9 de junho de 2020

A PERFÍDIA DO CORPO HUMANO

Winston, refletiu sobre a inutilidade biológica da dor e do medo, a perfídia do corpo humano, que invariavelmente se entregava à inércia justo no momento em que se fazia necessário um esforço especial. Poderia ter silenciado a moça de cabelo preto se tivesse agido com rapidez; mas, exatamente porque o perigo que corria era tão extremo, perdera a capacidade de agir. Ocorreu-lhe que em momentos de crise o embate da pessoa nunca era com um inimigo externo, mas sempre com seu próprio corpo. E o mesmo acontece, observou ele, em todas as situações aparentemente heroicas ou trágicas. No campo de batalha, na câmara de tortura, num navio prestes a ir a pique, os motivos pelos quais a pessoa luta são sempre esquecidos, porque o corpo se dilata até ocupar o universo inteiro, e mesmo quando a pessoa não está paralisada pelo medo nem grita de dor, a vida é uma luta incessante contra a fome ou o frio ou a insônia, contra um estômago embrulhado ou uma dor de dente.

George Orwell (1984; pág: 124)

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