Adriana Negreiros: Quando esta entrevista for publicada, as eleições provavelmente já estarão definidas.
Jabor: Já vamos ter a Dilma tomando conta da nossa vida.
Adriana Negreiros: Existe uma diferença considerável em ter uma mulher presidente em vez de um homem?
Jabor: Nenhuma. A diferença não é de
sexo, é de preparo. O Lula é um homem extremamente carismático e tem uma
experiência política espantosa. Talvez seja o político mais esperto do
Brasil, um dos maiores atores do mundo. E ele resolver fazer um terceiro
mandato por intermédio de uma representante que ele inventou. A Dilma
não tem competência nenhuma. Mas eu acho que - eu vou dizer uma frase
absolutamente hipotética, eu posso estar enganado - inconscientemente
Lula preferiu uma mulher na Presidência por uma questão machista de
controle. Eu não sei se ele teria posto um homem mais culto, mais
inteligente e tão forte quanto ele para sucedê-lo. É uma coisa parecida
com o que o Fernando Collor de Melo fez botando aquela senhora [Zélia
Cardoso] para dirigir a economia brasileira. É um pouco de machismo,
"mulher a gente controla". Mas as pessoas que estão em torno da Dilma me
preocupam mais do que ela própria - com exceção de Antônio Palocci
[ex-ministro da Fazenda e coordenador da campanha de Dilma], que é um
homem sensato.
Adriana Negreiros: Como assim?
Jabor: O que eu temo é que teses e
posturas ideológicas e políticas de 40, 50 anos atrás voltem para a
pauta brasileira de uma forma absolutamente arcaica. Essas pessoas que
acompanham a Dilma se consideram superiores e acham que podem ditar os
rumos da sociedade. Pode haver uma união muito estranha do clientelismo
típico do PMDB com o sovietismo. Imagina um Stalin [líder soviético,
morto em 1953] misturado com José Sarney [presidente do senado]? Esse é o
perigo que nós corremos.
Adriana Negreiros: Quem seria o Stalin do governo?
Jabor: O pensamento da maioria das
pessoas que estão em volta da Dilma tem ecos stalinistas. Eu conheci
vários deles. Conheço o Marco Aurélio Garcia [coordenador do programa de
governo da Dilma], o Samuel Pereira Guimarães [ministro de Assuntos
Estratégicos]. Não é que eles sejam ainda stalinistas, mas fica uma
espécie de resquício de um pensamento socialista que acabou. O perigo é
essa oligarquia arcaica, reacionária e de direita representada por pessoas
como Sarney e Renan Calheiros [senador] ser misturada com uma
oligarquia sindicalista. A mistura dessas duas coisas é explosiva. A
gente pode ter aqui não o chavismo chavista porque o Brasil é muito
complexo e não comporta um canalha como o Hugo Chávez [presidente da
Venezuela]. Mas pode pintar uma espécie de chavismo light.
Adriana Negreiros: Por que corremos mais esse risco com a Dilma do que com outro candidato?
Jabor: Porque a Dilma é formada dentro do
marxismo-leninismo, como eu fui também. Eu conheço a cabeça da Dilma e
das pessoas em volta como se fosse a palma da minha mão. Eu sei como
eles pensam.
Adriana Negreiros: Como eles pensam?
Jabor: Basicamente o seguinte... "nós
somos superiores à sociedade. Nós temos uma linha justa, Nós sabemos o
que é bom para o mundo. Nós queremos mudar a história e o capitalismo
para outra coisa. Não dá mais para fazer socialismo, mas dá para fazer
umas malandragens. Nós temos de ter controle sobre a sociedade, porque a
sociedade é como uma criança que precisa de direção, precisa de pai e
mãe". Esse é o pensamento que a Dilma tem, por mais que ela disfarce, dê
sorrisos, por mais que ela mude o penteado e diga que respeita a
democracia.
Adriana Negreiros: Ela não respeita a democracia?
Jabor: Respeita, até, porque a democracia
se impôs no mundo. Mas é uma aceitação em parte. Nas reuniões internas,
eles chamam a democracia de "democracia burguesa". Eu me lembro uma vez
do Francisco Oliveira, que é um sociólogo da USP, dizendo que a
democracia é papo para enganar as massas. Eles acham que a democracia é
só da burguesia e o povo não tem acesso à liberdade.
Adriana Negreiros: A oposição se comportou bem durante o governo Lula?
Jabor: Não, essa é a oposição mais
vergonhosa que eu já vi na história deste país. A oposição que o PT fez
ao governo Fernando Henrique foi uma das oposições mais inclementes, em
que o José Dirceu [ex-deputado federal] dizia... "Temos de nos opor a
absolutamente tudo o que eles dizerem, mesmo coisas boas". Então foi uma
sabotagem permanente. Já a oposição do PSDB foi vergonhosa.
Adriana Negreiros: A que você atribui isso?
Jabor: Primeiro porque ficaram com medo
do prestígio do Lula. Segundo porque não sabem defender nem o trabalho
que fizeram. Não defenderam os oito anos do governo Fernando Henrique,
que foram fundamentais na vida brasileira. Não defenderam nem o Plano
Real, nem as privatizações, nem a Lei de Responsabilidade Fiscal, nem a
redução da dívida externa, nem a consolidação da dívida interna, nada. A
população não sabe qual é a opção à Dilma. É uma população muito
ignorante, que serve a desígnios populistas. É bom para os populistas
que as pessoas sejam analfabetas.
Adriana Negreiros: Este cenário da oposição vai se repetir no provável governo da Dilma?
Jabor: Não tem mais oposição, pô! Eles têm maioria no Congresso. Se fizerem uma lei obrigando todo mundo a andar nu, vai passar.
Adriana Negreiros: Como você explica a popularidade do presidente Lula?
Jabor: Porque ele é um gênio. Um
Maquiavel [filósofo italiano autor do clássico O Príncipe, morto em
1527]. Ele tem um carisma extraordinário. Nesse aspecto ele é imbatível.
E tem qualidades também. Não tô dizendo que o Lula é um canalha.
Adriana Negreiros: Que qualidades?
Jabor: Uma das qualidades dele é ter
passado por todas as bocas sujas da vida, desde a miséria até a
liderança sindical. Isso deu a ele uma prática política popular de
esquerda, porém pragmática. Não é aquela coisa ideológica maluca dos
Luiz Gushiken [ex-ministro], dos Ricardo Berzoini [presidente do PT],
dos Dirceu, de que o mundo vai ser socialista. O Lula é muito prático.
Nesse sentido, ele foi modernizador da política de esquerda no Brasil.
Ele é genial, o Mick Jagger da política. Eu me lembro que quando teve
aquele perigo do segundo turno contra o Geraldo Alckmin [em 2006], foi
sensacional. Ele mandou armar um palanque igual aos do Rolling Stones,
aqueles de corredor, enormes. Ele ficava falando e andando exatamente
igual ao Mick. O Lula é um genial comunicador de televisão. Eu acho até
que eu sou um bom comunicador, mas o Lula me dá de 10 a zero [risos]
Adriana Negreiros: Você já esteve com o presidente Lula?
Jabor: Sim, uma única vez na minha vida,
antes de ele ser presidente da República. Eu ainda não estava na
televisão, só nos jornais. Ele estava com a mulher dele, passou e falou
comigo... "Oi, Jabor. Como é que vai?" E passou a mão no meu braço. É de
uma simpatia, o filha da mãe, é de uma sedução que o José Serra não
tem. A Dilma não tem nenhuma. Eu não consigo entender como é que o povão
vota na Dilma porque a figura é realmente espantosa. Mas o povo vai
votar nela porque o Lula mandou!
Entrevista de Arnaldo Jabor à Adriana Negreiros (Playboy - Outubro/2010)
Fonte: jaimeneto85.tumblr
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