9 de junho de 2020

CASTIDADE E ORTODOXIA POLÍTICA


Diferentemente de Winston, entendera o significado profundo do puritanismo sexual do Partido. Não era apenas que o instinto sexual criasse um mundo próprio fora do controle do Partido - um instinto que, por isso, se possível, tinha de ser destruído. O mais importante era que a privação sexual levava à histeria, desejável porque podia ser transformada em fervor guerreiro e veneração ao líder. Eis como Julia descrevia a questão: “Quando você faz amor, está consumindo energia; depois se sente feliz e não dá a mínima para coisa nenhuma. E eles não toleram que você se sinta assim. Querem que você esteja estourando de energia o tempo todo. Toda essa história de marchar para cima e para baixo e ficar aclamando e agitando bandeiras não passa de sexo que azedou. Se você está feliz na própria pele, porque se excitar com esse negócio de Grande Irmão, Planos Trienais, Dois Minutos de Ódio e todo o resto da besteirada?” Havia uma conexão íntima e direta entre castidade e ortodoxia política. Porque, de que maneira manter no diapasão certo o medo, o ódio e a credulidade imbecil que o Partido necessitava encontrar em seus membros se algum instinto poderoso não fosse represado e depois usado como força motriz? A pulsão sexual era perigosa para o Partido, e o Partido a utilizava em interesse próprio.

George Orwell (1984; pág: 161)

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