7 de julho de 2016

A ZONA

Pedro Rizzo

Rizzo lutou bem nas duas derrotas para Couture, mas deixou o octógono abalado na segunda vez. Competitivo ao extremo, ele detesta quando lhe dizem que perder faz parte do jogo, ainda mais quando sente que teve a chance de vencer. Na maioria dos esportes, o atleta vive um tempo relativamente curto entre competições. Um tenista, por exemplo, em geral tem um torneio a cada uma ou duas semanas, o que significa uma chance de se recuperar logo de uma derrota. No MMA às vezes são quatro, cinco meses lidando com o último fracasso até ganhar uma nova oportunidade. Quando não sabe suportar esse período angustiante, o lutador pode começar a perder o próximo combate antes de subir no octógono. Ou viver o que aconteceu com Rizzo. Os elogios que ouvia - ainda mais depois da vitória sobre o bom bielorrusso Andrei Arlovski no UFC 36 - agora lhe faziam mais mal do que bem. Passou a encará-los como cobrança, sem se dar conta de que a cobrança mais impiedosa vinha de si mesmo. Não enxergava mais o público como pessoas que tinham ido ali para se divertir em uma noite de sábado, mas como fãs que chegavam para assistir a uma vitória dele. "Em vez de eu pegar essa idolatria e me motivar, eu fiz o contrário. Eu pensava: 'Caraca, não posso perder.' E dizer 'não posso perder' é o primeiro passo para o abismo. Se você não luta pra frente, você luta pra não perder. Se você luta pra não perder, você só se defende ou contra-ataca. E aí você perde. Foi o que aconteceu comigo. Tive o sucesso nas mãos e dei mole", conta Rizzo. São demônios internos que convivem com todos os lutadores, mas poucos têm coragem de revelá-los.

"Se você perde duas seguidas, o pessoal acha que você está acabado."

Há poucos exemplos melhores do que o de Pedro Rizzo para ilustrar a montanha-russa emocional e a profusão de conflitos internos que fazem parte da vida de um lutador de MMA. Quando a porta do octógono se fecha, o trabalho de uma equipe de treinadores, preparadores físicos e nutricionistas está encerrada. Além do adversário, o lutador precisa enfrentar também suas inseguranças. A maioria deles reporta aumento da transpiração e da tensão muscular. A percepção visual também fica mais aguçada, completando um quadro clássico de descarga de adrenalina no sangue. "Esse esporte é mais de 50% mental", afirma Murilo Bustamante. Um atleta só consegue render o máximo se estiver bem-resolvido do ponto de vista emocional, apontam treinadores e especialistas. Exemplo de agressividade e destemor, Wanderlei Silva diz que o lutador que se apequena dentro do octógono tem tudo para sair de lá massacrado. "Diante do público, o cara tem que crescer, tem que fazer o que está preparado para fazer. Precisa se concentrar e ao mesmo tempo ficar tranquilo, não se ater muito ao tamanho do show. Senão fica nervoso mesmo", diz. Em outras palavras, Wanderlei está dizendo que o lutador de MMA precisa encontrar um estado mental chamado pelos psicólogos do esporte de "a zona", que pode ser definido como uma "concentração relaxada" ou um "relaxamento concentrado". Em esportes de risco, esse é o melhor caminho para que o atleta atue no "automático", ou seja, faça o que treinou sem realizar um grande esforço mental.

Nesse aspecto, o MMA tem uma peculiaridade ausente inclusive em outras modalidades de luta, como o jiu-jítsu e o judô. É como se o público desse esporte esperasse que o atleta não estivesse em cima do octógono apenas para vencer, mas para dar demonstrações de coragem e até de heroísmo. Por mais técnico e vitorioso que seja, um lutador cauteloso corre o risco de ser vaiado. Minotauro, por sua vez, não se tornou ídolo apenas por suas vitórias, mas pela incrível capacidade de manter a agressividade mesmo apanhando. O torcedor padrão de MMA aceita que o lutador tenha medo, mas não que se acovarde. Considerado instável emocionalmente por alguns colegas e treinadores, Vitor Belfort acredita que o medo funciona como um controlador de limites no esporte. "Os sentimentos têm que ser controlados porque o medo em excesso se torna temor e te paralisa, mas, se o cara não tem medo, ele é um inconsequente e vai se machucar feio", diz.

Fellipe Awi (Filho Teu Não Foge à Luta; págs: 275, 276, 278, 279 e 280)

EQUIPE

O modelo de equipes, estimulado na Japão, se revelou inviável no UFC de Dana White. "De certa forma, a equipe nos dava certo controle na formação dos cards. Se você tem dois, três campeões, imagine a sua força para negociar. Mas, quando se está sozinho, é um cara contra uma instituição. Eles preferem assim", opina Bebeo Duarte. No UFC atual, o lutador, claro, pode pertencer a uma academia, mas sua comissão técnica normalmente é formada por profissionais de diversos lugares. O enfraquecimento das equipes, em especial das brasileiras, não se explica apenas pelo modelo do UFC - ele simplesmente lançou novos elementos para agravar as divergências internas. Os lutadores queriam mais independência para escolher sua equipe e negociar os contratos.

Fellipe Awi (Filho Teu Não Foge à Luta; págs: 249 e 250)

AUTOBIOGRAFIA DE UMA ANGÚSTIA

Uma dose dupla em homenagem a dor. No plural em referência aos olhos. A perspectiva do zoom é ressignificante. Num horizonte à vista há dois mares. Beleza e tragédia pairam e caem do ar na insanidade de um sorriso lagrimoso. A falta de sentido, mãe da liberdade, nos convida a ensaiar o voo livre que por sua vez fez a contingência vomitar nas mãos as rédeas da própria existência, que se impõe, sem bater na porta com a essência que socorre. O homem não veio do barro, mas do barroco. Que a velhice queime em nome da luz que se finda, que o espectro do olhar melancólico e lúcido de quem se depara com a pupila dilatada da morte nos advirta. Aos bipolares, eles são mais coerentes do que supõe nosso charme.. Somos caos, não que todo o esforço da dita ordem seja uma negação, apenas uma tentativa de levarmos o vazio de certas facetas. Um relógio em busca das horas que nunca saberá e que jura poder saber um dia. É válido. Afinal, nada mais assustador do que o desconhecido. O teatro barato da mais fina racionalidade não nos foge o caráter tanto quanto a mais lambuzada emocionalidade. No jogo revelamos os lados de um suposto puritanismo calcado no mais divino profanismo. Nos encontramos na puberdade da humanidade, em meio ao bônus da energia brilhante do idealismo. A honra da selvageria de nossos impérios ruem ao lampejo do grande messias, longe de pudor, o amor. A utopia é acreditarmos sermos capazes mas milagres acontecem de verdade. Uma boa notícia. O que colore a vida é tão palpável quanto nossas memórias de sangue, que nos constrói e destrói.

A consciência é uma arma a borbulhar, um caminho sem volta, a mordida proibida, no qual somos todos convidados pela atraente e indisfarçável transgressão. Fadados estamos de modo a simpatizarmos pelo status quo, o inevitável assusta. A morte é o lembrete-mor, está para nós como a vida está, eis a tragédia humana. Tudo passa, seja lá o que a gente acha que passa. No melhor das hipóteses, a mais bela vida alcança a morte. Não há felicidade que escape a frustração que a aguarda. Não há tristeza imune a felicidade. Quanta construção e desconstrução uma vida suporta? Quantos encontros e desencontros? É o que dá tempo, andar tropeçando, sob o consolo de ficarmos mais criativos na arte de fazermos das quedas passos elegantes. Sempre faltará, arrependerá, escolher é excluir. Embora, sempre esquecemos que o sempre nem sempre é sempre. A vida nos suplica calma, mas faz questão de sacanear, queima, gela e até nos presenteia. Do começo ao fim, a gravidade nos lembra em que direção realmente estamos indo. No qual sempre soubemos apenas duas coisas: Nada e porra nenhuma.. Para todos os efeitos, daqui ninguém sai, no pior - ou melhor - das hipóteses, eterniza-se na natureza. É um palpite. Transcendemos a nós mesmo ao ponto de nos angustiarmos por conta própria. Diante do cenário, o convite é fazer da vida um fim em si, e em pouco tempo, eis a sabedoria. Nos falta estrutura ou ignorância? Espero ter o privilegio de não ter tanta necessidade de respostas. Até lá me resta a inútil inquietude cética... Porém, o diabo já não me convence do conto da imortalidade.

Desconhecido