14 de abril de 2016

MONOPÓLIO: EM DETRIMENTO DO AVANÇO (1/2)

Um poder dominante precisa desabilitar ou neutralizar suas próprias invenções para não canibalizar seu negócio principal. Nos anos 1980 e 1990, a General Motors, como se sabe, estava totalmente equipada para assumir o mercado de carros elétricos, mas foi restringida pela falta de vontade de criar uma rival para o motor de combustão interna, seu principal negócio. (...) No curso natural das coisas, o novo muito raramente suplementa o velho, pois em geral o destrói. Mas, como veremos, o velho na verdade não desiste, ele tenta postergar a morte ou cooptar seu usurpador - à la Cronos -. (...) É exatamente o ponto em que o curso natural da narrativa se rasga, quando a agulha é arrancada do sulco, por assim dizer, para romper o processo de disrupção de Schumpeter. Entra em cena a força que sempre atormenta o funcionamento tranquilo de sua teoria básica: a relutância do obsoleto em sair de cena de modo pacífico (...) O que produz importantes implicações. (...) Por exemplo, no caso de qualquer dispositivo estranho (digamos, uma máquina de fax), a Bell criava uma tarifa e exigia que a concorrente estabelecesse algo chamado "acordo de proteção à conexão". Supostamente esse esquema era um modo de "proteger" a rede, mas na verdade consistia numa forma velada de impor custos adicionais e cargas regulatórias. Economistas e Gerald R. Faulhaber, veterano da Bell, acreditam que o esquema na verdade garantiu mais oito anos de monopólio (...) Os instrumentos dos monopolistas são advogados e estatutos locais; suas táticas são adiamentos e contestação de sentenças, tudo isso mirando se desembaraçar das empresas dotadas de menos recursos.

Em especial, a teoria de Schumpeter não leva em conta o poder ou a lei do governo para adiar a morte industrial e (...) deter o Ciclo. (...) Ao se aliar ao Estado, uma força industrial dominante pode transformar uma tecnologia potencialmente destrutiva em ferramentas para perpetuar a dominação e adiar sua morte. (...) O que iria acontecer inúmeras vezes depois na história das comunicações: o calculado exercício de arbítrio por parte do Estado para abençoar ou destruir o poder de um monopólio, decidindo em que indústrias ele permitiria esse tipo de controle. (...) Quanto mais concentrado o poder sobre a informação e as comunicações, mais fácil para o governo ceder à tentação de brincar de Big Brother.

Em vez de deixar o mercado decidir o valor da tecnologia no estado presente, uma agência federal - nem ao menos uma entidade eleita democraticamente - proibia a venda. (...) É essencialmente corrosivo para a democracia que uma entidade privada tenha controle exclusivo sobre qualquer meio indispensável ao interesse público (...) De que forma o governo teria informações suficientes para saber quando alguma coisa tão imprevisível como a tecnologia estava "pronta"? Qual seria o destino do telefone, do rádio e do cinema - ou, mais recentemente, do estranho dispositivo iPod, ou de um site tal qual eBay - se fosse necessário obter uma permissão federal para chegar ao mercado? (...) Todavia, para gerenciar uma emissora de TV, era preciso fazer uma petição à FCC a fim de obter uma licença experimental, e sujeitar-se a padrões estritos para mantê-la. (...) E assim, a Baird Television Corporation nem chegou a começar nos Estados Unidos, uma oportunidade perdida que ajudou a atrasar a penetração da TV no país e a destruir uma variante independente da mídia. (...) Quando o governo deixa claro que se trata de um jogo de cartas marcadas, que há pouco espaço para o inventor independente ganhar a partida, inibi-se qualquer iniciativa para se tornar um Jenkins, um Bell ou um Edison. Como deixa claro o caso do Hush-A-Phone, as condições enfrentadas pelos empreendedores determinam como a inovação acontece. (...) É a estrutura industrial, como sugeri, que acaba com a liberdade de expressão num meio nascente. (...) São os investidores e inventores que decidem como será o nosso futuro, e o que chamamos de genialidade poderia ser mais bem-definido como esperteza misturada a capital.

Sarnoff percebeu claramente que a televisão estava emergindo - não havia como soterrar aquela inovação -, por isso, determinou que, quando ela surgisse, devia estar sob o firme controle de sua empresa e de sua indústria. A televisão não evoluiria como resposta às forças do ambiente, à la Darwin: seria criada por uma espécie de Deus do Velho Testamento, à imagem de seu criador - nesse caso, o rádio. O objetivo supremo de Sarnoff era que a televisão não ameaçasse o papel do rádio na atenção dos lares americanos, na divulgação dos anúncios que agora eram o fluido vital do setor. Nesse propósito, Sarnoff estava dotado de poderes sobre-humanos: os recursos técnicos e financeiros de uma gigantesca indústria. Se isso não fosse o bastante, como fizera em outras circunstâncias, ele obteria ajuda do governo federal em sua luta para sobreviver à destruição criativa.

Parte da nova estratégia da Bell fora abandonar uma tática utilizada nos anos 1890 para dizimar os Independentes: recusar conexões na rede. A abordagem de Vail agora era mais sutil e complexa: ele usava a conectividade como a cenoura que atrai o cavalo nas corridas, e não mais como chicote, o que se provou uma forma irresistível de dominar o mercado, com as fusões e aquisições. (...) Os acordos de Vail propunham aos Independentes participação nos sistema Bell, mas exigiam a adoção dos padrões e equipamentos da Bell, e impunham taxas especiais para utilização das linhas de longa distância da companhia, sem se comprometer a conectar um só chamado para não assinantes. Então, em essência, a proposta de Vail era o ultimato que tornara Gênghis Khan famoso: entre para a rede, divida as riquezas ou encare a aniquilação. Mas Vail não precisava ir tão longe para encontrar seu modelo: Já em sua época, John D. Rockefeller foi pioneiro do modelo "compre ou morra" para construir a Standard Oil.

A estratégia de Vail nos anos 1910 continua uma boa lição para os aspirantes a monopolistas. Tanto a competição quanto a nacionalização da Bell tiveram poderosos defensores. A chave foi a intenção honesta de realizar um bem que ninguém poderia contestar: tornar os Estados Unidos o país mais conectado do mundo, ao levar o milagre do telefone a todos os lares. Vail argumentava que o sistema Bell poderia fazer esse trabalho da forma mais eficiente, e transformou seu monopólio numa causa patriótica. (...) Vail alardeou que a AT&T representava a chegada de um monopólio esclarecido, uma utilidade pública do futuro. Prometeu não fazer nenhum mal. E o governo engoliu a promessa. (...) O monopolista esclarecido deve fazer bem o que faz de melhor, servindo ao público em íntima cooperação com o Estado. (...) Como escreve Milton Mueller, Vail conseguiu a "vitória política e ideológica do paradigma do monopólio regulamentado, desenvolvido sob a bandeira do serviço universal".

Tim Wu (Impérios da Comunicação; págs: 36, 38, 39, 66, 68, 70, 71, 74, 168, 169, 176, 177, 178, 188, 197, 232, 295 e 303)

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