31 de janeiro de 2012

SUCO

Eu tinha passado toda a vida dizendo adeus. Merda. Toda a vida dizendo adeus. Que acontecia comigo? Depois de tanta despedida, o que eu tinha deixado? E em mim, o que havia ficado? Eu tinha trinta anos, mas entre a memória e a vontade de continuar se amontoavam muita dor e muito medo. Eu tinha sido muitas pessoas. De quantas carteiras de identidade era dono? Outra vez havia estado a ponto de naufragar. Tinha escapado de morrer uma morte não escolhida e longe de minha gente, e essa alegria era mais intensa que qualquer pânico ou ferida. Não teria sido justo morrer, pensei. Não tinha chegado ao porto esse barquinho? Mas, e se não houvesse nenhum porto para esse barquinho? Vai ver navegava pelo puro prazer de andar ou por causa da loucura de perseguir aquele mar ou céu luminoso que tinha perdido ou inventado. Agora, morrer teria sido um erro. Eu queria dar tudo antes que a morte chegasse, ficar vazio, para que a filha da puta não encontrasse nada para levar. Tanto suco eu ainda tinha! Sim, era isso o que tinha ficado em mim ao fim de tanto adeus: muito suco e vontade de navegar e desejo de mundo.

Eduardo Galeano (Dias e Noites de Amor e de Guerra; págs: 53 e 54)

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