20 de maio de 2020

A AUSÊNCIA ME FAZ CÚMPLICE?

É razoável a indignação com o governo atual. Basta o mínimo de bom senso para reconhecer os inúmeros absurdos que vemos nos noticiários. Mas há um equívoco na afirmação de que quem votou 17 é responsável pelas medidas tomadas pelo governo, o votos são apostas, assim como o voto de confiança. Equívoco maior, é reconhecer os que optaram por não se posicionar, isto é, as pessoas que não assumiram uma postura favorável a nenhum dos espectros políticos, como apoiadores do governo atual. Nas eleições de 2018 assumi tal postura, não vi outra alternativa melhor do que me juntar aos "isentões". Mas pra piorar, se na narrativa da oposição, o termo "fascista" foi a bola da vez. Calhou de colocar os que não se posicionaram também como fascistas.. O irônico aqui é o combate ao "fascismo" de modo autoritário, numa tentativa claramente coercitiva diante da liberdade de votar ou não. Desenhando seria: "você tem o direito de votar como quiser, desde que seja no meu candidato, do contrário, tentaremos manchar a sua reputação. Será atacado socialmente."

Esse julgamento só parece expor uma percepção alienada das relações de causa e efeito ao simplificar a questão nessa resolução que coloca neutralidade e cumplicidade como sinônimos. Mas há um apelo retórico no velho discurso "nós contra eles". É atraente a possibilidade de aliviar a consciência apontando "culpados", de pintar de forma caricata e tosca a visão de mundo do outro e, então, sentir-se superior em relação a quem não compactua com nossos valores. Enfim, afaga a alma dos convictos de estarem do lado certo da história.

Não faz sentido julgar todos que votaram num determinado candidato como coautores da gestão do mesmo junto à sua equipe, isso é acreditar na utopia democrática de que o poder realmente emana do povo, para o bem ou para o mal. O poder nunca fica em muitas mãos. As pessoas votam pelos mais variados motivos, do simples ir com a cara do candidato à identificação partidária em meio a ressentimentos, experiências passadas, tradição, paixões, pressões sociais etc, tendo como pano de fundo o investimento milionário por trás do marketing político, entre outras variáveis. O voto representa a síntese de um conjunto de causas complexas dentro de um contexto, o que torna improvável haver na representação de um mero voto (muito menos na ausência), a real coerência com o que de fato acontece dentro do governo. Portanto, não colocaria tudo na conta até mesmo da parcela da sociedade que vota, a responsabilidade das principais ações governamentais. Há muitas outras forças envolvidas.

A que mais conclusões chegaríamos se levássemos a sério a dinâmica binária "nós contra eles"? Seria, por exemplo, concluir que o povo alemão é culpada pelo holocausto? (ou um punhado de fanáticos?); que todos os muçulmanos são culpados pelo terrorismo? (ou um punhado de extremistas?); e quanto aos pais que passaram a vida lutando para dar o melhor aos filhos, para, então, constatarem que estes se tornaram criminosos? Nesses casos - que não são raros - seria justo culpar os pais pelas decisões que tomaram na criação dos filhos? Seria verdade que esses pais carregam o sangue que o filho derramou, como se tivessem derramado juntos?

A lógica "nós contra eles" pode ser sutilmente danosa. Também serve aos que desqualificam a classe política por inteira baseado nas maçãs podres. Apesar destes serem, provavelmente, a maioria mesmo.. É uma forma de responsabilizar "eles" por tudo e todos. Aqui há um risco nas consequências que tal postura enseja, que é descaracterizar o indivíduo como ator político, o diluindo no todo. Se um evento é resultado de d'Eles, não há como responsabilizar indivíduos, logo você relativiza as ações individuais.

Compreender a ausência de posicionamento político ou silêncio como ato de apoio é tão injusto quanto considerar aqueles que foram indiferentes diante das articulações de Martin Luther King Jr. ou Gandhi como opositores de suas causas. Assim como não faz sentido atribuir a quem se calou diante da luta pela melhoria da sociedade, os créditos da vitória. Afinal, se ausentaram, para o bem ou para mal. O que não dá pra fugir, independentemente da postura política, são as consequências dos que se propõe a entrar na disputa e vencem, como disse Arnold Toynbee: "O maior castigo para aqueles que não se interessam por política é que serão governados pelos que se interessam." O preço da ausência é ficar, em maior grau, a mercê do que vier. Platão é ainda mais apocalíptico ao dizer que "o preço a pagar pela tua não participação na política é seres governado por quem é inferior."

Diego Cosmo

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