7 de maio de 2015

CONFLITO INFORMACIONAL

Segundo a experiência histórica, sempre existiram idéias e crenças de todos os tipos à espera para eclodirem no momento certo. É significativo que o fundamentalismo, quer islâmico, quer cristão, tenha se difundido (e continuará a expandir-se) por todo o mundo no momento histórico em que redes globais de riqueza e poder conectam pontos nodais e valorizam os indivíduos em todo o planeta, embora desconectem e excluam grande segmentos das sociedades, regiões e até países inteiros. (...) Parece haver uma lógica de excluir os agentes da exclusão, de redefinição dos critérios de valor e significado em um mundo em que há pouco espaço para os não-iniciados em computadores, para os grupos que consomem menos e para os territórios não atualizados com a comunicação. Quando a Rede desliga o Ser, o Ser, individual ou coletivo, constrói seu significado sem a referência instrumental global: o processo de desconexão torna-se recíproco após a recusa, pelos excluídos, da lógica unilateral de dominação estrutural e exclusão social. (...) A velocidade da difusão tecnológica é seletiva tanto social quanto funcionalmente. O fato de países e regiões apresentarem diferenças quanto ao momento oportuno de dotarem seu povo do acesso ao poder da tecnologia representa fonte crucial de desigualdade em nossa sociedade. As áreas desconectadas são cultural e espacialmente descontínuas: estão nas cidades do interior dos EUA ou nos subúrbios da França, assim como nas favelas africanas e nas áreas rurais carentes chinesas e indianas.
 
Manuel Castells (A Era da Informação: A Sociedade em Rede; págs: 59, 60 e 70)
 
 
Cada novo sistema de comunicação fabrica seus excluídos. Não havia iletrados antes da invenção da escrita. A impressão e a televisão introduziram a divisão entre aqueles que publicam ou estão na mídia e os outros. Como já observei, estima-se que apenas pouco mais de 20% dos seres humanos possui um telefone. Nenhum desses fatos constitui um argumento sério contra a escrita, a impressão, a televisão ou o telefone. O fato de que haja analfabetos ou pessoas sem telefone não nos leva a condenar a escrita ou as telecomunicações - pelo contrário, somos estimulados a desenvolver a educação primária e a estender as redes telefônicas. (...) De forma mais ampla, cada universal produz seus excluídos. O universal, mesmo se ele "totaliza" em suas formas clássicas, jamais engloba o todo. Uma religião universal possui seus descrentes ou hereges. A ciência tende a desqualificar as outras formas de saber, aquilo que ela chama de irracional. (...) A cibercultura reúne de forma caótica todas as heresias. Mistura os cidadãos com os bárbaros, os pretensos ignorantes e os sábios. Contrariamente às separações do universal clássico, suas fronteiras são imprecisas, móveis e provisórias. Mas a desqualificação dos excluídos não deixa por isso de ser terrível. (...) Mas o problema do "acesso para todos" não pode ser reduzido às dimensões tecnológicas e financeiras geralmente apresentadas. Não basta estar na frente de uma tela, munido de todas as interfaces amigáveis que se possa pensar, para superar uma situação de inferioridade. (...) E o caos, a confusão, o caráter diluviano da informação e da comunicação no ciberespaço? Não colocam em desvantagem aqueles que se encontram desprovidos de fortes referências pessoais ou sociais? (...) É preciso antes de mais nada estar em condições de participar ativamente dos processos de inteligência coletiva que representam o principal interesse do ciberespaço. (...) As políticas voluntaristas de luta contra as desigualdades e a exclusão devem visar o ganho em autonomia das pessoas ou grupos envolvidos.

Pierre Lévy (Cibercultura; págs: 245, 246, 252 e 253)

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