7 de maio de 2010

A FAIXA PRETA


Para obter uma faixa preta não é fácil, mas vale a pena. Pode levar um ano; pode levar dez anos. Talvez você nunca a consiga. Quando se compreende que ela não é tão importante quanto a prática em si, provavelmente está se aproximando do nível de faixa preta. Quando você compreende que não importa quanto tempo ou quão duro você treine e que há uma vida inteira de estudo e prática à sua frente até a morte, você provavelmente está chegando perto da faixa preta. Seja qual for o nível que você obtenha, se você achar que "merece" uma faixa preta ou se achar que você agora é "bom o suficiente" para ser um faixa preta, estará fora do caminho e sem dúvida, muito distante de alcançá-la. Treine duro, seja humilde, não se exiba diante do seu mestre ou de outros alunos, não reclame de nenhum encargo e dê o seu melhor em tudo na sua vida. Este é o significado de ser um faixa preta. Ser auto-confiante demais, exibir suas habilidades, ser competitivo, desprezar os outros, demonstrar falta de respeito e escolher aquilo que faz ou não faz (acreditando que alguns trabalhos são indignos de você) caracterizam o aluno que nunca obterá a faixa preta. Aquilo que vestem ao redor da cintura não passa de uma peça de comércio comprada por uns poucos dólares em alguma loja de artigos para artes marciais. A verdadeira faixa preta, usada por um verdadeiro possuidor, é a faixa branca do principiante, tingida de preto pela cor do seu sangue e do seu suor.

Seu treinamento inicial é muito importante: ele determina como você finalmente será como um faixa preta. Em meus muitos anos de ensino, notei que os alunos que estão apenas preocupados em obter a faixa preta desanimam facilmente, assim que percebem que é mais difícil do que esperavam. Alunos que vêm apenas pela prática, sem preocupações com nível ou promoção, sempre se saem bem, não são oprimidos por objetivos superficiais ou irreais. Há uma história famosa sobre Yagyu Matajuro, que era filho da famosa família Yagyu de espadachins so século XVII, no Japão feudal. Ele foi expulso de casa por falta de potencial e de talento e buscou a instrução do mestre Tsukahara Bokuden, na esperança de dominar a arte da espada e reaver a sua posição na família. Em sua entrevista inicial, Matajuro perguntou a Tsukahara, "quanto tempo levará para dominar a espada?" Bokuden respondeu, "oh, cerca de cinco anos se você treinar muito duro." "se eu treinar duas vezes mais duro, quanto tempo levará?" perguntou Matajuro. "nesse caso, dez anos", replicou Bokuden.

Você deve compreender também que embora preencha todos os requisitos, o número certo de técnicas, todas as formalidades, e tenha acumulado o número apropriado de horas de treino, pode ainda não estar qualificado para ser um faixa preta. Obtê-la não é uma entidade quantitativa que se possa medir ou pesar como comprar feijão no mercado. Sua faixa preta está relacionada com você enquanto pessoa, como você se conduz dentro e fora do dojo, sua atitude para com o seu mestre e para com os colegas, seus objetivos na vida, como você lida com os obstáculos em sua vida e como persevera no treinamento são todas condições importantes para a obtenção da faixa preta. Ao mesmo tempo, você se torna um modelo para outros alunos e finalmente alcança o status de professor ou instrutor assistente. No dojo, suas responsabilidades são maiores do que as dos alunos regulares e você é responsável por muito, muito mais do que os estudantes juniores.

Treinar nada tem a ver com ranks ou faixas, troféus ou distintivos. Arte marcial não é simplesmente brincar com as nossas fantasias. Ela se relaciona com a própria vida e a morte, não somente a forma como nos protegemos em uma situação crítica, letal, mas também como protegemos as vidas dos outros. Você não pode ser outra pessoa, não importando se é um astro do cinema, um grande professor ou um multimilionário. Você deve se tornar você mesmo, seu self verdadeiro. Uma pessoal normal vive apenas 50% ou talvez 80% da sua vida, sem nunca saber quem ela é. Um artista marcial vive 100% da sua vida e se torna impecável. É isto o que o verdadeiro faixa preta deve compreender dentro de si mesmo, ele não é ninguém a não ser ele mesmo, e sua prática o conduz a iluminação para dentro da sua verdadeira identidade, seu self real, Esta é a essência de treinar artes marciais.

Para obter a faixa preta, primeiramente pense em perdê-la, não em ganhá-la. Sawaki Kodo, um mestre zen, sempre dizia, "ganhar é sofrer, a perda é iluminação." Se alguém perguntar a diferença entre os artistas marciais das gerações anteriores e aqueles da atualidade, eu resumiria desta forma: os artistas marciais das gerações passadas viam o treinamento como uma "perda". Interromperam tudo por sua arte e por sua prática, deixaram suas famílias, trabalho, segurança, fama, dinheiro, tudo, para se aperfeiçoarem. Hoje pensamos apenas sobre ganhos, "quero isto, quero aquilo." Queremos praticar artes marciais mas também queremos dinheiro, um bom carro, fama, telefones portáteis e tudo aquilo que todo o mundo tem. Shajyamuni Buddha deixou seu reino, seus palácios, uma bela esposa e tudo o mais para finalmente buscar a iluminação. O primeiro estudante de Boddhidharma, considerado o fundador do Kung Fu Shaolin, cortou fora seu braço esquerdo para estudar com seu mestre, Não temos que tomar medidas drásticas, como essa, para aprender artes marciais hoje, mas não devemos esquecer o espírito e a determinação dos grandes mestres do passado.

Quando o estudante vê o seu treino do ponto de vista da perda ao invés do ganho, ele se aproxima do espírito da maestria e verdadeiramente se torna merecedor de uma faixa preta. Somente quando você finalmente pára de pensar em graus, faixas, troféus, fama, dinheiro e na maestria em si mesma, você obterá aquilo que é realmente importante no treinamento. Seja humilde, seja gentil. Cuide dos outros e coloque todos à sua frente. Estudar artes marciais é estudar a si próprio, sua própria identidade, nada tem a ver com grau. Um grande mestre zen disse certa vez: "estudar o zen é esquecê-lo. Esquecer o zen é compreender todas as coisas."

Sensei Wagner Bull (www.aikikai.org.br)


Entrevista com David Kerr

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