A partir desse acontecimento, o domínio englobante do significado, a pretensão ao "todo", a tentativa de instaurar em todos os lugares o mesmo sentido (ou, na ciência, a mesma exatidão) encontram-se, para nós, associados ao universal. (...) Para codificar seus saberes, as sociedades sem escrita desenvolveram técnicas de memória que repousam no ritmo, na narrativa, na identificação, na participação do corpo e na emoção coletiva. Em contrapartida, com a ascensão da escrita, o saber pôde destacar-se parcialmente das identidades pessoais ou coletivas, tornar-se mais "crítico", buscar uma certa objetividade e um alcance teórico "universal" (...) O escrito, depois o impresso, trazem uma possibilidade de extensão indefinida da memória social.

Pierre Lévy (Cibercultura; págs: 118, 165 e 258)

27 de março de 2015

MULTI/MÍDIA

A mídia é o suporte ou veículo da mensagem. O impresso , o rádio, a televisão, o cinema ou a Internet, por exemplo, são mídias. A recepção de uma mensagem pode colocar em jogo diversas modalidades perceptivas. O impresso coloca em jogo sobretudo a visão, em segundo lugar o tato. Desde que o cinema é falado, ele envolve dois sentidos: visão e audição. As realidades virtuais podem colocar em jogo a visão, a audição, o tato e a cinestesia (sentido interno dos movimentos do corpo).

O dispositivo comunicacional designa a relação entre os participantes da comunicação. Podemos distinguir três grandes categorias de dispositivos comunicacionais: um-todos, um-um e todos-todos. A imprensa, o rádio e a televisão são estruturados de acordo com o princípio um-todos: um centro emissor envia suas mensagens a um grande número de receptores passivos e dispersos. O correio ou o telefone organizam relações recíprocas entre interlocutores, mas apenas para contatos de indivíduo a indivíduo ou ponto a ponto. São os novos dispositivos informacionais (mundos virtuais, informações em fluxo) e comunicacionais (comunicação todos-todos) que são os maiores portadores de mutações culturais, e não o fato de que se misture o texto, a imagem e o som, como parece estar subentendido na noção vaga de multimídia. O termo "multimídia" significa, em princípio, aquilo que emprega diversos suportes ou diversos veículos de comunicação. O termo "multimídia" é corretamente empregado quando, por exemplo, o lançamento de um filme dá lugar, simultaneamente, ao lançamento de um videogame, exibição de uma série de televisão, camisetas, brinquedos etc. Neste caso, estamos de fato frente a uma "estratégia multimídia".

Pierre Lévy (Cibercultura; págs: 64, 65, 66, 67 e 68)

VIRTUAL

Devansh Atray
 
A palavra "virtual" pode ser entendida em ao menos três sentidos: o primeiro, técnico, ligado à informática, um segundo corrente e um terceiro filosófico. O fascínio suscitado pela "realidade virtual" decorre em boa parte da confusão entre esses três sentidos. Na acepção filosófica, é virtual aquilo que existe apenas em potência e não em ato, o campo de forças e de problemas que tende a resolver-se em uma atualização. O virtual encontra-se antes da concretização efetiva ou formal (a árvore está virtualmente presente no grão). No sentido filosófico, o virtual é obviamente uma dimensão muito importante da realidade. Mas no uso corrente, a palavra virtual é muitas vezes empregada para significar a irrealidade - enquanto a "realidade" pressupõe uma efetivação material, uma presença tangível. A expressão "realidade virtual" soa então como um oxímoro, um passe de mágica misterioso. Em geral, acredita-se que uma coisa deva ser ou real ou virtual, que ela não pode, portanto, possuir as duas qualidades ao mesmo tempo. Contudo, a rigor, em filosofia o virtual não se opõe ao real mas sim ao atual: virtualidade e atualidade são apenas dois modos diferentes da realidade. Se a produção da árvore está na essência do grão, então a virtualidade da árvore é bastante real (sem que seja, ainda, atual).

É virtual toda entidade "desterritorializada", capaz de gerar diversas manifestações concretas em diferentes momentos e locais determinados, sem contudo estar ela mesma presa a um lugar ou tempo em particular. Para usar um exemplo fora da esfera técnica, uma palavra é uma entidade virtual. O vocábulo "árvore" está sempre sendo pronunciado em um local ou outro, em determinado dia numa certa hora. Chamaremos a enunciação deste elemental lexical de "atualização". Mas a palavra em si, aquela que é pronunciada ou atualizada em certo lugar, não está em lugar nenhum e não se encontra vinculada a nenhum momento em particular (ainda que ela não tenha existido desde sempre). (...) Ainda que não possamos fixá-lo em nenhuma coordenada espaçotemporal, o virtual é real. Uma palavra existe de fato. O virtual existe sem estar presente.

Pierre Lévy (Cibercultura; págs: 49 e 50)

26 de março de 2015

COMPUTADOR

Os sistemas operacionais são programas que gerenciam os recursos dos computadores (memória, entrada e saída etc.) e organizam a mediação entre o hardware e o software aplicativo. O software aplicativo não se encontra, portanto, em contato direto com o hardware. É por isso que um mesmo aplicativo pode funcionar em diferentes tipos de hardware, desde que tenham o mesmo sistema operacional. (...) Um computador é uma montagem particular de unidades de processamento, de transmissão, de memória e de interfaces para entrada e saída de informações. (...) Todas as funções da informática são distribuíveis e, cada vez mais, distribuídas. O computador não é mais um centro, e sim um nó, um terminal, um componente da rede universal calculante. (...) O computador, então, não é apenas uma ferramenta a mais para a produção de textos, sons e imagens, é antes de mais nada um operador de virtualização da informação.

Pierre Lévy (Cibercultura; págs: 43, 44, 45 e 57)

25 de março de 2015

INTERFACES: REALIDADE VIRTUAL E REALIDADE AMPLIADA

Em termos de interfaces, há duas linhas paralelas de pesquisa e desenvolvimento em andamento. Uma delas visa a imersão através dos cinco sentidos em mundos virtuais cada vez mais realistas. A "realidade virtual" é usada, em particular, nos domínios militar, industrial, médico e urbanístico. Nesta abordagem das interfaces, o humano é convidado a passar para o outro lado da tela e a interagir de forma sensório-motora com modelos digitais. Em outra direção de pesquisa, chamada de "realidade ampliada", nosso ambiente físico natural é coalhado de sensores, câmeras, projetores de vídeo, módulos inteligentes, que se comunicam e estão interconectados a nosso serviço. Não estamos mais nos relacionando com um computador por meio de uma interface, e sim executamos diversas tarefas em um ambiente "natural" que nos fornece sob demanda os diferentes recursos de criação, informação e comunicação dos quais precisamos.

Pierre Lévy (Cibercultura; pág: 38)

BITES E BYTES

As capacidades de armazenamento dos suportes de memória são medidas em bits (unidade de codificação elementar: 0 ou 1) ou em bytes (8 bits). O byte corresponde ao espaço de memória necessário para codificar um caracter alfabético. Um kilobyte (Kb) = 1.000 bytes. Um megabyte (Mb) = 1.000.000 bytes. Um gigabyte (Gb) = 1.000.000.000 bytes.

Pierre Lévy (Cibercultura; pág; 34)

24 de março de 2015

O QUE É SUCESSO E QUEM PODE SER BEM-SUCEDIDO?

É incrível como existe no mundo (nas escolas, nas universidades, nos institutos de pesquisa, nas grandes empresas, entre os grupos de amigos) uma espécie de ideologia de que alguns poucos eleitos nasceram para o sucesso, a fama e as grandes conquistas, enquanto os demais devem se contentar com a "média". Ocorre que pessoas bem sucedidas não possuem nada além daquelas que vivem uma vida "regular". Digo, não existe um gene do sucesso, ou uma força maior que beneficie alguns poucos eleitos. Na verdade, somos todos iguais, temos habilidades e limitações, sentimos alegria e tristeza, temos coragem para algumas coisas e somos covardes para outras, mas o que realmente muda de uma pessoa para outra é o modo como cada uma trabalha suas habilidades.

É difícil se acostumar com a ideia de que, desconsiderando fatores econômicos, nascemos todos com perspectivas muito parecidas de conseguir sucesso em diversas atividades, especialmente quando nos deparamos com pessoas que parecem ter habilidades sobrenaturais. Sim, todo mundo conhece alguém que nos faz lembrar diariamente das nossas limitações. Para alguns pode ser o músico famoso, a atriz bem sucedida, o empresário rico, o gênio da ciência e até mesmo aquelas crianças prodígios (alguns aqui lembrarão diretamente dos asiáticos).

Um exemplo de criança prodígio costumeiramente citado é Wolfgang Amadeus Mozart, que, aos 3 anos, começou a tocar piano, aos 5 já compunha, aos 6 se apresentava para o rei da Bavária de olhos vendados, e aos 12 terminou sua primeira ópera. Para muitos, isso tudo poderia indicar um talento de nascença, um presente dado apenas a alguns escolhidos. Mas, se analisarmos com mais detalhes, a história não é bem assim. O talento desenvolvido por Mozart não surgiu do nada. Como filho de um professor de música e irmão de uma pianista, foi educado desde cedo, passando boa parte (várias horas) dos dias na frente do piano quando era criança. Suas primeiras composições não eram obras-primas (continham muitas repetições e melodias que já existiam). Na verdade, estudiosos de música consideram que a primeira obra realmente genial de Mozart foi um concerto de 1777, quando já tinha 21 anos de idade. Ou seja, apesar de ter começado muito cedo, Mozart só compôs algo digno de gênio depois de 15 anos de treino.

A REGRA DAS 10 MIL HORAS

Daí surge uma teoria que muitos já podem ter ouvido falar, a Regra das 10 mil horas. Segundo o difusor dessa ideia, se você quer realmente ser muito bom em algo, passe 10 mil horas praticando, número fictício pensado com base no que grandes especialistas de várias áreas fizeram. Assim, se você se dedicar a aprender/praticar algo 1h por dia, exigirá 27 anos de esforço, se utilizar 3h por dia, precisará de 10 anos de esforço, e se dedicar 8h por dia, demandará 3,5 anos de trabalho. Ou seja, com dedicação e trabalho é possível se tornar um expert em muitas coisas.

É claro que nem tudo é apenas treino, já que determinadas habilidades exigirão algumas outras aptidões biológicas. Para um atleta, por exemplo, a constituição física tem bastante relevância para o sucesso, mas não podemos dizer que é o fato mais importante ou é um fator absolutamente limitante. A prática, o treino, os exercícios se tornam absolutamente imprescindíveis para competir em alto nível, especialmente se partirmos da premissa de que os demais atletas qualificados possuem uma constituição biofísica semelhante. Mitos como essa costumam ser alimentados pela mídia dos heróis. Chamo de mídia dos heróis aquela que busca mostrar para os telespectadores que é necessário dar ibope para determinada pessoa porque ela é melhor do que as outras em função de um verdadeiro dom e, por isso, acaba sendo um gênio. Lembro bem de uma reportagem feita pelo Fantástico falando do Michael Phelps, o nadador recordista de medalhas olímpicas, falando que seu corpo tinha a constituição perfeita para a natação. É claro que eles falaram as várias horas e do treinamento duro do Phelps, mas se importaram em registrar com muita ênfase que o corpo ideal que ele tinha uma importância fora do comum no sucesso dele.

Aqui, eu gostaria de tentar quebrar um pouco desse mito. Não dizendo que determinadas características biológicas não sejam importantes, mas sim que elas não são determinantes. Eu, você e qualquer outro que se disponha a praticar e se dedicar, é capaz de fazer coisas tidas como inimagináveis ou geniais, mas que, na verdade, são frutos de muita abnegação e suor. Aquilo que alguns costumam chamar de "talento natural para liderança" ou "aptidão nata para os esportes" não tem grande relação com a nossa genética. Anders Ericsson, professor de psicologia da Universidade da Flórida que há 20 anos estuda por que algumas pessoas são mais bem-sucedidas do que outras, defende que não há evidência de que exista uma causa genética para o sucesso ou o talento de alguém. Ou seja, não existe, como alguns pensam, um gene para o sucesso que justifique aquilo que alguns dizem quando se referem a alguém bem sucedido: "esse tem um talento natural, tudo o que faz dá certo".

98% TRABALHO DURO

Numa pesquisa feita em 1992, pesquisadores decidiram estudar pessoas consideradas talentosas para entender o que as diferenciava das demais. Começaram investigando pianistas profissionais em comparação com pessoas que apenas começaram a estudar, mas desistiram pouco depois (nesse caso, pianistas são excelentes para o estudo porque seu talento é mensurável: ou eles sabem executar a música ou não sabem). Dentre as 257 pessoas estudadas, os cientistas não conseguiram achar ninguém com habilidades sobrenaturais - todos eram igualmente dotados. Entre os dois grupos, a diferença encontrada é que os pianistas "fracassados" tinham passado muito menos tempo estudando do que os bem-sucedidos. Quer dizer, não é que faltou talento para os amadores virarem mestres - faltou dedicação. O grande mérito da pesquisa não foi perceber o que já se tornou um dito popular: "a prática leva à perfeição". A novidade do estudo foi medir o tempo necessário de estudo para alguém se destacar internacionalmente em alguma área: 10 mil horas. Assim, observando os grandes talentos das mais diversas áreas, Anders Ericsson chegou a esse número. Pessoas bem-sucedidas, do campeão de xadrez Kasparov ao Steve Jobs, ficaram esse tempo todo aperfeiçoando seu ofício. E não se trata aqui de exercícios leves. O que realmente faz alguém ficar bom em algo é treino duro, dolorido, no limite do executável. No fim das contas, é treino tão difícil que modifica seu cérebro. (Só para constar: estima-se que aos 6 anos Mozart já tivesse estudado piano 3.500 horas. Quer dizer, ele não era talentoso, era assustadoramente dedicado).

AUTOCONTROLE E PERSISTÊNCIA

Se treino é responsável por boa parte do sucesso das pessoas que chegaram ao ponto mais alto do pódio (outros fatores virão), é preciso entender o que as levou a se esforçar tanto. "Quem passa 10 mil horas da vida se dedicando a qualquer coisa que seja tem pelo menos uma característica muito ressaltada: o autocontrole". É isso o que permite que a pessoa não se lembre que seria muito mais legal dormir ou estar no bar do que trabalhando.

"O teste do marshmallow", feito na Universidade Stanford na década de 1960, é o melhor exemplo que se tem sobre a ocorrência de autocontrole. Psicólogos ofereciam a crianças um grande marshmallow e davam a elas a opção de comê-lo imediatamente ou esperar um tempinho enquanto os psicólogos saíssem da sala. Se as crianças esperassem, ganhariam de recompensa um segundo marshmallow. Apenas um terço das crianças aguentava esperar, o resto comia o doce afoitamente. (Há um video na internet desse teste feito nos dias de hoje. As imagens das crianças tentando resistir à tentação são de partir o coração). Depois, os pesquisadores acompanharam o desempenho dessas crianças nas décadas seguintes. Aquelas que haviam esperado pelo segundo doce tinham tirado notas mais altas no vestibular e tinham mais amigos. Depois de anos estudando esse grupo de voluntários, concluiu-se que a capacidade de manter o autocontrole previa com muito mais precisão a ocorrência de sucesso e ajustamento - era mais eficiente do que QI ou condição social, por exemplo. Por isso, tente sempre atrasar as gratificações - passe vontade e não faça sempre o que der na telha: o segredo para o sucesso pode estar ai".

A questão agora é entender por que algumas pessoas abrem mão do prazer imediato em troca do trabalho duro. e por que outras preferem sempre sair mais cedo do escritório. O processo mental, na verdade, é muito simples: para ter autocontrole, é preciso não ficar pensando na tentação e focar naquilo que é realmente importante no momento - por exemplo, terminar o serviço. É possível que esses traços tenham uma origem genética (alguns podem falar aqui de quem sofre de TDAH), mas é mais provável que a diferença esteja em outro ponto importante para entender o sucesso: motivação. Quem está motivado para ganhar uma medalha olímpica ou fazer um bom trabalho também abre mão da soneca da tarde com mais facilidade.

Motivação e ambição, contudo, são um negócio meio misterioso. Não funciona para todos da mesma maneira. "A maioria das pessoas sonha com um emprego estável, um salário aceitável, um chefe legal. Nem todo mundo tem ambição e quer crescer o tempo todo", diz Marcelo Ribeiro, professor do departamento de psicologia social e do trabalho da USP. Por isso, entender o que te motiva é fundamental. Dinheiro também não é a resposta para tudo. Nem sempre ele funciona como um bom motivador (mas não deixe seu chefe ler isso, se você estiver querendo um aumento). Num estudo da Universidade Clark, nos EUA, que testava a capacidade de voluntários de resolver problemas de lógica, o dinheiro só atrapalhou. Quem era recompensado financeiramente para chegar à solução levava muito mais tempo para resolver o problema. Os outros, sem a pressão do dinheiro, se deram melhor. Em muitos casos, acreditar que você está fazendo algo relevante é mais eficiente para motivação do que um salário maior. Não é à toa, então, que empresas que esperam resultados inovadores têm horários e cobranças flexíveis - para esses funcionários, fazer a diferença e a sensação de liberdade pode valer mais do que ganhar muito.

FATORES EXTERNOS

Não é demais lembrar que sucesso depende também de uma boa quantidade de sorte. Estar na hora e no lugar certos é muito importante - às vezes até mais do que as horas de treino. "Um estudo feito na Universidade do Kansas mostrou que crianças que crescem em classes sociais mais baixas ouvem, em média, 32 milhões de palavras a menos nos primeiros 4 anos de vida do que seus colegas abastados. Além disso, elas são expostas a um vocabulário menos variado e não são incluídas nas conversas de 'adulto'. Isso pode não ter consequências diretas na inteligência das crianças, mas tem na maneira como elas se relacionam com as pessoas."

Ter habilidades sociais, aliás, é fator determinante para ser bem-sucedido. E é esse o elemento que foge das estatísticas da ciência. Em áreas em que os mais talentosos geralmente são bem recompensados, como nos esportes, a regra das 10 mil horas e a importância da persistência fazem mais sentido. Mas, em ambientes onde a competição é velada, como nos escritórios, o talento pode facilmente ficar em segundo plano - e perder importância para as famosas "afinidades". De acordo com Timothy Judge, especialista em carreira e personalidade da Universidade da Flórida, "a personalidade de uma pessoa afeta não só a escolha do trabalho mas, mais importante, quão bem-sucedida ela vai ser na carreira". Timothy revisou 3 estudos longitudinais de personalidade que acompanharam a carreira de mais de 500 pessoas e chegou a conclusões interessantes. Pessoas autoconscientes, racionais e que pensam antes de agir costumam ganhar mais e subir mais cargos. Já quem é extrovertido e emocionalmente estável é mais feliz. Para o pesquisador, depois de anos observando as pesquisas, subir de status pode ser importante, mas o fator mais determinante para o sucesso ainda é sentir-se realizado. "Se a pessoa está infeliz no trabalho, tem de descobrir o que está atrapalhando. Senão o sucesso não vem mesmo." E para você, o que é sucesso? Você se considera bem-sucedido no que faz? 

Fontes:
- A genialidade do jovem Mozart - Estação Musical
- As metamorfoses no mundo do trabalho - Marcelo Ribeiro
- Como pensar sobre grandes ideias - Mortimer J. Adler
- De onde vêm as boas ideias - Steven Johnson
- Fora de série (Outliers) - Malcolm Gladwell
- How do experts learn? - Anders Ericsson
- Inteligência emocional - Daniel Goleman
- O código do talento - Daniel Coyle
- O poder do hábito - Charles Duhigg
- O segredo do sucesso - Superinteressante
- On the value of aiming high: The causes and consequences of ambition - Timothy Judge

23 de março de 2015

HIPERTEXTO/HIPERDOCUMENTO

Hipertexto é um texto em formato digital, reconfigurável e fluido. [Uma forma não linear de apresentar e consultar informações. Um hipertexto vincula as informações contidas em seus documentos (ou "hiperdocumentos", como preferem alguns) criando uma rede de associações complexas através de hyperlinks ou, mais simplesmente, links. Na Internet, um link é qualquer elemento de uma página da Web que possa ser clicado com o mouse, fazendo com que o navegador passe a exibir uma nova tela, documento, figura etcpág264/266]. Ele é composto por blocos elementares ligados por links que podem ser explorados em tempo real na tela. A noção de hiperdocumento generaliza, para todas as categorias de signos (imagens, animações, sons etc.), o princípio da mensagem em rede móvel que caracteriza o hipertexto. A abordagem mais simples do hipertexto é descrevê-lo, em oposição a um texto linear, como um texto estruturado em rede. O hipertexto é constituído por nós (os elementos de informação, parágrafos, páginas, imagens, sequências musicais etc.) e por links entre esses nós, referências, notas, ponteiros, "botões" indicando a passagem de um nó a outro. Mantendo ainda a definição de "texto em rede" ou de rede de documentação, uma biblioteca pode ser considerada como um hipertexto. Nesse caso, a ligação entre os volumes é mantida pelas remissões, as notas de pé de página, as citações e as bibliografias. Fichários e catálogos constituem os instrumentos de navegação global na biblioteca.

Pierre Lévy (Cibercultura; págs: 27, 58, 264 e 266)

A TÉCNICA E SUAS IMPLICAÇÕES

Uma técnica não é nem boa, nem má (isto depende dos contextos, dos usos e dos pontos de vista), tampouco neutra (já que é condicionante ou restritiva, já que de um lado abre e de outro fecha o espectro de possibilidades). Não se trata de avaliar seus "impactos", mas de situar as irreversibilidades às quais um de seus usos nos levaria, de formular os projetos que explorariam as virtualidades que ela transporta e de decidir o que fazer dela.

Pierre Lévy (Cibercultura; pág; 26)

18 de março de 2015

A DISPUTA DEVE SER MAIS IMPORTANTE QUE A VITÓRIA

A Inglaterra era o berço da maioria dos esportes de destaque mundial, e os primeiros amadores ingleses apregoavam o culto à justiça. A disputa tinha de ser mais importante do que a vitória, e o espírito de competição sobrepunha-se ao placar final. Alguns dos mais conhecidos clubes ingleses de futebol da atualidade têm sua origem nas equipes das escolas dominicais, tendo sido formados de acordo com a ideologia do "cristianismo muscular"*. Esporte e jogo limpo eram quase sinônimos. Se os campeões de 1900 tivessem a chance de testemunhar grandes disputas esportivas um século mais tarde, ficariam um tanto desapontados pela enorme ênfase dada à vitória.

* Movimento da era vitoriana que enfatizava a necessidade de um ativismo cristão enérgico, combinado com um ideal de masculinidade vigorosa.

Geoffrey Blainey (Uma Breve História do Século XX, págs: 290 e 291)

17 de março de 2015

ANOS 60


Beatles, Rolling Stones e Bob Dylan, com suas guitarras elétricas, foram os pioneiros dos palcos. A percepção das divergências crescia. Os hippies apareceram. O álcool e outras drogas, inclusive a heroína, dominavam a atmosfera. A contracultura ficava cada vez mais "contra". O envolvimento dos Estados Unidos na Guerra do Vietnã crescia, e muitos jovens diziam não ao recrutamento.

Geoffrey Blainey (Uma Breve História do Século XX, págs: 247 e 248)

ISLÃ

O Islã não dava trégua; havia somente um Deus, e Alá era seu nome. A maioria de seus pregadores se opunha à profanação, ao consumismo, ao materialismo e ao que viam como uma cultura cada vez mais atordoada e ímpia em Nova York, Paris, Moscou e Cingapura. Dentro do Islã, os extremistas eram evidentes. Eram totalmente opostos ao judaísmo e ao cristianismo. Denunciavam o mundo ocidental secularizado como decadente e extremamente permissivo e tolerante. Por sua vez, eram denunciados como retrógrados e extremamente intolerantes.

Geoffrey Blainey (Uma Breve História do Mundo; pág: 337)


Em 1893, os muçulmanos representavam cerca de 12% da população global; exatamente um século mais tarde, esse índice havia chegado aos 18%. Era a segunda religião em número de fiéis, maior que o número de hinduístas e budistas somados. Os cristãos ainda eram mais numerosos, com um terço da população do planeta, mas sua liderança estava sob ameaça.

Professores e pregadores muçulmanos militantes faziam o recrutamento dos terroristas. Na década de 1980, os escolhidos foram para o Afeganistão, para ajudar na expulsão dos invasores soviéticos ateus. Quando a guerra do Afeganistão acabou, o ódio foi direcionado contra os norte-americanos: cristãos, apoiadores de Israel e disseminadores de uma cultura materialista que seduziu os jovens muçulmanos. Um desses recrutas era Osama Bin Laden.

Geoffrey Blainey (Uma Breve História do Século XX; págs: 296 e 300)

MUNDO MÍSTICO

As estações perderam suas características de distinção, e assim também aconteceu com as diferenças entre noite e dia, verão e inverno. À medida que o céu noturno se tornava menos importante, a Lua também diminuía sua influência sobre as atividades humanas. Trabalho e lazer, cidade e campo deixaram de proporcionar esses contrastes. No imenso espaço de tempo em que predominaram os caçadores e agricultores, as estações foram de extrema importância. O verão e o inverno, a primavera e o outono determinavam o que as pessoas comiam, as cerimônias de que participavam, os confortos e dificuldades de suas vidas cotidianas. (...) A escuridão mantinha as pessoas dentro das cavernas, em seus abrigos nas árvores, em suas cabanas ou casas de fazenda. O medo de animais selvagens também servia de incentivo para ficarem dentro de casa ou próximos à luz protetora de uma fogueira. A noite estava ligada ao sinistro. Dizia-se que o diabo conduzia orgias e as bruxas voavam em suas vassouras no meio da noite.

Geoffrey Blainey (Uma Breve História do Mundo; págs: 326 e 329)

SECULARIZAÇÃO

A morte já não era mais vista como um ato de Deus que podia ocorrer a qualquer hora. A raça humana era vista com otimismo exagerado, como a arquiteta e inventora de seu próprio futuro. Deus estava sendo desafiado por engenheiros, construtores de navios, bacteriologistas, cirurgiões e todos os outros heróis da nova tecnologia, assim como pelos líderes políticos, que estavam agora atacando muitos dos males do mundo existentes há muito tempo, incluindo a pobreza e a escravidão.

Geoffrey Blainey (Uma Breve História do Mundo; pág: 270)

SABÃO


O sal marinho ou certos tipos de algas produziam a soda, que, por sua vez, era um dos ingredientes do sabão. Em muitas partes da Europa, o outro ingrediente do sabão era o sebo, a gordura dos animais ou uma mistura de azeite de oliva e óleo de semente de colza. Fazer sabão, portanto, era usar matérias-primas que, do contrário, seriam consumidas. Em épocas de fome, a fabricação de sabão e até mesmo o ato de lavar com sabão era como roubar comida da boca dos famintos.

Geoffrey Blainey (Uma Breve História do Mundo, pág: 226)

OS IPÊS AMARELOS


Acho curriculum vitae uma coisa boba. Sei que os burocratas sem eles se sentiriam perdidos. Por amor aos burocratas e curiosos fiz uma concessão: coloquei o meu na minha homepage. Mas lhe dei um nome novo. "Curriculum", em latim, quer dizer "pista de corrida". Um curriculum vitae é, assim, uma enumeração dos lugares por onde se passou, na correria da vida. As coisas que ele registra não existem mais. O que é passado está morto. Assim, na minha homepage, ao invés de curriculum vitae eu escrevi curriculum mortis, porque eu não sou o meu passado. Eu sou o meu agora. De um pianista que vai iniciar o seu concerto não se espera que ele diga os nomes dos professores com quem estudou e os prêmios que ganhou. Dele só se espera uma coisa: que se assente ao piano e toque. Existirá tédio maior que aquelas apresentações de oradores em que o apresentador vai enumerando cursos, livros e honrarias? Ninguém presta atenção, ninguém quer saber.

Ao final de uma entrevista, o entrevistador me fez a última pergunta: "Como é que o senhor se definiria?". Fui pego de surpresa. A resposta teria de ser curta. Lembrei-me da frase que o poeta Robert Frost escolheu para o seu epitáfio: "Ele teve um caso de amor com a vida...". Encontrei a minha definição de mim mesmo. Respondi: "Eu tenho um caso de amor com a vida...". Uma professora me contou esta coisa deliciosa. Um inspetor visitava a escola. Numa sala ele viu, colados nas paredes, trabalhos dos alunos acerca de alguns dos meus livros infantis. Como que num desafio, ele perguntou à criançada: "E quem é Rubem Alves?". Um menininho respondeu: "O Rubem Alves é um homem que gosta de ipês amarelos...". A resposta do menininho me deu grande felicidade. Ele sabia das coisas. As pessoas são aquilo que elas amam. Descartes afirmou: "Penso, logo existo". Eu inverto Descartes e digo: "Amo, logo existo".

Mas o menininho não sabia que sou um homem de muitos amores... Amo os ipês, mas amo também caminhar sozinho. Muitas pessoas levam seus cães a passear. Eu levo meus olhos a passear. E como eles gostam! Eles têm fome de ver. Encantam-se com tudo. Para eles o mundo é assombroso. Tenho dó daqueles que caminham para fazer exercício, cabeça baixa, olhando para o chão, com cara de sofrimento, sem ver as árvores e os pássaros. Caminham na companhia de suas velhas idéias... Gosto também de banho de cachoeira, de vento na cara, do barulho das folhas dos eucaliptos, do cheiro das magnólias, de música clássica, de canto gregoriano, de viola caipira, de poesia, de olhar as estrelas, de cachorro, das pinturas de Vermeer (o pintor do filme Moça com brinco de pérola), de Monet, de Dalí, de Carl Larsson, do repicar de sinos, das catedrais góticas, de jardins, da comida mineira, de conversar à volta da lareira, de namorar (para isso não há idade), de crianças, ("Grande é a poesia, a bondade e as danças, mas a melhor coisa do mundo são as crianças...", Fernando Pessoa), de plantar árvores, de canto de sabiá, de balanço, de ver os filhos rindo, de escrever...

Escrever é a minha grande alegria! Já me sugeriram escrever um romance. Não escreverei, Romance é coisa complicada, estória com princípio, meio e fim. Não tenho competência, não tenho paciência, não tenho tempo. Já tenho 71 anos. É preciso escrever curto porque a arte é longa e a vida é breve. Sou um esteta. Diz Alberto Caeiro que o mundo é para ser visto e não para pensarmos nele. Nos poemas bíblicos da criação está relatado que Deus, ao fim de cada dia de trabalho, sorria ao contemplar o mundo que criara: tudo era muito bonito. Os olhos são a porta pela qual a beleza entra na alma. Meus olhos se espantam com tudo. Sou místico. Ao contrário dos místicos religiosos que fecham os olhos para verem Deus, a Virgem e os anjos, eu abro bem os meus para ver as frutas e legumes nas bancas de feira. Cada fruto é um assombro, um milagre. Uma cebola é um milagre.

Tanto assim que Neruda escreveu uma ode em seu louvor: "Rosa de água com escamas de cristal...". Vejo e quero que os outros vejam comigo. Por isso escrevo. Faço fotografias com palavras. Diferentes dos filmes que exigem tempo para serem vistos, as fotografias são instantâneas. Minhas crônicas são fotografias. Escrevo para fazer ver. Uma das minhas alegrias são os e-mails que recebo de pessoas que me confessam haver aprendido o gozo da leitura lendo os meus textos. Os adolescentes que parariam desanimados diante de um livro de duzentas páginas sentem-se atraído por um texto pequeno de três páginas. O que escrevo são aperitivos. Na literatura, frequentemente, o curto é muito maior que o comprido. Há poemas que contêm um universo. Mas escrevo também com uma intenção gastronômica. Quero que meus textos sejam comidos. Mais do que isso: quero que eles sejam comidos com prazer. Esse é o sonho de cada escritor. Comida ruim é vomitada. Texto ruim também. Já um texto que dá prazer é degustado vagarosamente. São esses os textos que se transformam em carne e sangue, como na eucaristia.

Sei que não me resta muito tempo. Já é crepúsculo. Não tenho medo da morte. O que sinto é tristeza. O mundo é muito bonito! Gostaria de ficar por aqui... Escrever é o meu jeito de ficar por aqui. Cada texto é uma semente. Depois que eu for, elas ficarão. Quem sabe se transformarão em árvores! Torço para que sejam ipês amarelos...

Rubem Alves (Um Céu Numa Flor Silvestre; págs: 73, 74, 75 e 76)

12 de março de 2015

COMUNICAÇÃO DE MASSA NA IDADE MÉDIA

A comunicação de massa já estava a postos, mesmo na Idade Média. O sino, a bandeira e os sinais de fumaça eram meios que podiam enviar mensagens simultaneamente a milhares de pessoas. O som alto do sino, dependurado num campanário de uma cidade medieval, podia ser ouvido a várias milhas de distância, embora os que estivessem dentro desse raio de audição tivessem de avaliar se a mensagem os chamava para um serviço religioso ou anunciava que alguém de importância havia morrido. A bandeira colorida, geralmente feita de lã, enviava uma mensagem visual nítida a pessoas que não sabiam ler nem contar. Até o fim do século 19, a bandeira amarela significava doença infecciosa e a bandeira branca era um pedido de paz num campo de batalha. O fogo e a fumaça eram outro meio de comunicação, quando a disputa acontecia em alto-mar. Uma sucessão de fogueiras era arranjada de forma que, quando acesas, anunciassem a guerra. A oração coletiva em silêncio era vista como outro meio poderoso.

Dos meios tradicionais, a voz humana era a mais empregada. A maioria das notícias era passada adiante de boca em boca, fosse à beira de uma estrada na China ou num templo de Java. As palavras faladas lentamente e com ponderação alcançavam todos os cantos de um grande anfiteatro. Cristo e João Batista devem ter possuído vozes que se projetavam a longa distância. Aqueles que hoje vivem na era do alto-falante e do microfone não entendem a que distância pode chegar a voz humana ao natural. Em 1739, o jovem evangelizador inglês, George Whitefield, falava ao ar livre na cidade americana de Filadélfia; uma multidão inacreditável juntou-se a seu redor na esperança de ouvi-lo, despertando a curiosidade de Benjamin Franklin, que se encontrava por perto, em saber quantos espectadores podiam ouvir suas palavras. Ele mentalmente marcou os lugares mais afastados onde a voz do orador estava a ponto de tornar-se inaudível e concluiu que mais de 30 mil pessoas ouviam Whitefield naquele dia.

Geoffrey Blainey (Uma Breve História do Mundo; pág: 157)

O TRIO TRIUNFANTE

As três religiões universais a terem cruzado fronteiras, capazes de converter uma variedade de terras e povos, nasceram durante uma fase especial da história humana. Buda, Cristo e Maomé surgiram num espaço de tempo pouco superior a mil anos. A primeira crença, o budismo, apareceu por volta do primeiro século antes de Cristo, e a última, o Islã, emergiu no século 7º depois de Cristo. Desde então, nenhuma nova versão de uma religião universal atingiu tamanho sucesso.

As religiões universais atraíram de forma especial os imperadores que tentavam governar povos que não tinham uma coesão social.

Geoffrey Blainey (Uma Breve História do Mundo; págs: 128 e 130)

JOGOS OLÍMPICOS

Algumas cidades mais ambiciosas recrutavam atletas e lhes pagavam bem se ganhassem. Silenciosamente, o profissionalismo permeou um festival que, mais tarde, foi aclamado pelos europeus como o coração do amadorismo, ao ressuscitarem  os Jogos Olímpicos, 1896. Uma cidade grega chamada Crotona, no extremo sul da Itália, criou o desejo atual de ganhar a qualquer custo.

Geoffrey Blainey (Uma Breve História do Mundo, págs: 68 e 69)

10 de março de 2015

CRISTIANISMO SEM LÁGRIMAS

Simon Stålenhag
 
Não se pode fazer um calhambeque sem aço, e não se pode fazer uma tragédia sem instabilidade social. O mundo agora é estável. As pessoas são felizes, têm o que desejam e nunca desejam o que não podem ter. Sentem-se bem, estão em segurança; nunca adoecem; não têm medo da morte; vivem na ditosa ignorância da paixão e da velhice; não se acham sobrecarregadas de pais e mães; não tem esposas, nem filhos, nem amantes por quem possam sofrer emoções violentas; são condicionadas de tal modo que praticamente não podem deixar de se portar como devem. E se, por acaso, alguma coisa andar mal, há o soma. (...) Mas esse é o preço que temos de pagar pela estabilidade. É preciso escolher entre a felicidade e aquilo que antigamente se chamava a grande arte. Nós sacrificamos a grande arte. Temos, em seu lugar, os filmes sensíveis e o órgão de perfumes. (...) A felicidade real sempre parece bastante sórdida em comparação com as supercompensações do sofrimento. E, por certo, a estabilidade não é, nem de longe, tão espetacular como a instabilidade. E o fato de estar satisfeito nada tem da fascinação de uma boa luta contra a desgraça, nada do pitoresco de um combate contra a tentação, ou de uma derrota fatal sob os golpes da paixão ou da dúvida. A felicidade nunca é grandiosa.
 
Respondeu Mustafá Mond(...) a civilização industrial somente é possível quando não há desprendimento. É necessário o gozo até os limites impostos pela higiene e pelas leis econômicas. Sem isso, as rodas cessariam de girar. (...) E a instabilidade é o fim da civilização. Não se pode ter uma civilização duradoura sem uma boa quantidade de vícios amáveis. (...) A civilização não tem nenhuma necessidade de nobreza ou de heroísmo. Essas coisas são sintomas de incapacidade política. Numa sociedade convenientemente organizada como a nossa, ninguém tem oportunidade para ser nobre ou heroico. É preciso que as coisas se tornem profundamente instáveis para que tal oportunidade possa apresentar-se. Onde houver guerras, onde houver obrigações de fidelidade múltiplas e antagônicas, onde houver tentações a que se deva resistir, objetos de amor pelos quais se deva combater ou que seja preciso defender, aí, evidentemente, a nobreza e o heroísmo terão algum sentido. Mas não há guerras em nossos dias. Toma-se o maior cuidado em evitar amores extremados, seja por quem for. Não há nada que se assemelhe a obrigações de fidelidade antagônicas; todos são condicionados de tal modo que ninguém pode deixar de fazer o que deve. E o que se deve fazer é, em geral, tão agradável, deixa-se margem a tão grande número de impulsos naturais, que não há, verdadeiramente, tentações a que se deva resistir. E se alguma vez, por algum acaso infeliz, ocorrer de um modo ou de outro qualquer coisa de desagradável, bem, então há o soma, que permite uma fuga da realidade. E sempre há o soma para acalmar a cólera, para nos reconciliar com os inimigos, para nos tornar pacientes e nos ajudar a suportar os dissabores. No passado, não era possível alcançar essas coisas senão com grande esforço e depois de anos de penoso treinamento moral. Hoje, tomam-se dois ou três comprimidos de meio grama e pronto. Todos podem ser virtuosos agora. Pode-se carregar consigo mesmo, num frasco, pelo menos a metade da própria moralidade. O Cristianismo sem lágrimas, eis o que é o soma.

Aldous Huxley (Admirável Mundo Novo; págs: 264, 265, 266, 282, 283 e 284)


A gente inventa qualquer coisa
Pra não sofrer
E ri à toa
Pra não chorar

A gente inventa de morar até na lua
E quer partir de mala e cuia
A gente vive em edifício de elevador
Quer morar no céu ou no Arpoador

E ri à toa
pra não chorar

A gente sonha, bebe e chora pra esquecer
Rasga cartas e retratos pra não sofrer
A gente sai pra viajar, pra caminhar
Quer trabalhar pra não lembrar

A gente não quer encarar o bicho
Que tá roendo dentro de nós

A gente inventa qualquer coisa
Pra ser feliz
Se apaixona por um ator
ou por uma atriz

Zé da Riba (Fuga nº 1)

VELHICE E SENTIMENTO RELIGIOSO

Um homem envelhece; percebe em si mesmo aquela sensação radical de fraqueza, de atonia, de mal-estar que acompanha o avançar da idade; e, sentindo-se assim, julga estar apenas doente, aquieta seus temores com a ideia de que esse estado penoso é devido a alguma causa particular, da qual espera curar-se como de uma moléstia. Vãs imaginações! A moléstia é a velhice; e trata-se de uma doença horrível. Dizem que é o medo da morte, e do que vem depois da morte, que leva os homens a se voltarem para a religião à medida que os anos se acumulam. Todavia, a experiência pessoal me trouxe a convicção de que, completamente à parte de tais temores e imaginações, o sentimento religioso tende a desenvolver-se quando envelhecemos; tende a desenvolver-se porque, à medida que as paixões se acalmam, que a fantasia e a sensibilidade vão sendo menos excitadas e menos excitáveis, a razão é menos perturbada em seu exercício, menos obscurecida pelas imagens, desejos e distrações que a absorviam; então, Deus emerge como se tivesse saído de trás de uma nuvem; nossa alma vê, sente a fonte de toda luz, volta-se natural e inevitavelmente para ela; porque, tendo começado a esvair-se dentro de nós tudo aquilo que dava ao mundo das sensações sua vida e seu encanto, não sendo mais a existência material sustentada por impressões externas e internas, sentimos a necessidade de nos apoiarmos em algo que permaneça, que nunca nos traia - uma realidade, uma verdade, absoluta e eterna. Sim, voltamo-nos inevitavelmente para Deus; pois esse sentimento religioso é por natureza tão puro, tão delicioso para a alma que o experimenta, que compensa todas as nossas outras perdas.

Aldous Huxley (Admirável Mundo Novo; págs: 278 e 279)

A FELICIDADE É MAIS EXIGENTE DO QUE A VERDADE

O saber era o mais alto bem: a verdade, o valor supremo; tudo o mais era secundário e subordinado. (...) Nosso Ford mesmo fez muito para diminuir a importância da verdade e da beleza, em favor do conforto e da felicidade. A produção em massa exigia essa transferência. A felicidade universal mantém as engrenagens em funcionamento regular; a verdade e a beleza são incapazes de fazê-lo. E, é claro, cada vez que as massas tomavam o poder público, era a felicidade, mais do que a verdade e a beleza, o que importava. (...) A felicidade é uma soberana exigente, sobretudo a felicidade dos outros. Uma soberana muito mais exigente do que a verdade, quando não se está condicionado para aceitá-lo sem restrições. (...). Até a época da Guerra dos Nove Anos. Ela fez com que mudassem de tom, posso garantir-lhes. Que valor podem ter a verdade, a beleza e o conhecimento quando as bombas de carbúnculo estouram em torno de nós? Foi então que a ciência começou a ser controlada: depois da Guerra dos Nove Anos. Nesse ponto, as pessoas estavam dispostas a deixar controlar até seus apetites. Qualquer sacrifício em troca de uma vida sossegada. Desde então, nós temos continuado a controlar. Isso não foi muito bom para a verdade, sem dúvida. Mas foi excelente para a felicidade.

Aldous Huxley (Admirável Mundo Novo; págs: 272, 273 e 274)

3 de março de 2015

CONSUMO, EXCEDENTE E INFORMACIONALISMO

O produto do processo produtivo é usado pela sociedade de duas formas: consumo excedente. As estruturas sociais interagem com os processos produtivos determinando as regras para a apropriação, distribuição e uso do excedente. Essas regras constituem modos de produção, e esses modos definem as relações sociais de produção, determinando a existência de classes sociais, constituídas como tais mediante sua prática histórica. O princípio estrutural de apropriação e controle do excedente caracteriza um modo de produção. No século XX temos, essencialmente, dois modos predominantes de produção: o capitalismo e o estatismo. No capitalismo, a separação entre os produtores e seus meios de produção, a transformação do trabalho em commodity e a posse privada dos meios de produção, com base no controle do capital (excedente transformado em commodity), determinaram o princípio básico da apropriação e distribuição do excedente pelos capitalistas. Entretanto, sabem quem é (são) a(s) classe(s) capitalista(s) constitui um tema para a investigação social em cada contexto histórico, e não uma categoria abstrata. No estatismo, o controle do excedente é externo à esfera econômica: fica nas mãos dos detentores do poder estatal; vamos chamá-los de apparatchiki ou lingdao. O capitalismo visa a maximização de lucros, ou seja, o aumento do excedente apropriado pela capital com base no controle privado sobre os meios de produção e circulação. O estatismo visa (visava?) a maximização do poder, ou seja, o aumento da capacidade militar e ideológica do aparato político para impor seus objetivos sobre um número maior de sujeitos e nos níveis mais profundos de seu consciente.
 
As relações sociais de produção e, portanto, o modo de produção determinam a apropriação e os usos do excedente. Uma questão à parte, embora fundamental, é o nível desse excedente determinado pela produtividade de um processo produtivo específico, ou seja, pelo índice do valor de cada unidade de produção em relação ao valor de cada unidade de insumos. Os próprios níveis de produtividade dependem da relação entre a mão-de-obra e a matéria, como uma função do uso dos meios de produção pela aplicação de energia e conhecimentos. Esse processo é caracterizado pelas relações técnicas de produção, que definem modos de desenvolvimento. Dessa forma, os modos de desenvolvimento são os procedimentos mediante os quais os trabalhadores atuam sobre a matéria para gerar o produto, em última análise, determinando o nível e a qualidade do excedente.
 
Cada modo de desenvolvimento é definido pelo elemento fundamental à promoção da produtividade no processo produtivo. Assim, no modo agrário de desenvolvimento, a fonte do incremento de excedente resulta dos aumentos quantitativos da mão-de-obra e dos recursos naturais (em particular a terra) no processo produtivo, bem como da dotação natural desses recursos. No modo de desenvolvimento industrial, a principal fonte de produtividade reside na introdução de novas fontes de energia e na capacidade de descentralização do uso de energia ao longo dos processos  produtivos e de circulação. No novo modo informacional de desenvolvimento, a fonte de produtividade acha-se na tecnologia de geração de conhecimentos, de processamento da informação e de comunicação dos símbolos. Na verdade, conhecimento e informação são elementos cruciais em todos os modos de desenvolvimento, visto que o processo produtivo sempre se baseia em algum grau de conhecimento e no processamento da informação. Contudo, o que é específico ao modo informacional de desenvolvimento é a ação de conhecimentos sobre os próprios conhecimentos como principal fonte de produtividade. O processamento da informação é focalizado na melhoria da tecnologia do processamento da informação como fonte de produtividade, em um círculo virtuoso de interação entre as fontes de conhecimentos tecnológicos e a aplicação da tecnologia para melhorar a geração de conhecimentos e o processamento da informação: é por isso que, voltando à moda popular, chamo esse novo modo de desenvolvimento de informacional, constituído pelo surgimento de um novo paradigma tecnológico baseado na tecnologia da informação. Cada modo de desenvolvimento tem, também, um princípio de desempenho estruturalmente determinado que serve de base para a organização dos processos tecnológicos: o industrialismo é voltado para o crescimento da economia, isto é, para a maximização da produção; o informacionalismo, visa o desenvolvimento tecnológico, ou seja, a acumulação de conhecimentos e maiores níveis de complexidade do processamento da informação. Embora graus mais altos de conhecimentos geralmente possam resultar em melhores níveis de produção por unidade de insumos, é a busca por conhecimentos e informações que caracteriza a função da produção tecnológica no informacionalismo.

Manuel Castells (A Era da Informação: A Sociedade em Rede; págs: 52, 53 e 54)

PRODUÇÃO, EXPERIÊNCIA E PODER

As sociedades são organizadas em processos estruturados por relações historicamente determinadas de produção, experiência e poder. Produção é a ação da humanidade sobre a matéria (natureza) para apropriar-se dela e transformá-la em seu benefício, obtendo um produto, consumindo (de forma irregular) parte dele e acumulando o excedente para investimento conforme os vários objetivos socialmente determinados. Experiência é a ação dos sujeitos humanos sobre si mesmos, determinada pela interação entre as identidades biológicas e culturais desses sujeitos em relação aos seus ambientes sociais e naturais. É construído pela eterna busca de satisfação das necessidades e desejos humanos. Poder é aquela relação entre os sujeitos humanos que, com base na produção e na experiência, impõe a vontade de alguns sobre os outros pelo emprego potencial ou real de violência física ou simbólica. As instituições sociais são constituídas para impor o cumprimento das relações de poder existentes em cada período histórico, inclusive os controles, limites e contratos sociais conseguidos nas lutas pelo poder. A produção é organizada em relações de classe que definem o processo pelo qual alguns sujeitos humanos, com base em sua posição no processo produtivo, decidem a divisão e os empregos do produto em relação ao consumo e ao investimento. A experiência é estruturada pelo sexo/relações entre os sexos, historicamente organizada em torno da família e, até agora, caracterizada pelo domínio dos homens sobre as mulheres. As relações familiares e a sexualidade estruturam a personalidade e moldam a interação simbólica. O poder tem como base o Estado e seu monopólio institucionalizado da violência, embora o que Foucault chama de microfísica do poder, incorporada nas instituições e organizações, difunda-se em toda sociedade, de locais de trabalho a hospitais, encerrando os sujeitos numa estrutura rigorosa de deveres formais e agressões informais.

Manuel Castells (A Era da Informação: A Sociedade em Rede; págs: 51 e 52)

O TEMPO ATEMPORAL

Houve uma tendência inexorável rumo à aniquilação do tempo como uma sequência ordenada, seja por meio da compressão até o seu limite ou pelo ofuscamento da sequência entre diferentes formas de acontecimentos futuros. O tempo do relógio da era industrial está sendo gradualmente substituído pelo que conceituei como tempo atemporal: o tipo de tempo que acontece quando, há uma perturbação sistêmica na ordem sequencial das práticas sociais desempenhadas no âmbito de um determinado contexto, como a sociedade em rede. Encontrei pela primeira vez os traços do tempo atemporal ao analisar as operações das redes financeiras. Mas ele também apareceu em uma ampla gama de áreas sociais, toda vez que a sequência temporal era cancelada ou ofuscada. Podemos ver isso na tentativa de controlar o relógio biológico do corpo humano por meio da capacidade da ciência médica de permitir que uma mulher conceba uma criança na idade que escolher, superando os limites de sua idade fértil biologicamente programada. Ou no trabalho profissional, com o fim de percursos previsíveis de carreira, o desenvolvimento de tempo flexível e o fim da separação entre jornada de trabalho, tempo pessoal e tempo familiar, como na penetração de todo o tempo/espaço por dispositivos de comunicação sem fio que confundem diferentes práticas em um quadro temporal simultâneo por meio do hábito maciço da realização simultânea de múltiplas tarefas. (...) Como as organizações continuam a se basear no relógio, mas as pessoas estão flexibilizando cada vez mais seu tempo e se deslocando entre diferentes regimes temporais, a realização simultânea de múltiplas tarefas por meio da aceleração proporcionada pela tecnologia resume a tendência para atingir o tempo atemporal: a prática social cujo objetivo é negar a sequência para nos instalar na simultaneidade perene e na ubiquidade simultânea. (...) O tempo atemporal é isso: não se trata da única forma de tempo, mas é o tempo do poder na sociedade em rede, assim como foi o tempo dos poderosos quando eles estabeleceram o calendário, inclusive o ano que marcou o início do tempo na Antiguidade.

Manuel Castells (A Sociedade em Rede - A Era da Informação, Vol. 1; págs: XXVI e XXVII)

PONTOS NODAIS

 
A principal característica espacial da sociedade em rede é a conexão em rede entre o local e o global. A arquitetura global de redes globais conecta seletivamente os lugares, de acordo com seu valor relativo para a rede. Pesquisas urbanísticas recentes, como as de Peter Taylor e dos pesquisadores da Loughborough University, demonstram a importância da lógica de formação de redes globais para a concentração de atividades e população nas regiões metropolitanas. Isso não significa apenas que essas regiões estão conectadas globalmente, mas que as redes globais, e o valor que elas processam, precisam operar a partir de nós na rede. Os centros financeiros em Londres, Tóquio ou Nova York não produziram um mercado financeiro global constituído de redes de computadores em comunicação remota e sistemas de informação. O mercado financeiro global reestruturou e reforçou os lugares, velhos e novos, de onde os fluxos globais de capital são geridos. Não se trata de cidades globais, mas de redes globais que estruturam e mudam áreas específicas de algumas cidades por meio de suas conexões. (...) As funções globais de certas áreas de certas cidades são determinadas por sua conexão às redes globais de criação de valor, transações financeiras, funções gerenciais ou de outro tipo. A partir desses pontos nodais, através da operação de serviços avançados, se expande a base econômica e infra-estrutural da região metropolitana. Assim, é a dinâmica mutante das redes, e de cada rede específica, que explica a conexão com certos lugares, e não os lugares que explicam a evolução das redes.
 
Os pontos de conexão nessa arquitetura global de redes são os lugares que atraem riqueza, poder, cultura, inovação e pessoas, inovadoras ou não. Para se tornarem nós das redes globais, esses lugares precisam de uma infra-estrutura multidimensional de conectividade: transporte multimodal via ar, mar e terra; redes de comunicação; redes de computadores; sistemas avançados de informação e toda a infra-estrutura de serviços acessórios (de contabilidade, a segurança, hotéis e entretenimento) necessários para o funcionamento do nó. Cada uma dessas infra-estruturas precisa ser servida por pessoal altamente capacitado cujas necessidades devem ser satisfeitas por trabalhadores do setor de serviços. Esses são os ingredientes para o crescimento da região metropolitana. Locais de conhecimento e redes de comunicação são os atrativos espaciais da economia da informação, como os locais onde havia recursos naturais e as redes de distribuição de energia determinaram a geografia da economia industrial. E isso vale para Londres, Bombaim, São Paulo ou Johannesburgo. Cada país tem seu(s) grande(s) nó(s) que o conecta(m) a redes globais estratégicas. Esses nós são a base da formação de regiões metropolitanas que determinam a estrutura espacial local/global de cada país por meio de sua formação interna e multi-estratificada de redes. Fora desses pontos de criação de valor em rede, ficam os espaços de exclusão, ou, tomando emprestado o conceito de Dear e Wolch, as "paisagens de desespero", tanto intrametropolitanas quanto rurais.

Manuel Castells (A Era da Informação: A Sociedade em Rede - Prefácio; págs: XX e XXI)