18 de julho de 2019

MARCADORES SOMÁTICOS


Sua decisão foi racional? Você pode ter achado que sim ao fazer a escolha, mas não foi, de jeito nenhum. Se o processo de tomada de decisões foi consciente - e articulado -, acho que deve ter sido algo mais ou menos assim: 
 
“Associo a Skippy à infância… existe desde sempre, então acho que é confiável… mas não está cheia de açúcar e outros conservantes que eu não deveria comer?... O mesmo se aplica à Peter Pan; além disso, o nome é tão infantil… E não vou comprar aquela marca genérica. Custa trinta centavos menos, o que me deixa desconfiado. Pelo que sei, você leva o que está pagando... As orgânicas? Sem gosto, das poucas vezes que experimentei… também sempre precisa de sal… E também li em algum lugar que ‘orgânico’ não significa necessariamente uma vantagem, e além disso custa o dobro do preço… Jif… Qual é aquele velho slogan deles? ‘Mães exigentes exigem Jif’... Bem, sou uma pessoa criteriosa...”

Essas são as conversas subconscientes que passam por nossa cabeça toda vez que escolhemos um produto em detrimento de outro. (...) Mais uma vez, vamos imaginar a conversa racional que pode acontecer dentro de sua cabeça enquanto você decide qual comprar:

Dasani… não, essa é fabricada pela Coca-Cola… Alguém me disse que não passa de água da torneira com um nome metido à besta… Não quero que minha água engarrafada seja ‘comercial’; ela deve ser especial, chique… Espere, e essa aqui? Iskilde. De longe, a garrafa mais bonita da prateleira. Da Dinamarca… Não faço ideia do Iskilde quer dizer, mas a Dinamarca não é uma terra cheia de neve, córregos e pessoas saudáveis esquiando nas montanhas? Até as letras no rótulo da garrafa são azul-claro, como olhos escandinavos… A garrafa é tão moderna, clean e de aparência glacial - como a água de uma torrente dinamarquesa… Iskilde, parece até um dinamarquês dizendo: ‘É gelada.’ E também é cara, o que provavelmente significa que é especial...”

A verdadeira base lógica por trás das suas escolhas estava alicerçada sobre as associações de toda uma vida. (...) Ao tomarmos decisões a respeito do que compramos, nosso cérebro evoca e rastreia uma quantidade incrível de lembranças, fatos e emoções; e as compacta em uma reação rápida. (...) Essa cadeia de conceitos, partes do corpo e sensações cria o que o cientista António Damásio chama de marcador somático - uma espécie de lembrete, ou atalho, em nosso cérebro. (...) Esses marcadores servem para conectar uma experiência ou emoção a uma reação específica necessária. Ao nos ajudar instantaneamente a reduzir as possibilidades disponíveis em uma situação, os marcadores somáticos nos guiam em direção a uma decisão que sabemos que irá gerar o melhor resultado, ou o resultado menos doloroso.

São esses mesmos atalhos cognitivos que estão por trás da maioria das nossas decisões de compra. Lembre-se: você levou menos de dez segundos para escolher os produtos das marcas Jif e Iskilde, com base em uma série completamente inconsciente de avisos em seu cérebro que o levaram diretamente para uma reação emocional. De repente, você “simplesmente sabia” qual marca queria, mas não tinha consciência alguma dos fatores - a forma da embalagem do produto, lembranças de infância, preço e um monte de outras considerações - que o levaram a tomar aquela decisão. (...) Você segue automaticamente, por exemplo, para a seção da loja com onde estão os pneus Michelin. Você sabe está fazendo a escolha certa, mas, na verdade, não consegue explicar por quê. Na verdade, sua preferência por uma marca tem muito pouco a ver com os próprios pneus, mais sim com os marcadores somáticos que a marca cuidadosamente criou.

Como os marcadores somáticos se baseiam em experiências passadas de recompensa e punição, o medo também pode criar alguns dos marcadores somáticos mais poderosos, e muitos publicitários ficam bem felizes de tirar proveito de nossa natureza estressada, insegura e cada vez mais vulnerável. Praticamente todas as categorias de marcas de que consigo me lembrar usam o medo de forma direta ou indireta. Compramos remédios para afastar a depressão, pílulas para controlar o apetite e nos matriculamos em academias de ginástica para evitar a obesidade; aplicamos cremes e unguentos para aplacar o medo de envelhecer e até compramos softwares para evitar o terror de uma pane no disco rígido. Prevejo que, no futuro próximo, a publicidade vai se basear cada vez mais em marcadores somáticos guiados pelo medo à medida que os anunciantes tentam nos assustar e nos fazer acreditar que, se não comprarmos um determinado produto, estaremos menos seguros, felizes e livres, e teremos menos controle sobre nossa vida.

Martin Lindstrom (A Lógica do Consumo; págs: 114, 115, 116, 117, 118 e 122)


Citando a pesquisa Pew Global Attitudes ProjectCastells ressalta que somente cerca de 7% das matérias publicadas na mídia nos Estados Unidos da América despertaram muita atenção dos telespectadores, a maioria delas é relativa à segurança ou às violações de normas sociais. “O ódio, a ansiedade, o medo e o grande entusiasmo são particularmente estimulantes e também são retidos na memória de longo prazo” (CASTELLS, 2017, p. 209), escreve. Quando mecanismos emocionais são estimulados, o cérebro ativa a capacidade de decisão de nível superior, buscando e dando mais atenção às informações que recebe. É por isso que o enquadramento (framing) é baseado na provocação de emoções (ibid., p. 210). Como consequência, o jornalismo abusa do sensacionalismo e o marketing procura atingir os sentimentos dos consumidores.

Joyce Souza, Rodolfo Avelino e Sérgio Amadeu da Silveira (org.) (A Sociedade de Controle - Manipulação e Modulação nas Redes Digitais; pág: 16)

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