3 de maio de 2011

A LOUCURA DA RAZÃO

Robin Williams em Sociedade dos Poetas Mortos

Todos aqueles que têm tido a infelicidade de lidar com criaturas completamente doidas ou que estão no estágio inicial da doença mental sabem que uma de suas características mais sinistras é a espantosa clareza dos pormenores: as coisas ligam-se umas às outras em um plano mais intrincado do que um labirinto. Se você discutir com um doído, muito provavelmente levará a pior, pois a mente do alienado, em muitos sentidos, move-se muito mais rapidamente porque não se detém em coisas que preocupam apenas quem tem bom raciocínio. O louco não se preocupa com o que diz respeito ao temperamento, à caridade ou à certeza cega da experiência. A perda de certas afecções sãs tornou-o mais lógico. A maneira como se encara, vulgarmente, a loucura é errônea: o louco não é o homem que perdeu a razão, mas o homem que perdeu tudo, menos a razão. A explicação que um doido dá a respeito de qualquer coisa é sempre completa e, por vezes, satisfatória, num sentido puramente racional. Falando mais rigorosamente, podemos afirmar que qualquer explicação dada por um louco, se não é conclusiva, é, pelo menos, irrespondível. A experiência nos mostra que o doido é, comumente, um lógico e, frequentemente um lógico bem-sucedido. O doido vive na arejada e bem iluminada prisão de uma única ideia, e todo o seu espírito converge para um ponto afiado e doloroso, sem aquela hesitação e complexidade próprias das pessoas normais. O lógico, no meio de sua morbidez, procura tornar as coisas lúcidas e acaba por tornar tudo misterioso. O místico admite que há coisas misteriosas e acaba por tornar tudo lúcido. A imaginação não produz a loucura: o que produz a loucura é exatamente a razão. Os poetas não enlouquecem, os jogadores de xadrez, sim. Os matemáticos e os caixas enlouquecem, mas os artistas criadores raramente chegam a tal estado.

Gilbert Keith Chesterton (1874-1936)
 

Em 1864, um ano após as Notas..., escreve Memórias do subsolo, cujo personagem central, o paradoxalista, polemiza intensamente com o racionalismo, a filosofia que deu o respaldo teórico à Revolução Francesa. Um dos componentes centrais da composição em Dostoiévski é o limite (Bakhtin chama de limiar): alguém impôs um limite ao homem, cabe-lhe parar diante desse limite e igualar-se ao resto da manada ou ultrapassá-lo, ainda que à custa de terríveis sacrifícios. O paradoxalista de Memórias... afirma que os homens de nervos fortes, de ação, isto é, os homens guiados pela razão, os homens da civilização burguesa, param diante do impossível, de um limite, e imediatamente se conformam. Esse limite é um muro de pedras, "naturalmente as leis da natureza, as conclusões das ciências naturais, a matemática".  O homem do subsolo polemiza com todas essas concepções e as considera ingênuas (...), desdenha desse modelo de homem guiado exclusivamente pela razão e defende o direito a viver segundo vontade própria, ainda que seja "estúpida vontade". Ele vê o homem como um ser complexo, que em toda a sua história sempre se pautou pelo livre-arbítrio, agindo "a seu bel-prazer e nunca segundo lhe ordenava a razão e o interesse". A polêmica com as teses centrais do Iluminismo tem como pano de fundo a civilização burguesa oriunda desse movimento, que incorporou os piores exemplos de violência da história e na qual o homem "talvez chegue ao ponto de encontrar prazer em derramar sangue", "os mais refinados sanguinários foram todos cavalheiros civilizados" e "são encontrados com demasia frequência, são por demais comuns, e já não chamam atenção" porque seus atos sanguinários já viraram hábito, isto é, passaram a integrar a própria civilização.

Paulo Bezerra
 
Fiódor Dostoiévski (Crime e Castigo; págs: 10 e 11)

2 comentários:

George Facundo disse...

Muito bom este post cara... Sei bem como é isso quando tô discutindo alguma questão com vc, anderson, lucas e wendel em alguma mesa de bar! hehehehehehe
Grande abraço cara!

Wendel Cavalcante disse...

Diego,

Tenho demorado muito em passar aqui no Cosmo a Pé!
Mas esse cara foi de uma lucidez, que eu vou te contar, viu!!!
Ei, George...tá chamando a gente é tan-tan? kkkkkkkkk!!!

Abração!

www.estradasou.blogspot.com