15 de setembro de 2016

AS LUTAS DE UM COMBATE

Nos três, quatro meses de preparação para um combate, o atleta do UFC deve se acostumar aos sacrifícios físicos. Cada um deles trabalha num limite diferente de tolerância à dor, mas todos devem encará-las apenas como mais um elemento da disputa, como são o adversário, o árbitro e o público. Muitos dizem que o estado de concentração e excitação durante o combate é tão intenso que não há espaço para sentir dor. "Sabe quando uma pessoa toma um tiro ou é atropelada, mas continua correndo, movida pela adrenalina? É mais ou menos assim que a gente se relaciona com a dor. Só nos damos conta dela horas depois da luta, depois que o corpo relaxa", diz Rizzo. "Não temos medo da dor. Temos medo é de perder." Encarada de outro modo, a dor pode gerar um efeito psicológico nefasto. Entrar no octógono significa aceitá-la. Mesmo que às vezes o combate seja tão rápido que não haja tempo de senti-la, já foi tomada a decisão mais difícil, a de se submeter a ela. "Por isso, todo lutador merece respeito. Tem que ser macho mesmo para entrar naquele octógono", afirma Wanderlei Silva. A vulnerabilidade dos combatentes se revela ao final de cada evento. Antes de começar a tradicional entrevista coletiva pós-luta, Dana White lista as lesões mais graves e se houve necessidade de levar o atleta a um hospital. Na semana seguinte, o departamento médico das comissões atléticas libera uma lista com o tempo em que cada lutador ficará afastado de lutas oficiais até se recuperar totalmente. É bastante comum ver cards do UFC em que todos os participantes apresentam algum tipo de lesão. Mesmo que saia aparentemente intacto do octógono, o atleta é afastado de competições por pelo menos 14 dias por precaução. Ao ser nocauteado, passa obrigatoriamente por um exame de imagem, além da suspensão, que é variável. Quando a derrota é por finalização, ele costuma ficar afastado sessenta dias. "As pessoas ficam preocupadas quando veem a gente apanhando na luta, mas não imaginam que já apanhamos muito mais nos treinamentos durante a semana. Somos preparados para isso", afirma Minotauro.

Para muitos, o maior sofrimento se concentra nos últimos dias antes dos confrontos. Quase todos pesam, no dia a dia, além do limite de sua categoria. Há casos extremos, como o de Gleison Tibau, que normalmente chega à semana anterior da luta com 15 quilos a mais que o permitido entre os pesos leves. Às vezes, sobram até sete, oito quilos para serem eliminados no último dia. É claro que a quase totalidade dessa perda é de água. Para perder sete quilos num dia, Wanderlei já passou quatro horas dentro de uma sauna, vestido com uma roupa especial que aumenta a transpiração. Ele também é adepto da imersão numa banheira cheia de sal para estimular a saída de água do corpo. Em seguida, com o mesmo objetivo, os atletas passam uma pomada que mantém os poros abertos por algumas horas. A desidratação absurda pode causar perda de potássio, cálcio e magnésio, hipotensão, alteração do metabolismo, irritação e sobrecarga dos rins e do coração - o que se agrava quando ocorre com frequência. Depois da pesagem, feita na véspera do combate, eles recuperam boa parte do que perderam à base de infusão de soro e de uma dieta especial, o que torna irreal o limite de peso estipulado pela categoria. A longo prazo, essa prática pode causar envelhecimento das células e desgaste de ligamentos, músculos e articulações. "É por essas coisas que esse é um esporte para poucos", afirma Wanderlei. Talvez por isso, mais que em qualquer esporte olímpico, o MMA suscite um sentimento de cumplicidade entre os atletas. Há, em geral, um respeito mútuo entre aqueles que aceitam entrar numa gaiola para pôr à prova sua força e coragem. Ao mesmo tempo que se consideram "eleitos" para um esporte tão duro, orgulham-se da escolha desse caminho para viver. O que não quer dizer que a relação entre os lutadores do UFC seja, de maneira geral, muito próxima. "Fora os brasileiros que treinam comigo, tenho poucos amigos no UFC. O Rich Franklin [um matemático que perdeu o cinturão justamente para o brasileiro] é um cara que posso considerar um amigo. Mas a relação, em geral, é de muito respeito", diz Anderson Silva.

Os nomes de maior destaque no país dificilmente continuem aqui depois dos 24, 25 anos de idade. Mesmo que não acabem no UFC, eles têm chances de encontrar outro torneio no exterior que lhes permita viver do esporte. Para acompanhá-los, treinadores e equipes de apoio também deixam o país. Só quando se tornam astros internacionais, como no caso de Anderson Silva e Minotauro, eles podem voltar ao Brasil com suas equipes e montar uma estrutura para treinar novamente por aqui. "Quando os atletas estão treinando com os melhores, eles tendem a evoluir com muito mais rapidez. Mas, como os melhores estão indo para os Estados Unidos, o desenvolvimento do atleta no Brasil fica prejudicado. Só resta a ele encontrar uma oportunidade lá fora também", explica o treinador Bebeo Duarte.

Fellipe Awi (Filho Teu Não Foge à Luta; págs: 280, 281, 282, 307 e 308)

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