29 de maio de 2021

A ARTE DA GUERRA

Filipômenes, príncipe dos acaianos, entre os demais louvores que mereceu aos escritores, tem o de não haver pensado noutra coisa em tempos de paz senão nos modos de fazer a guerra. Quando andava pelas campinas com os amigos, detinha-se frequentemente a refletir com eles. Se os inimigos estivessem em cima daquela colina, e nós nos encontrássemos aqui, qual dos dois teria vantagem? Como poderíamos ir atacá-los mantendo as tropas ordenadas? Se nos quiséssemos retirar, como deveríamos proceder? Se fossem eles que se retirassem, qual a melhor forma de lhes seguirmos no encalço? E enquanto caminhava, ia-lhes apresentando todas as conjunturas em que se pode achar um exército: ouvia-lhes os pareceres, dizia o seu, ajuntando as razões. Assim, mercê dessa constante reflexão sobre a arte da guerra, ficou habilitado a resolver qualquer situação que durante as campanhas se lhe deparasse. Quanto, porém, ao estudo, deve o príncipe ler a História, meditar nas ações dos homens ilustres, examinar como se portaram nas guerras, investigar as causas das suas vitórias e derrotas, para fugir destas e obter aquelas. Releva-lhe, sobretudo, escolher entre os mais celebrados heróis da Antiguidade um modelo, cujas façanhas lhe estejam sempre vivas na memória. (...) São estas as regras que a um príncipe avisado convém observar. Em vez de permanecer ocioso durante os anos de paz, deve esforçar-se por acumular cabedais que lhe sejam úteis no infortúnio, a fim de, em mudando a sorte, estar preparado para resistir-lhe aos golpes.

Nicolau Maquiavel (O Príncipe; págs: 135, 136 e 137)

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