Quem deseja viver não adia. O imponderável se intromete na vida, as
contingências não escolhem justos ou injustos. Como nas patas do gato,
as unhas do destino se alongam, querendo arranhar o curso da história. O
imprevisto às vezes acontece peçonhento e estraga projetos queridos sem
qualquer consideração. A vida requer prontidão de antecipar-se ao
imponderável. – antes da dor, o beijo; antes do adeus, o abraço; antes
da solidão, a conversa. O agora é estrela cadente, asteróide nômade.
Cada instante fugitivo precisa valer uma eternidade. O já não passa de
um átimo, fenda impermanente entre o ainda não e o que já se foi. Quem busca viver não caminha sob o jugo do medo. Arriscar é preciso.
Em cada decisão há perigo – decidir é vulnerabilizar-se. Nos
relacionamentos há exposição e no amar, deixar-se à mercê do outro. A
ferida da decepção dói menos do que o desterro. Amantes carregam
cicatrizes. Os pequenos acenos de felicidade acontecem nos que se
atrevem a caminhar sem blindagem, nos que arrancaram o elmo e jogam
fora o escudo. As clausuras são tristes, elas não têm acesso ao olhar
de quem suplica afeto.
Quem almeja viver não se mantém ansioso. A salvação mora no sossego. O
possível, nem sempre o melhor, só vira matéria prima do contentamento
em corações calmos. A alma implora por descanso. O corpo avisa que o
desespero de desejar mais e mais produz descargas hormonais adoecedoras.
É necessário dar um passo de cada vez e esperar pelo amanhã. Ao
desistir dos atalhos, aprendem-se processos relacionais. Os apressados,
que tentam se antecipar o sereno da madrugada, cansam logo. Tudo passa. A
alteridade dos ritmos deve ser respeitada. Quem anela viver não foge de si. Não se enfrentar põe a alma em risco
– que acaba somatizando a culpa e depois o câncer. Reconhecer
inadequações evita aleijões existenciais. Nos solilóquios, as
transgressão perdem força de um pecado mortal. Os tropeços ensinam. As
mazelas ajudam a crescer. Humildade passa a valer como coragem.
Quem suspira viver ouve, não monologa. Na habilidade de escutar o que
o outro tem a dizer, valoriza outras histórias, tradições, folclores. E
nessa sensibilidade coexistencial, preconceitos, discriminações,
rótulos, estigmas, perdem força. Os absurdos cometidos em nome de
nacionalismo, religião ou ideologia deixam de se repetir com tanta
frequência. Quem sonha viver, medita. Nas conchas que a maré triturou e que
pavimentam a praia, contempla os milênios que já passaram. No ócio do
leão, feliz com a prole bem alimentada, vê a alegria da desafobação.
O sol que se agacha no lusco fusco revela uma grandeza discreta. É
preciso vagar para notar nas entrelinhas da poesia, o imarcescível, e na
estrutura da prosa, o gênio do autor. Meditar é fechar os olhos para
que violinos, gaitas, trompetes, pianos e realejos cheguem ao coração. Para viver, poucas coisas são necessárias: amigos que nos façam rir –
mas que não nos abandonam quando choramos; companheiros que não têm
medo de falar a verdade – mas que se mostrem prontos para nos levantar
na hora da queda.
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