9 de fevereiro de 2011

PONHAM-SE À MESA



"Ora, senhores, pesemos os fatos. A vida é um rosário de pequenas misérias que o filósofo desfia, rindo. Sejam filósofos como eu, cavalheiros, ponham-se à mesa e bebamos. Nada faz o futuro parecer tão cor-de-rosa como vislumbrá-lo através de um copo de chambertin".

Alexandre Dumas (Os Três Mosqueteiros; pág: 515)

5 de fevereiro de 2011

COMO SE DEUS NÃO EXISTISSE

No século passado, Karl Marx e Sigmund Freud representavam duas grandes ameaças contra a religião. Marx afirmava que a igreja serve a interesses ideológicos de controle político e de subjugação econômica. Freud, por sua vez, percebia os mecanismos infantilizantes da religião quando sacerdotes projetam em Deus nosso desejo por um pai perfeito. Para ele, a prática religiosa condena homens e mulheres a viverem como eternas crianças, sempre precisando de intervenções sobrenaturais para enfrentar as agruras da vida.

É preciso dar a mão à palmatória. Os dois leram as instituições religiosas dos seus dias corretamente, principalmente a cristandade. Desde Constantino, o apelo do poder mostrou-se arrasador e irresistível nas igrejas. Infelizmente, os ensinos do Nazareno foram usados para autenticar o expansionismo imperialista e colonialista dos grandes impérios que se auto-proclamaram cristãos. Padres, pastores e bispos se vestiram como a grande prostituta do apocalipse e se entregaram por qualquer preço. Monarcas beijaram anéis episcopais enquanto obrigavam seus donos a lamberem suas botas. Assim, mercadejadores do templo precisaram distribuir ópio religioso para poderem fazer vista grossa e abençoar inúmeras carnificinas dos Tsares russos ao Batista cubano; das aventuras ensandecidas de Isabel espanhola às dos Bush, pai e filho.

A adoração do Deus provedor ocidental deu razão a Freud, que denunciava os recintos religiosos como incubadores de oligofrênicos. O proselitismo missionário foi feito, em grande parte, precisando de uma espiritualidade funcional. Na tentativa de mostrar a superioridade de Jeová sobre as demais divindades, criou-se um fascínio por milagres. "nosso Deus funciona", clamaram os evangelistas por séculos. Desse modo, o sobrenatural passou a ser compreendido como uma intervenção legitimadora daquele que é o verdadeiro dono do pedaço. Assim, os crentes viciados em milagres se condenaram à freudiana dependência infantil.

Em minha opinião, só seria possível resgatar a mensagem de Jesus Cristo, caso a religião abrisse mão de suas hierarquias institucionais, demitisse elites, democratizassem o acesso a Deus, e esvaziasse os rituais da função de serem técnicas para se obter bênçãos. É importante que repensemos a fé, seguindo o exemplo de Jesus que viveu sem precisar de milagres e morreu sem apelar para os anjos. Iguais a ele, precisamos viver sem os cabrestos da religião e sem as intervenções de Deus.

Concordo com John Hick em Evil and the God of Love (New York, Harper & Row; London, Mcmillan, 1966, p. 317)

Ao criar pessoas finitas para amar e serem amadas por ele, Deus precisa dotá-las com certa autonomia relativa quanto a si mesmo. Mas como pode uma criatura finita, dependente do Criador infinito quanto à sua própria existência e a cada poder e qualidade do seu ser, possuir qualquer autonomia significativa em relação a esse Criador? A única maneira que podemos imaginar é aquela sugerida pela nossa situação efetiva. Deus precisa colocar o homem a distância de si mesmo, de onde ele então pode vir voluntariamente a Deus. Mas como algo pode ser colocado à distância de alguém que é infinito e onipresente? É óbvio que a distância espacial não significa nada nesse caso. O tipo de distância entre Deus e o homem que criaria certo espaço para certo grau de autonomia humana é a distância epistêmica. Em outras palavras, a realidade e a presença de Deus não devem se impor ao homem de forma coercitiva como o ambiente natural se impõe à atenção deles. O mundo deve ser para os homens, pelo menos até certo ponto, etsi deus non daretur, como se Deus não existisse. Ele precisa ser cognoscível, mas apenas por um modo de conhecimento que implique uma resposta livre da parte do homem, consistindo essa resposta em uma atividade interpretativa não-compelida através da qual experimentamos o mundo como realidade que media a presença divina.

Uma nova igreja precisa se desvincular de seu fascínio pelo poder, qualquer um: político, econômico, militar ou espiritual. Repito, urge que homens e mulheres construam sua humanidade, sendo sal da terra e luz do mundo, sem necessitar de repetidos socorros celestiais.

Ricardo Gondim

2 de fevereiro de 2011

"SE EU NÃO AMÁ-LOS COMO SÃO, NÃO SERÁ A ELES QUE ESTAREI AMANDO"

Não consigo ainda deixar de me perguntar se nestes dias em que tão vasta proporção da humanidade está mergulhada no materialismo, Deus não deseja que haja homens e mulheres que entregaram-se a Ele e a Cristo e permanecem apesar disso fora da igreja. De qualquer modo, quando penso no ato pelo qual eu entraria na igreja como algo concreto, que pode acontecer num futuro próximo, nada me dá mais dor do que a ideia de separar-me da imensa e desafortunada multidão de descrentes. Tenho a necessidade essencial, creio que pode-se dizer a vocação, de andar entre homens de todas as classes e feições, misturando-me a eles e compartilhando de sua vida e perspectiva na proporção que a consciência permite, mesclando-me à multidão e desaparecendo no meio dela, para que eles se mostrem a mim como são, removendo todos os seus disfarces diante de mim. Isso porque desejo conhecê-los de modo a amá-los como são. Pois se eu não amá-los como são, não será a eles que estarei amando, e meu amor será irreal.

Simone Weil (carta de 1942 ao padre Perrin)

9 de dezembro de 2010

É AGORA OU NUNCA!

Mas entendi muito cedo que uma vida se passa num tempinho à-toa, olhando para os adultos ao meu redor, tão apressados, tão estressados por causa do prazo de vencimento, tão ávidos de agora para não pensarem no amanhã... Mas, se tememos o amanhã, é porque não sabemos construir o presente e, quando não sabemos construir o presente, contamos que amanhã saberemos e nos ferramos, porque amanhã acaba sempre por se tornar hoje, não é mesmo? Portanto, não devemos de jeito nenhum esquecer aquilo. É preciso viver com essa certeza de que envelheceremos e não será bonito, nem bom, nem alegre. E pensar que é agora que importa: construir agora, alguma coisa, a qualquer preço, com todas as nossas forças. Sempre ter na cabeça o asilo de idosos a fim de nos superarmos a cada dia, para tornar cada dia imperecível. Escalar passo a passo nosso próprio Everest e fazê-lo de tal modo que cada passo seja um pouco de eternidade. O futuro serve para isto: para construir o presente com verdadeiros projetos de pessoas vivas.

Muriel Babery (A Elegância do Ouriço; pág: 138)