Os pressupostos talvez sejam pras ideias, o que os genes são para o organismo. Isto é, podem explicar muita coisa, e na construção de uma teologia não é diferente. Nossas formulações referentes à Deus partem de nós mesmos, e de quem mais poderia partir, né? Numa lógica semelhante, Deus nos fez a sua imagem e semelhança, assim como nós também o criamos a nossa imagem e semelhança. O problema é quando Deus é dado a mistérios.. Isso abre espaço de criação para uma variação infinita de Deus, ou Deuses, porque uma vez que somos diferentes, teremos nossas próprias crenças, e as crenças como matéria-prima da realidade é o mesmo que, entre outras coisas, abrir uma caixa de pandora. Resultado: alguns têm um Deus que ama mandar pessoas para o inferno, e outros um Deus que ama incondicionalmente e jamais faria isso.
As religiões por trás disso tudo, carregam uma arrogância típica da crença, o que é problemático. É arrogância porque a crença se fecha em si mesmo num grau que torna qualquer ecumenismo inviável, geralmente, não há humildade nas convicções. Crença é um bicho muito certo de si. Como disse Elienai Cabral Jr: "O texto frio da lei é fluente no simulacro da moral. A letra grafada e morta não vasculha corações nem pergunta por afetos, não ilumina interioridades nem chora misérias, mata."
Tenho visto, em várias igrejas, um Deus claramente sádico. Sádico porque os membros mais representantes/fervorosos dessas comunidades, fazem coisas estranhas para seu Deus, a começar por sacrifícios envolvendo algum tipo de abstinência (não transar), ou dor (orar de joelhos) etc. Como se Deus ficasse feliz ao ver algum tipo de sofrimento.. Se Deus é amor, é de se esperar que ficasse mais feliz ao ver beleza. Eu também, como Rubem Alves: "Nunca ouvi de um devoto que tivesse oferecido a Deus uma sonata de Mozart ou um poema de Fernando Pessoa." É estranho que num espaço que fala-se tanto de Amor, tenha surgido uma espiritualidade tão calcada na negação do prazer e em sua, muitas vezes, demonização. Qual o sentido por trás disso, se boa parte da religião se presta ao esforço do homem em dar sentido a vida? Inclusive, falando em vida.. É irônico tanta ênfase dada ao pós-túmulo. Basicamente, numa dinâmica: Céu (recompensa/créditos) e inferno (castigo/débitos), e que configuram a base das liturgias tão presentes nos cultos. No final das contas, o medo, claro, é o principal fator que impulsiona a maioria dos crentes. Nas palavras de Napoleão Bonaparte: "duas alavancas movem o homem: interesse e medo."
As especulações a respeito da morte são, não mínimo, curiosas. Até onde entendi, para os cristãos, a morte é um caminho que se bifurca entre céu e inferno. Obviamente, assim espero, a expectativa para os cristãos é de que irão para o céu, afinal, para que serviria tanto trabalho: jejuns, leitura da Bíblia, orações etc...? Mas, se o céu implica em ter uma vida melhor, por que não procurar uma forma de encurtar o caminho? Até mesmo porque as expectativas de vida aqui só aumentam.. Há quem por muito menos, um punhado de virgens, por exemplo, instala bombas no corpo e "tchau e bença".. Isso que é acreditar no seu "Deus".. Enfim, o que parece, é que os cristãos "acreditam" nessa dicotomia céu/inferno somente até onde lhes convém.
"Minha fé não é aquilo em que acredito. Minha fé não está naquilo em que acredito, e nem poderia estar. Minha fé não é adequadamente expressa por aquilo em que acredito, e nem poderia ser. Toda crença é um obstáculo à fé. As crenças atrapalham porque satisfazem a nossa necessidade de religião, a crença é confortadora, a pessoa que vive no mundo da crença sente-se segura. Não tenho como recomendar a crença; sua única façanha é nos reunir em agremiações, cada uma crendo-se mais notável que a outra e chamando seu próprio ambiente corporativo de espiritualidade. Não tenho como endossar a crença; não devo dar a entender que a espiritualidade pode ser adequadamente transmitida através de argumentos e explicações. Minha espiritualidade não deve ser vivida ou expressa de forma menos revolucionária." (Paulo Brabo)
Fui criado em berço protestante e cresci também sob a catequização a que muitos são envolvidos desde muito cedo. Mas quando me perguntam se acredito em Deus, num primeiro momento é embaraçoso porque nunca sei a que deus a pergunta se trata, meu Deus certamente não é o mesmo que o seu. "Meu céu não é igual ao seu. Nem poderia ser. Nossas saudades são diferentes.", disse Rubem Alves. Depois penso no que Miguel de Unamuno falou: "Acreditar em Deus é, antes de mais nada e principalmente, querer que ele exista." Não sei também qual é o Deus que a maioria das pessoas anseiam que exista. Então é isso, Shakespeare já dizia: "Existem mais coisas entre o céu e a terra do que sonha a nossa vã filosofia."
Diego Cosmo
Um comentário:
Diego, Deus é um só. Há os que acreditam e os que não, mas não quer dizer que não exista. Os diversos deuses aos quais você se refere são percepções diferentes desse Deus que buscamos conhecer, mas de fato, quanto humanos não estamos preparados para conhecê-lo em sua plenitude por nossas limitações, mas o amor é realmete o caminho e vazer ao próximo aquilo que gostaria que fizessem a você é uma boa instrução. A medida que evoluímos nossos amores e paixões se transformam. Que continuemos aprendendo, seja pela dor ou pelo exemplo. ;)
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