30 de janeiro de 2013

ATÉ ONDE HOUVER CAPACIDADE

Quando o corpo não tiver mais fome, quando só existirem o enfado e o cansaço, então quererei morrer. Saberei que a vida se foi, a despeito dos sinais biológicos externos que parecem dizer o contrário. (...) Alguns há que pensam que a vida é coisa biológica, o pulsar do coração, uma onda cerebral elétrica. Não sabem que, depois que a alegria se foi, o corpo é só um ataúde. (...) A vida é uma entidade estética. Morta a possibilidade de sentir alegria diante do belo, morre também a vida. (...) E aí os teólogos e médicos, invocando a autoridade da natureza, dizem que a vida física deve ser preservada a todo custo... Mas a vida humana não é coisa da natureza. Ela só existe enquanto houver a capacidade para sentir a beleza e a alegria. (...) De fato, não há razões para o medo. Porque só há duas possibilidades. Nada existe depois da morte. Nesse caso, eu serei simplesmente reconduzido ao lugar onde estive sempre, desde que o universo foi criado. Não me lembro de ter sentido qualquer ansiedade durante essa longa espera. Meu nascimento foi um surgir do nada. Se isso aconteceu uma vez, é possível que aconteça outras. O milagre pode voltar a se repetir algum dia. (...) Se, ao contrário, a morte for a passagem para outro espaço, como afirmam as pessoas religiosas, também não há razões pra temer. Deus é amor e, ao contrário do que reza a teologia cristã, ele não tem vinganças a realizar, mesmo que não acreditemos nele. Nem poderia ser de outra forma: eu jamais me vingaria dos meus filhos. Como poderia o "Pai Nosso" fazê-lo? 
 
Rubem Alves (O Médico; págs: 49, 79, 80, 81 e 82)
 

"Vai, portanto, come a tua comida e alegra-te com ela,
bebe o teu vinho com um coração feliz.
Veste-te sempre de branco
e que não falte óleo perfumado nos teus cabelos.
Goza a vida com quem amas todos os dias da tua vida...
Pois Deus já aceitou o que fizeste
."

Eclesiastes 9.7

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