18 de junho de 2009

ONIPOTÊNCIA BENEVOLENTE


- Padre - disse Chartrand - posso lhe fazer uma pergunta esquisita?
 
O camerlengo sorriu.
 
- Só se eu puder lhe dar uma resposta esquisita.
 
Chartrand achou graça.
 
- Já perguntei isto a todos os padres que conheço e continuo não entendendo.
 
- O que é que você não entende?
 
O camerlengo ia na frente em passos rápidos, o pé levantando a ponta da batina quando ele andava. Os sapatos eram pretos, de sola crepe, e combinavam com ele, pensou Chartrand, como se refletissem a essência do homem: moderno mas modesto e mostrando sinais de desgaste.

Chartrand respirou fundo.
 
- Não entendo o que vem a ser uma onipotência benevolente.
 
O camerlengo sorriu.
 
- Você anda lendo a Sagrada Escritura.
 
- Eu tento.
 
- E está confuso porque a Bíblia define Deus como uma divindade onipotente e benevolente.
 
- Exato
 
- Onipotente e benevolente significa apenas que Deus é todo-poderoso e bem-intencionado.
 
- Compreendo o conceito. É que parece haver uma contradição aí.
 
- Sim. A contradição é a dor. A fome, as guerras, as doenças.
 
 - Exatamente! - Chartrand sabia que o camerlendo compreenderia - Coisas terríveis acontecem neste mundo. A tragédia humana é como uma prova de que Deus não pode ser simultaneamente todo-poderoso e bem-intencionado. Se Ele nos ama e tem o poder de mudar nossa situação, Ele deveria também evitar nossas dores, não é?
 
 - Deveria mesmo? - perguntou o camerlengo.
 
Chartrand ficou embaraçado. Teria passado dos limites? Será que se tratava de uma daquelas perguntas religiosas que não se devia fazer?
 
- Bem, se Deus nos ama, se é capaz de nos proteger, Ele deveria, sim. Parece que Ele é onipotente e indiferente ou, ao contrário, benevolente e incapaz de nos ajudar.
 
- Tem filhos, tenente?
 
Chartrand enrubesceu.
 
- Não, signore.
 
- Imagine se tivesse um filho de oito anos. Você o amaria?
 
- Claro.
 
- E faria tudo o que pudesse para evitar que ele sofresse na vida?
 
- Claro que sim.
 
- E deixaria que ele andasse de skate?
 
Chartrand estacou, admirado. O camerlengo parecia singularmente "por dentro" para um sacerdote.
 
- Sim, acho que sim - disse Chartrand.- Com certeza deixaria que andasse de skate, mas diria a ele para ter cuidado.
 
- Quer dizer que, como pai desse menino, você lhe daria uns bons conselhos básicos e deixaria que saísse e cometesse seus próprios erros?
 
- Eu não correria atrás dele para mimá-lo, se é o que o senhor quer dizer.
 
- E se ele caísse e ralasse o joelho?
 
- Ele aprenderia a ser mais cuidadoso.
 
O camerlengo sorriu de novo.
 
- Então, quer dizer que, mesmo tendo o poder de interferir e evitar que seu filho sentisse dor, você optaria por demonstrar seu amor deixando-o aprender suas próprias lições?
 
- Claro, a dor é parte do crescimento. É como aprendemos.
 
O camerlengo sacudiu a cabeça.
 
- Exatamente.

Dan Brown (Anjos e Demônios; págs: 301 e 302)

5 de abril de 2009

SEDE DE INTIMIDADE

Aquilo que o ser humano tem de mais precioso é a sua intimidade. A alma e o corpo despidos, as expressões de prazer, o rosto sem maquiagem, as roupas de dormir, esquisitices que não se atrevem a sair pelas portas de casa. Tudo isso é raro e exige um processo gradual para penetrá-lo. Isso, e mais alguns pormenores, o casal que se ama compartilha é o tesouro que só o cônjuge explora; a coroa que veste bem aquele que faz por onde conquistar; regiões que só quem ama tem acesso. Infelizmente a mídia tem vulgarizado, barateado esse valor. Nunca foi tão fácil, como em nossos dias, invadir a privacidade de alguém, descobrir seu corpo, desejos, virtudes, defeitos, enfim, aquilo que lhe torna único. Estão aí os REALITY SHOWS que deixam os espectadores boquiabertos diante da TV quase entrando pela "fechadura virtual"; as revistas pornográficas disfarçadas da expressão glamurosa "nu artístico"; revistas que abrem as portas das mansões de vaidosos exibindo suas coleções de sapatos e chapéus; um oceano de sites de fofocas e pornografias convidando à navegação; namoros virtuais; visitas "surpresas" a artistas que já acordam penteadas e maquiadas! E tudo isso é espantosamente acessível! É só comprar, ler, clicar, zapear e se iludir que conhece a vida do seu ídolo.

O homem tem inerentemente essa sede de intimidade, sede de conhecer e ser conhecido. O mercado sacou isso e explora abusivamente essa necessidade gerando uma intimidade irresponsável, porque sem compromisso, e falsa, porque é sem contato, é virtual, impessoal. E o homem moderno caminha assim: isoladamente "íntimo" das pessoas. Como quase todo movimento da sociedade se movimenta na igreja, muitos evangélicos pensam intimidade de maneira confusa. Para muitos o ideal seria um BIG BROTHER CELESTIAL onde o cristão, anonimamente, assistisse a intimidade da trindade e seus anjos; ou quem sabe um site que pudesse baixar canções celestiais, ver o movimento do reino em tempo real, mas sem envolvimento algum.

Talvez isso seja um tanto exagerado e até meio irreverente, mas podemos tentar de novo: uma oração bem feita com um sotaque bem evangélico e fazendo referências bíblicas para convencer; promessas, votos; ativismo religioso; disciplinas espirituais na tentativa de barganhar com Deus; um culto; seminários; retiros; o dízimo. "Pronto, sou amigo de Deus!"; "tenho intimidade com o divino!" (Não é de se admirar que no grande Dia muitos ouvirão do mestre: "...nunca vos conheci... [Mt 7.22,23]). Felizmente não acontece assim. A Bíblia nos ensina que a intimidade do senhor é para aqueles que o temem (SL 25.14a). Não é o temor de medo, mas de estremecimento que tem aquele que não quer chegar à presença do senhor displicentemente. É o zelo do sacerdote que lava as mãos na pia de bronze antes de pegar os utensílios sagrados para ministrar (Ex 30.17-21); também do salmista que guarda a palavra do senhor no coração para não pecar contra ele (SL 119.11). Esse temor não é o temor afasta, mas que aproxima, pois quanto mais fraco eu sou, mais de joelhos aos pés de Cristo estou (2Co 12.10). O tabernáculo do antigo testamento era conhecido como "tenda do encontro". Era o lugar onde o homem se encontrava com Deus, adorava, dava o seu sacrifício e ouvia a palavra. Mas para isso tudo acontecer havia toda uma preparação. O povo tinha que montar a grande tenda, colocar os untesílios nos devidos lugares para, então penetrar a intimidade de Deus e oferecer o seu culto. Era o ritual do encontro com jeová! (Ex 40.17-38)

Com a vinda de Jesus, o templo é hoje, agora, aqui e em qualquer lugar (Jo 4.19-24), não tenho que montar nenhuma tenda ou igreja para que a presença do Senhor se faça real ela já é fato! O que podemos tirar de princípios da experiência dos hebreus é que para conhecer a intimidade de Deus, entrar na "tenda do encontro", há uma boa caminhada, uma preparação, uma conquista, uma "sedução". E até essa caminhada é com o próprio Deus: "Eu sou o caminho..." disse Jesus (Jo 14.6), indicando que o caminho que leva a Ele não é um conceito, uma instituição, uma denominação, uma filosofia, uma técnica ou estratégia, mas é gente que se relaciona. Conhecer exige tempo para se relacionar. É um namoro levado a sério! Nosso Deus nos ama tanto que nos deseja todo. "Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma e de toda a tua força" (Dt 6.5). Que o Senhor nos livre de um relacionamento "virtual-religioso" apenas num culto, num congresso, num retiro, numa oração...  E nos incline ao desejo de um namoro gostoso com Ele que seja perene, integral, real, relacional até se consumir a eternidade!

Márcio Cardoso

7 de novembro de 2008

POEMA DO HOMEM



Bendita a primavera da vida, breve,
Cujo sopro tudo atravessa!
A forma desaparece
Enquanto o ser para a vida desperta.
Gerações se sucedem
No esforço de evoluir;
Espécie produz espécie,
Em tempos que não têm fim;
Mundos inteiros se erguem e declinam!
Mergulha nos encantos da vida, ó flor,
Na ourela da primavera;
Louvando a bondade do Eterno,
Aproveita a tua curta existência.
Também o teu óbolo;
Breve e hesitante,
Sopra, o quanto agüentares,
A tua parcela de vida ao dia eterno

Bjornstjerne Bjornson