26 de setembro de 2011

A GRAÇA NÃO É SUFICIENTE?


Se fundarmos nossa igreja teremos mais dinheiro que o chefe do tráfico e não teremos o incômodo da polícia no nosso calcanhar, nem andaremos com armas nem com gente violenta. Detesto violência, sou da paz. Quem quiser nos seguir e nos pagar dízimos farão livremente. Mas nosso apelo será irresistível. Já saquei como esses pastores da TV trabalham, imprimiremos o medo do inferno nas pessoas, focaremos a culpa pelos pecados. Todo mundo tem pecado. Mostraremos como somos poderosos contra satã.

Como as massas se deixam manipular barato. Tudo não passava de uma farsa, mas o povo acreditava. Por que acreditava tão fácil? Perguntava para si mesmo. "Seria o desespero para obter ajuda espiritual? Conseguir atalhos para vencer os mais terríveis dilemas da vida? Ou mesmo preguiça de pensar, de lutar, e de encarar suas responsabilidades?". Havia também empresários, profissionais liberais e gente de razoáveis posses. O que estariam fazendo no meio da multidão? Eram pessoas que procuram garantir sua prosperidade, que buscavam uma espécie de blindagem divina contra as bancarrotas, as tragédias, as catástrofes, a falência, a violência urbana, as doenças e tudo mais que saísse do seu controle e signifique perigo de perder a boa vida que levavam.

Teologias que exigem sacrifícios, penitências e flagelo. A graça de Jesus não é suficiente? Não foi ele quem fez o sacrifício definitivo?

Jansen Viana (Apenas um Carpinteiro; págs: 35, 74, 75 e 95)

A SÍNDROME DE CENSURAR

Em geral, o critério de julgamento utilizado por um líder já é o reflexo, ou tornar-se-á reflexo, do mesmo critério utilizado pelo seu grupo de convivência. A maldade sofrida por um líder no seu grupo de convivência parece não ser muito diferente dos sofrimentos ou constrangimentos que já provocou em outras pessoas. O problema, tudo indica, reside não simplesmente na veracidade ou qualidade do julgamento feito, mas sobretudo na cultura de julgamento que se instala numa comunidade. (...) Em geral, quando alguém julga severamente, está punindo seu próprio erro ou fraqueza em potencial, tomando o outro como bode expiatório do mal que, em potencial, está dentro de si mesmo. Cada dia mais eu me convenço de que os líderes afetados pela "síndrome de censurar", invariavelmente, ou tiveram comportamentos desajustados dos quais se reprimem e vivem punindo outros com base na projeção da natureza pecaminosa que ainda os acompanha, ou então vivem passíveis e vulneráveis aos erros que condenam. (...) O hipócrita não consegue enxergar que de fato a severidade que utiliza com o outro é decorrente do mal que se aloja na sua própria natureza.

Carlos Queiroz (Ser é o Bastante; págs: 180, 181 e 183)

FIDELIDADE AO EVANGELHO

A fidelidade consiste em nosso grau de conformidade com os dogmas de uma igreja que também deve se ocupar de buscar novas respostas às novas perguntas, em lugar de se ancilosar no passado em nome da perfeição? É fidelidade o que damos quando, pretendendo ser fiéis, nos negamos a refletir junto com o restante do mundo sobre as questões que determinarão o futuro da vida neste planeta e a autenticidade da vida nesta igreja, tais como: o aborto, a eutanásia, o armamentismo nuclear, o papado, a colegialidade, o sexismo e uma ciência desenfreada, como se Jesus não tivesse pensando a partir de uma perspectiva nova nos leprosos e no pecado, nas mulheres e na vida, nos sacerdotes e no povo, em Deus e nos fariseus?

Muito pelo contrário. Não é a nenhuma instituição, por muito elevados que sejam seus objetivos, que devemos ser fiéis. A fidelidade, pura e simplesmente, busca passo a passo, lugar a lugar e projeto a projeto, unicamente a vontade de Deus e a apaixonada presença do Evangelho em um mundo que se sente mais confortável com credos do que com a religião, que está mais familiarizado com a igreja do que com Cristo, mais comprometido com a caridade do que com a justiça, mais involucrado na opressão do que na igualdade, mais dedicado a manter a fé de nossos pais proscrevendo os pronomes femininos dos textos sagrados do que a libertar o ímpeto da Boa Nova. Realmente, devemos analisar cuidadosamente a que somos fiéis, a fim de que a fidelidade não seja a nossa ruína.

Joan Chittister

Andrés Torres Queiruga (Fim do Cristianismo Pré-Moderno; págs: 64 e 65)


Encontrar clareza e tomar as decisões justas, descobrindo o sentido autêntico da Verdade que leva em seu seio, é antes de tudo tarefa da igreja toda, como comunidade viva e corpo organizado. Aí se enraíza justamente o ponto decisivo: a verdade revelada está na igreja, cristalizada como escrito na Bíblia e encarnada nas diversas formas da tradição. E isto implica que ela está sempre "situada" em contextos concretos e "mediada" por densas camadas de idéias, usos e até abusos culturais. É preciso, portanto, trazê-la à atualidade de cada geração e de cada época, de sorte que fique livre de falsos vínculos e que, dizendo o mesmo, o diga de outra maneira: só poderá manter a fidelidade encarando os riscos da mudança. Justamente seu caráter contextual obriga a compreender que sua intenção profunda deve ser retraduzida em cada etapa histórica ou forma cultural, conscientes de que "o apego às formas de expressão tradicionais levou, com maior frequência, à heresia e não à ortodoxia."

Andrés Torres Queiruga (Fim do Cristianismo Pré-Moderno; págs: 149, 150 e 169)

24 de setembro de 2011

QUANDO ACREDITAMOS NA MENTIRA

Vivi, estudei, amei, e até cri,
E hoje não há mendigo que eu não inveje só por não ser eu (...)
Fiz de mim o que não soube,
E o que podia fazer de mim não o fiz.
O dominó que vesti era errado.
Conheceram-me logo por quem não era e não desmenti, e
Perdi-me.
Quando quis tirar a máscara,
Estava pregada à cara.
Quando a tirei e me vi no espelho,
Já tinha envelhecido.

Álvaro de Campos