As reuniões da igreja primitiva eram marcadas pelo funcionamento de
cada membro, numa participação espontânea, livre, vibrante e aberta. Era
um encontro fluido, não um ritual estático. E era imprevisível, bem
diferente do culto da igreja moderna.
A Missa Católica.
De onde vem então a liturgia do culto protestante? Ela tem suas raízes principais na Missa Católica. Segundo o historiador Will Durant, a Missa Católica foi “baseada
em parte no culto do Templo judaico, em parte nos místicos rituais de
purificação dos gregos”. Durant destaca que a Missa estava profundamente
mergulhada tanto no pensamento mágico pagão como no drama grego. “A
mente grega, moribunda, teve uma sobrevida na teologia e liturgia da
igreja; o idioma grego, após reinar por séculos sobre a filosofia,
chegou a ser o veículo da literatura e do ritual cristão; o misticismo
grego foi passado adiante pelo impressionante misticismo da Missa”.
Os cristãos copiaram as vestimentas dos sacerdotes pagãos, o uso
do incenso e da água benta nos ritos de purificação, a queima de velas
durante a adoração, a arquitetura da basílica romana em seus edifícios
de igreja, a lei romana como base da “lei canônica”, o título Pontifex
Máximus (Sumo Pontífice) para o Bispo principal, e os rituais pagãos
para a Missa Católica.
A contribuição de Lutero.
Em 1520 Lutero lançou uma violenta campanha contra a Missa Católica
Romana. O ponto culminante da Missa sempre foi a Eucaristia, também
conhecida como “Comunhão”, “Ceia do Senhor” ou “Santa Ceia”. Tudo é
direcionado para o momento mágico em que o sacerdote parte o pão e o
distribui para as pessoas. Desde Gregório o Grande (540-604) a igreja
católica ensinava que Jesus Cristo é novamente sacrificado através da
Eucaristia.
Em vez da Eucaristia, Lutero colocou a pregação no centro da reunião.
O erro cardeal da Missa, disse Lutero, era que esta foi uma “obra”
humana baseada numa falsa compreensão do sacrifício de Cristo. Então, em
1523, Lutero enunciou sua própria revisão da Missa Católica, revisão
essa que é o fundamento de toda adoração protestante. O núcleo dela é:
em vez da Eucaristia, Lutero colocou a pregação no centro da reunião.
Por conseguinte, no culto de adoração dos protestantes modernos o
púlpito é o elemento central e não a mesa do altar (onde se coloca a
Eucaristia nas igrejas católicas). Para Lutero, “uma congregação cristã
nunca deve reunir-se sem a pregação da Palavra de Deus e a oração, não
importa quão exíguo seja o tempo da reunião. A pregação e o ensino da
Palavra de Deus é a parte mais importante do culto divino”.
A noção de Lutero da pregação como ponto culminante do culto de
adoração permanece até nossos dias. Todavia tal crença não tem nenhuma
procedência bíblica. Como disse um historiador, “O púlpito é o trono do
pastor protestante”. É por esta razão que os ministros protestantes
ordenados são comumente chamados de “pregadores”.
“O púlpito é o trono do pastor protestante.”
Apesar dessas modificações, a liturgia de Lutero variava bem pouco da
Missa Católica. Basicamente, Lutero reinterpretou muitos dos rituais da
Missa, mas preservou o cerimonial, julgando-o apropriado. Ele manteve,
por exemplo, o ato que marcava o ponto culminante da Missa Católica:
quando o sacerdote levanta o pão e o cálice e os consagra.
Da mesma maneira, Lutero fez uma drástica cirurgia na oração
Eucarística, mantendo apenas as “palavras sacramentais” de 1 Coríntios
11:23 em diante — “O Senhor Jesus na noite em que foi traído, tomou o
pão… e disse ‘Tomai e comei, este é o meu Corpo’…” Até hoje os pastores
protestantes recitam religiosamente este texto antes de ministrar a
comunhão.
Lutero nunca abandonou a prática de ordenação do clero.
A Missa de Lutero manteve os mesmos problemas da Missa Católica: os
paroquianos continuaram sendo espectadores passivos (com a exceção de
poderem cantar), e toda liturgia era dirigida por um clérigo ordenado (o
pastor tomando o lugar do sacerdote). Embora falasse muito sobre
“sacerdócio de todos os crentes”, Lutero nunca abandonou a prática de
ordenação do clero. Sob a influência de Lutero, o pastor protestante
simplesmente substituiu o sacerdote católico.
A contribuição de Zwinglio.
Zwinglio (1484-1531), o reformador suíço, aos poucos introduziu
sua própria reforma, que ajudou a desenhar a ordem de adoração de hoje.
Ele substituiu a mesa do altar por algo chamado “mesa da comunhão”, onde
se ministrava o pão e o vinho. Ele também ordenou que se levasse o pão e
o vinho à congregação em seus bancos utilizando bandejas de madeira e
taças.
Zwinglio também é nominado como o paladino da abordagem da Santa
Ceia enquanto “memorial”. Este ponto de vista é apoiado pela corrente
principal do protestantismo estadunidense. O pão e o vinho são meramente
símbolos do corpo e do sangue de Cristo. Como Lutero, Zwinglio
enfatizou a centralidade do sermão. Tanto que ele e seus colegas
pregavam com a freqüência de um canal de notícias televisivo: catorze
vezes por semana.
A contribuição de Calvino e Cia.
Os reformadores João Calvino da Alemanha (1509-1564), João Knox
da Escócia (1513-1572), e Martin Bucer de Suíça (1491-1551) fizeram
algumas modificações na liturgia de Lutero. A mais notável foi a coleta
de dinheiro após o sermão. Como instrumentos musicais não são
mencionados explicitamente no Novo Testamento, Calvino eliminou o órgão e
os coros.
Como Lutero, Calvino enfatizou a centralidade da pregação durante
o culto de adoração. Ele acreditava que cada crente tinha acesso a Deus
através da Palavra pregada e não através da Eucaristia. Devido a seu
gênio teológico, a pregação na igreja de Calvino em Gênova era
intensamente teológica e acadêmica. Também era altamente individualista,
característica que nunca foi eliminada no protestantismo.
A igreja de Calvino em Gênova foi o modelo para todas as igrejas
reformadas. Isto explica o caráter intelectual da maioria das igrejas
protestantes hoje, especialmente a Reformada e a Presbiteriana.
A característica mais nociva da liturgia de Calvino é a de fazer o
culto ser dirigido de cima do púlpito. O cristianismo nunca se
recuperou disso. Hoje, o pastor atua como mestre de cerimônias e diretor
executivo do culto dominical.
Um costume adicional que os reformadores copiaram da Missa foi a
prática do clero caminhar em direção a seu assento designado no
princípio do culto enquanto a congregação ficava em pé, cantando. Essa
prática teve início no século IV quando os bispos entravam
magnificamente em suas basílicas, e foi por sua vez copiada diretamente
do cerimonial da corte imperial pagã. É ainda observada em muitas
igrejas protestantes.
A contribuição dos puritanos.
O abandono das vestes clericais, ídolos, ornamentos e o clero
escrevendo seus próprios sermões (em vez de ler homilias) foi uma
contribuição positiva que os puritanos (os calvinistas da Inglaterra)
nos legaram.
A glorificação do sermão, no entanto, alcançou seu apogeu com os
puritanos norte-americanos. Os residentes da Nova Inglaterra que
faltavam ao culto eram multados ou presos no tronco.
As contribuições dos metodistas e do Evangelismo da Fronteira.
Os metodistas do século XVIII proporcionaram uma dimensão
emocional à ordem de adoração protestante. A congregação foi convidada a
cantar com força, vigor e fervor. Desta maneira, os metodistas foram os
precursores dos pentecostais.
Os metodistas proporcionaram uma dimensão emocional à ordem de adoração protestante.
Os séculos XVIII e XIX trouxeram novidades para o protestantismo
americano. Primeiramente, os evangelistas fronteiriços alteraram a meta
da pregação. Sua meta exclusiva era agora a conversão de almas. Dentro
da cabeça do evangelista, não havia outra coisa no plano de Deus a não
ser a salvação. Esta ênfase teve sua origem na pregação inovadora de
George Whitefield (1714-1770), o primeiro evangelista moderno a pregar
ao povo ao ar livre. A noção popular de que “Deus ama você e tem um
plano maravilhoso para sua vida” foi introduzida por Whitefield.
Em segundo lugar, a música do evangelho fronteiriço falava à alma
e visava propiciar uma resposta emocional à mensagem da salvação. Todos
os evangelistas famosos tinham músicos em sua equipe justamente para
este propósito. A adoração passou a ser um espetáculo.
Seguindo a trilha dos revivalistas, o culto metodista passou a ser o
meio para obter o fim. A finalidade do culto já não era mais a simples
adoração a Deus: os crentes foram instruídos a ganhar novos crentes
individuais. Os sermões abandonaram a temática da “vida real” para
proclamar o evangelho ao perdido. Toda humanidade foi dividida em dois
desesperados campos polarizados: perdido ou salvo, convertido ou
incrédulo, regenerado ou condenado.
Os evangelistas fronteiriços alteraram a meta da pregação; sua meta exclusiva era agora a conversão de almas.
Em terceiro lugar, os metodistas e os evangelistas fronteiriços deram
à luz o “apelo”, a prática de convidar pessoas que desejam orações a
colocar-se de pé e vir à frente.
Tanto pecadores como santos carentes eram convidados a ir à
frente para receber as orações do ministro. Charles Finney
(1792-1872) convidava o pecador para ir à frente e ajoelhar-se diante da
plataforma para receber a Cristo. Finney tornou esse método tão popular
que “após 1835, chegou a ser um elemento indispensável no moderno
revivamento”.
Além da popularização do apelo, também se atribui a Finney a
invenção da prática de orar nominalmente pelas pessoas e mobilizar
grupos de obreiros para fazer visitas nas casas.
A contribuição predominante de Finney ao cristianismo moderno foi o pragmatismo.
A contribuição predominante de Finney ao cristianismo moderno foi o
pragmatismo – a crença de que se algo funciona ou dá resultados, deve
ser apoiado ou aceito. Finney ensinava que o único propósito da pregação
é ganhar almas; qualquer mecanismo que ajudasse atingir esta meta
poderia ser aceito. O cristianismo moderno nunca se recuperou desta
ideologia anti-espiritual.
A meta dos Evangelistas Fronteiriços era levar pecadores
individualmente a uma decisão individual por uma fé individualista. Como
resultado, a meta da Igreja Primitiva — a edificação mútua e o
funcionamento de cada membro manifestando Jesus Cristo coletivamente
diante dos principados e potestades — perdeu-se completamente.
O Evangelismo Fronteiriço americano converteu a igreja em um ponto de pregação, reduzindo a experiência da ekklesia
a uma missão evangelística. Isto normatizou os métodos revivalísticos
de Finney e criou personalidades do púlpito como a atração dominante.
A tremenda influência de D. L. Moody.
As sementes do “evangelho revivalista” foram espalhadas através do mundo ocidental pela influência de D. L. Moody (1837-1899). Moody inventou o solo após o sermão do pastor. O cântico de apelo
era entoado por um solista até que George Beverly Shea sugeriu que
fosse cantado pelo coral. Shea encorajou Billy Graham de utilizar um
coral para cantar hinos como “Eu venho como estou” enquanto as pessoas
iam à frente para aceitar a Cristo.
Moody deu-nos o testemunho porta em porta, os anúncios e as
campanhas evangelísticas. Deu-nos o “cântico de evangelização” ou “hino
evangelístico” e também popularizou o “cartão de decisão”, invenção de
Absalom B. Earle (1812-1895).
Moody foi o primeiro a pedir ao que queria ser salvo para
colocar-se em pé e deixar-se conduzir em uma “Oração do Pecador”.
Cinqüenta anos depois, Billy Graham melhorou a técnica de Moody
introduzindo a prática de pedir ao ouvinte para baixar a cabeça, fechar
os olhos (“sem olhar nada em volta”), e levantar as mãos como resposta à
mensagem salvadora.
Vale notar que Moody foi grandemente influenciado pelo ensino dos
Irmãos Plymouth quanto à escatologia (final dos tempos), que pregava a
vinda iminente de Cristo antes da grande tribulação. O
pré-tribulacionismo deu origem à idéia de que os cristãos necessitam
salvar muitas almas o mais rápido possível, antes do fim do mundo.
A contribuição pentecostal.
Inaugurado por volta de 1906, o movimento Pentecostal trouxe uma
expressão mais emotiva através dos cânticos entoados pela congregação.
Estes incluíam mãos levantadas, danças entre os bancos, bater palmas,
falar em línguas e o uso de pandeiros.
Porém, suprimidas as características emotivas do culto
pentecostal, sua liturgia é idêntica à batista. Um pentecostal
tem apenas mais espaço para mover-se ao redor do seu assento.
Como em todas as igrejas protestantes, o sermão é o ponto
culminante da reunião pentecostal. Todavia o pastor às vezes sentirá “o
movimento do Espírito”. Nesse caso, ele adiará seu sermão para o próximo
domingo, e a congregação cantará e orará durante o resto do culto.
A tradição pentecostal também deu-nos a música do solista e a
música coral (muitas vezes descrita como “música especial”) que
acompanha a oferta. Na mente do pentecostal, a adoração a Deus não é um assunto
coletivo [o corpo da igreja], mas uma experiência individual [o membro
da igreja]. Com a penetrante influência do movimento carismático, essa
obsessão de adoração individualista infiltrou-se na grande maioria das
tradições protestantes.
Muitos ajustes, nenhuma mudança vital.
Durante os últimos 500 anos, a ordem de adoração [liturgia]
protestante permaneceu quase que praticamente inalterada. No fundo,
todas as tradições protestantes partilham as mesmas características em
sua liturgia: suas reuniões são celebradas e dirigidas por um clérigo, o
sermão é a parte central, os membros são passivos e não tem permissão
para ministrar.
São celebradas e dirigidas por um clérigo, o sermão é a parte central, os membros são passivos.
Os reformadores produziram uma tímida reforma da liturgia católica.
Sua principal contribuição foi a mudança do enfoque central. Nas
palavras de um erudito, “o catolicismo seguiu o caminho dos cultos
pagãos, tomando o ritual como elemento central de suas atividades,
enquanto que o protestantismo seguiu o caminho da sinagoga ao colocar o
livro no centro de seus cultos”. Lamentavelmente, nem o catolicismo nem o
Protestantismo tiveram êxito em colocar Jesus Cristo no centro de suas
reuniões. Não é surpreendente o reformador ver a si mesmo como católico
reformado.
É de lamentar-se que a liturgia protestante não tenha se
originado com o Senhor Jesus, os Apóstolos, nem com as Escrituras do
Novo Testamento.
A liturgia protestante reprime a participação mútua e o
crescimento da comunidade cristã. O culto inteiro é dirigido por um
homem. Onde está a liberdade para que Jesus fale através de Seu Corpo a
qualquer momento? De que forma, na liturgia, Deus poderá dar a um irmão
ou irmã uma palavra para compartilhar com toda congregação? A ordem de
adoração não permite tal coisa. Jesus Cristo não tem a liberdade de
expressar, através de Seu Corpo, Sua direção. Ele é mantido cativo por
nossa liturgia. Ele mesmo é transformado em espectador passivo.
Finalmente, para muitos cristãos o culto dominical é extremamente
enfadonho. É sempre a mesma ladainha sem nenhuma espontaneidade. É
altamente previsível, bem superficial, e completamente mecânico. Há
pouco ar fresco ou inovação.
Igrejas atentas ao seu “índice de audiência” tem reconhecido a
natureza estéril do culto moderno. Contudo, apesar do entretenimento,
até mesmo o movimento das igrejas que atuam em função de seus
“indicadores” não conseguiu livrar-se da pró-forma litúrgica
protestante, imóvel, sem imaginação, sem criatividade, inflexível,
ritualista, sem sentido.
O culto, portanto, continua cativo pelo pastor; o tripé “sermão,
hino, apelo” permanece intacto; e a congregação prossegue na condição de
espectadora muda (só que agora está mais entretida nesta condição).
A liturgia protestante que você assiste (ou agüenta) a cada
domingo, ano após ano, dificulta a transformação espiritual. Isto porque
essa forma de culto: 1) estimula a passividade, 2) limita o
funcionamento, e 3) implica que investir uma hora por semana é o segredo
da vida cristã vitoriosa.
O cristianismo primitivo era informal e livre de rituais.
O fato é que a liturgia protestante é antibíblica, impraticável e
antiespiritual. Não há nada semelhante a isso no Novo Testamento. A
liturgia contemporânea dilacera o coração do cristianismo primitivo, que
era informal e livre de rituais.
Reuniões [como as da igreja primitiva] são marcadas por uma
incrível variedade. Não são ligadas a um homem, nem a um modelo de
adoração dominada pelo púlpito. Há espontaneidade, criatividade e
frescor.
O Novo Testamento não silencia com respeito a como nós, cristãos,
devemos nos reunir. Devemos continuar a arruinar o funcionamento da
direção de Cristo defendendo as tradições do homem?
Ficar dramaticamente longe deste ritual dominical é a única maneira de descongelar o povo de Deus.
Versão condensada do primeiro capítulo de Cristianismo Pagão, do maluco Frank Viola. Leia o livro completo aqui(o servidor é o geocities, fica temporariamente fora do ar se o limite de acessos for ultrapassado), ou baixe o arquivo PDF. A tradução é de Railton de Sousa Guedes.
Paulo Brabo
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